domingo - 08/06/2025 - 04:18h

Sebo Vermelho

Por Bruno Ernesto

Interior do Sebo Vermelho Foto: Bruno Ernesto)

Interior do Sebo Vermelho Foto: Bruno Ernesto)

Na última visita que fiz ao amigo Abimael Silva, no dia 20 de dezembro de 2024, matei a saudade daquele templo da cultura, leitura e resistência, encravado ali na outrora tão prestigiada Avenida Rio Branco, no centro velho de Natal.

Conheci Abimael em 2000, quando estagiava no Edifício 21 de Março, na rua Vigário Bartolomeu, no bairro da Cidade Alta, nos fundos da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação.

Reputo que essa temporada na cidade alta foi determinante para a minha formação cultural.

Ali conheci e fiz amizade com muitos escritores, professores, artistas, intelectuais e outras personalidades que são referência para a cultura de Natal e do nosso estado.

Entre um intervalo e outro, na chegada ou na saída, sempre ia ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Instituto Câmara Cascudo, Igreja do Galo, Pinacoteca, Capitania das Artes, Beco da Lama e, claro, batia o ponto no Sebo Vermelho.

Conheci uma turma interessantíssima numa cigarreira chamada Caixa de Fósforo, que era tocada pelos irmãos Medeiros e Valdir, ambos com bigodes vistosos e milimetricamente cuidados, localizada na rua Princesa Isabel, que era o ponto de encontro.

Andava a Ribeira inteira. Conheço cada canto da Cidade Alta e da Ribeira.

Após tantos anos, praticamente apenas o Sebo Vermelho resiste naquela avenida que vai expirando a cada dia, embora ainda traga viva na memória a visão e os sons de um tempo tão pulsante daqueles anos oitenta da minha querida cidade Natal.

O encontro foi maravilhoso e produtivo. Saí de lá com uma parceria literária para publicar pelo selo Sebo Vermelho, a convite de Abimael, que manifestou sua vontade de vir à Mossoró com brevidade.

Aproveitei a ocasião e tentei convencê-lo a me vender uma belíssima escultura que é de autoria Dimas, um amigo dele de Acari – já falecido – e que está posta bem no meio do salão.

Não o convenci, ainda. Mas, de outra sorte, ele me mostrou preciosos exemplares de livros com assuntos que muito me interessam, especialmente sobre a história do Rio Grande do Norte.

Aliás, graças à sua dedicação e persistência, muitos títulos preciosíssimos foram publicados e outros tantos republicados, difundindo e preservando nossa história local, notadamente da cultura sertaneja, de modo que podemos considerá-lo um patrimônio imaterial por sua inegável importância cultural e histórica.

Conversamos por mais de hora, enquanto Abimael fazia uma retrospectiva de sua missão como sebista e editor.

Embora a cultura do sebo venha perdendo espaço nos últimos anos, tal qual o próprio hábito da leitura, o Sebo Vermelho mantém um público fiel e jamais perdeu a sua essência e, sem dúvida, já tem o seu nome escrito na história.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 01/06/2025 - 10:10h

Tive medo

Por Honório de Medeiros

Foto em Natal, do autor da crônica

Foto em Natal, do autor da crônica

Nessa rua, da qual somente se percebe um vislumbre, durante o dia raros sãos os pedestres e mais ainda aqueles carros ansiosos, a passarem velozes, em sua busca frenética e atormentada.

Suas poucas casas, inclusive as comerciais, têm grades. Os vizinhos, poucos – ainda os há – não se conhecem, me disse o vigilante que a percorre durante a noite portando um apito, e, na cintura, um cassetete de madeira, para amedrontar os incautos.

Nunca vi crianças correrem em suas calçadas, gritando uma com as outras, brincando despreocupadas, vigiadas por pais amorosos a conversarem serenos, como ocorria na minha meninice.

Entretanto, outro dia vi uma criança grande dormindo no chão. Quis confortá-lo, mas tive medo.

Natal, algum dia de 2024.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 01/06/2025 - 09:56h

Vida e arte em Nuremberg

Por Marcelo Alves

Foto com alguns dos principais criminosos nazistas (Reprodução da Web)

Foto com alguns dos principais criminosos nazistas (Reprodução da Web)

Por estes dias, enviei um artigo para a revista da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN analisando, de uma forma mais extensa do que é possível num espaço de jornal, o filme “Julgamento em Nuremberg” (“Judgment at Nuremberg”), de 1961.

Um clássico dos “filmes de tribunal”, do ponto de vista cinematográfico, “Julgamento em Nuremberg” é simplesmente uma película fantástica. Sob a direção de Stanley Kramer, é protagonizado por gente do top de Spencer Tracy, Burt Lancaster, Marlene Dietrich, Judy Garland, Montgomery Clift, Richard Widmark, Maximilian Schell, Werner Klemperer e William Shatner, entre outros. Em 1962, ele foi indicado a onze estatuetas do Oscar, entre elas as de melhor filme, melhor direção, melhor roteiro adaptado, melhor fotografia, melhor direção de arte, melhor ator (duas vezes) e por aí vai.

Levou dois prêmios, melhor ator (Maximilian Schell) e melhor roteiro adaptado (para Abby Mann), aos quais se somaram alguns globos de ouro. Ao mesmo tempo “film d’acteurs” e “film à thése”, “Julgamento em Nuremberg” dramatiza um acontecimento verídico – na verdade, uma parte dele, e mesmo assim com muita liberdade, já que estamos falando de ficção –, o “julgamento dos juízes” pós-2ª Guerra Mundial, em que, embora não fossem eles as maiores autoridades do sistema de justiça nazista (estas estavam já falecidas), nove membros do Ministério da Justiça do Reich e sete membros de tribunais do povo e de tribunais especiais foram acusados de abusar dos seus poderes de promotores e juízes para cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade, fomentando e autorizando a perseguição racial e horrendas práticas de eugenia, entre outras coisas, levando à prisão e à morte inúmeros inocentes.

O julgamento durou de 5 de março a 4 de dezembro de 1947. Dez dos acusados foram condenados, quatro absolvidos e dois acabaram não julgados.

E foi com a repercussão do envio do artigo que mais uma vez observei algo curioso na relação arte e vida, ficção e fato. Embora o “julgamento dos juízes” não tenha sido nem de longe o mais importante dos julgamentos então acontecidos na cidade de Nuremberg, ele é hoje, pela força de Hollywood, um dos mais badalados. A versão supera os fatos; a arte, muitas vezes, a vida.

De fato, os “julgamentos de Nuremberg”, decorrentes dos horrores acontecidos na 2ª Guerra Mundial, começaram em 20 de novembro de 1945 e terminaram em 13 de abril de 1949. O principal julgamento, o primeiro deles, teve fim em 1º de outubro de 1946 e concentrou-se na suposta cúpula do regime nazista. Vinte e quatro líderes foram indiciados/denunciados, vinte e um réus acabaram sendo ali julgados, gente como Hermman Goering, Ruldof Hess, Joaquim von Ribbentrop, Alfred Rosenberg, Albert Speer e Franz von Papen, que dispensam apresentações, e até militares como Erich Raeder, Wilhelm Keitel, Alfred Jodl e Karl Dönitz.

A ideia, deveras louvável em termos civilizatórios, era de que, com esses julgamentos, os nazistas seriam severamente punidos, mas de uma maneira digna, o que serviria de exemplo para a posteridade. Como lembra Paul Roland (em “The Nuremberg Trials: the Nazis and their Crimes against Humanity”, Arcturus Publishing, 2010), “os julgamentos não fizeram do mundo um lugar mais seguro, nem eles erradicaram a injustiça, a perseguição religiosa e racial, a escravidão, a tortura e o genocídio. Entretanto, os julgamentos de Nuremberg estabeleceram um precedente no sentido da punição dos responsáveis por crimes que a comunidade internacional considera intoleráveis – onde e por quem quer que eles tenham sido cometidos. Depois de Nuremberg, nenhum chefe de Estado pode alegar estar acima do direito e indivíduos não podem mais evadir-se de suas responsabilidades escondendo-se atrás da impessoalidade da administração à qual serviram. A limpeza étnica, a guerra selvagem e os responsáveis por esses males/crimes são agora puníveis sob o direito internacional. Nós agora temos claros códigos de conduta onde uma vez havia incerteza e ambiguidade. Militares não podem mais alegar que foram forçados a cometer crimes sob coação, nem podem se fiar na [antes tão comum] tese de que foram simplesmente obrigados a cumprir ordens superiores”.

Embora tenha sido apenas no primeiro julgamento que as quatro grandes potências aliadas (EUA, Reino Unido, França e União Soviética) estiveram oficialmente representadas com seus respectivos julgadores, subsequentemente, a partir de 9 de dezembro de 1946, foram levados a cabo, pelos americanos, mais doze julgamentos de criminosos de guerra nazistas de suposta menor relevância. E o nosso real e dramatizado “julgamento dos juízes” foi, anote-se, apenas um deles.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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Categoria(s): Crônica
domingo - 01/06/2025 - 09:28h

Guardar

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa

Arte ilustrativa

De vez em quando eu leio, ou melhor, releio o poema Guardar (veja AQUI e em vídeo mais abaixo), de Antonio Cícero, e fico impressionado com a sensibilidade dos versos e a leveza das palavras.

O que é guardar na visão do poeta?

Guardar é observar, olhar, cuidar. Quando guardamos alguma coisa em um cofre perde-se a coisa à vista. Em seu poema, ele fala sobre o ato de preservar o que é importante, de encontrar sentido na permanência da coisa.

E nós? O que verdadeiramente guardamos? Guardamos os momentos a dois? Desfrutamos do amor, nem que seja por um instante? Guardamos a companhia das pessoas que nos fazem bem? Fazemos a vida valer a pena?

Pense. Pensemos.

Toda vez que eu leio sobre alguém que tira a sua própria vida, sobretudo se for jovem, bate-me uma profunda tristeza. Fico a remoer o quão àquela pessoa sofreu, mergulhada nos problemas d`alma. E Antonio Cícero, autor do poema que ora se desnuda, tirou a sua própria vida. Porém, quem somos nós para julgar essas pessoas?

Assim, guardar a nossa vida é iluminá-la, e por ela ser iluminado, procurando sentido para os nossos afazeres, fazendo o cotidiano ficar interessante, vivo, pulsante, apesar das dificuldades que todos nós carregamos sobre os ombros.

Quando escrevemos, escolhemos cada palavra como se fosse uma flecha que quer atingir o alvo, o coração e o sentimento das pessoas que nos leem.

Por isso, como diz Cícero, quando publicamos um texto ou declamamos um poema, queremos vigiá-lo, guardá-lo, com enorme carinho e devoção.

Como diz o poeta:

“Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro, do que pássaros sem voo”.

Não é lindo o voo de um pássaro?

*Antônio Cícero – (1945-1924) foi poeta, crítico literário, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 01/06/2025 - 09:02h

Medo de viajar

Por Bruno Ernesto

Caixa d´água no campus da Ufersa em Mossoró Foto: Bruno Ernesto)

Caixa d´água no campus da Ufersa em Mossoró Foto: Bruno Ernesto)

Eram os Deuses astronautas?

Todos nós, indistintamente – sim -, ao menos uma vez na vida, já se perguntou se, de fato, estamos sós no universo.

Muito além de uma questão filosófica, ou mesmo de cosmovisão, no fundo, tem quem não acredite, mas não duvida.

A bem da verdade, certamente você pode ter alguma simpatia por astrologia. Talvez seja a gênese da dúvida.

Embora a pergunta aparentemente conduza a uma resposta científica, talvez a dúvida seja o seu maior segredo.

Quando surgem boatos de avistamentos de fenômenos e objetos inexplicáveis, parece que essa dúvida reacende como um rastilho de pólvora.

Com o avança da inteligência artificial na manipulação e criação de imagens, ficou praticamente impossível frear qualquer tipo argumento sobre a veracidade ou não desses fenômenos.

Melhor, portanto, seria deixar que a imaginação siga o seu curso natural, especialmente na ficção científica, quer seja na literatura ou no cinema. Estamos todos cansados da realidade. Aliás, para quê tanta realidade?

Desde que me entendo por gente, avisto uma caixa d´água localizada no campus da Ufersa, erguida praticamente em frente ao antigo clube Scream, local onde os professores da antiga Esam frequentavam todos os finais de semana e, com os amigos e familiares, tinham num momento de lazer na Mossoró das décadas de 1980 e 1990.

Contava os dias da semana para poder ir tomar banho de piscina, mas também aguardava esse dia para poder olhar novamente aquela enorme caixa d ´água, num formato de disco voador, posta numa única coluna de concreto e a pintura caiada já toda desbotada, dando-lhe um aspecto ainda mais sinistro quando saíamos no final do dia, e mais pavoroso ainda, à noite.

No auge dos meus oito ou dez anos, aquela imagem não me apavorava. Pelo contrário, ficava impressionado, ainda mais quando vivíamos a febre do filme ET, de Steven Spielberg.

Naquele tempo, aquela caixa d´água de formato incomum, ficava praticamente solta ali, no meio do nada, e meio que surgia como que sobrevoando todo aquele matagal da Ufersa, como se em busca de abduzir quem ali passasse.

Nesses quarenta anos, a pintura está exatamente como na minha infância.do mesmo jeito e, embora hoje a minha mente tenha um pouco mais de lógica – apenas para parte do dia -, sempre quando passo por ela tenho aquela mesma impressão de outrora. Especialmente à noite.

Zé Ramalho, não está de um todo errado ao dizer que muita gente vai “Rebuscando a consciência com medo de viajar. Até o meio da cabeça do cometa. Girando na carrapeta no jogo de improvisar. Entrecortando, eu sigo dentro a linha reta Eu tenho a palavra certa pra doutor não reclamar. Não reclamar!”

A bem da verdade, melhor não duvidar.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 25/05/2025 - 06:30h

Brincadeira sem graça

Por Marcos Ferreira

Arte ilustrativa em estilo impressionista obtida com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa em estilo impressionista obtida com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Sendo um tanto purista, imagino que a temática que abordarei a seguir (em razão de sua futilidade e puro modismo) não merece uma crônica. Considero que é uma matéria muito mais para a alçada e tratamento da imprensa. Tal sucesso, a meu ver, não faz jus ao arcabouço da literatura, ao texto pretensamente concebido com uma qualidade artística, literária. Besteira! De um modo geral, admito, a crônica se ocupa de histórias do cotidiano, por mais absurdas e ridículas que sejam. Dominarei meu estômago e escreverei acerca desse que é o grande bate-boca da vez.

Pouco antenado, alheio às discussões da hora e da moda, eu nem estava por dentro de nada. Não fazia a menor ideia do que temos em evidência na mídia. Hoje, entretanto, fui colocado a par dos últimos acontecimentos, do que existe de mais novo borbulhando nas redes sociais e noticiários. Estou de queixo caído. Tudo isso tem a ver, agora sem mais rodeios ou nariz de cera, com o avassalador despautério que toma conta desta nação.

Refiro-me, por fim, aos benfeitos, badaladíssimos e caros bonecos de silicone, réplicas hiper-realistas de crianças pequeninas. Eis a grande controvérsia que estão debatendo ultimamente e da qual eu não estava ciente. Só fiquei a par do quiproquó após um amigo me questionar a respeito dessa excentricidade.

Lógico que esses bonecos e bonecas tinham que ter um nome inglês, ou americanalhado. O brasileiro, salvo exceções, é um vira-lata quando está em jogo o próprio idioma. A americanalhação da nossa língua é do tamanho deste país. Basta darmos uma olhadinha nas denominações de centros comerciais, casas de pasto, condomínios, motéis e, entre diversos outros, até os prostíbulos são internacionalizados. Assim, pois, os brinquedos receberam o batismo de bebês reborn.

No meu ponto de vista, escolheram um péssimo nome. Em inglês, acaso alguém não saiba, reborn equivale, a depender do contexto, a “renascido” ou “renascimento”. Não vejo muita relação desse verbete com a questão da extrema semelhança, o ambicioso intuito de fabricar imitações de criancinhas tendo como principal componente o silicone. Se a coisa não pode ter um nome brasileiro, se a aplicação de uma palavra em inglês for inegociável, então suponho que, em vez da já consagrada denominação reborn, poderíamos empregar a termo inglês “humanoid” (humanoide). Esta representaria melhor os borrachudos. É o que me parece menos inadequado, menos desagradável no tocante ao nosso bom e massacrado português. Mas não quero me ater neste momento a questões de batismo. O buraco (profundo) é mais embaixo.

Pessoas já crescidinhas, sobretudo mulheres, agora andam para todo lugar com o seu ou a sua bebê reborn a tiracolo. Existem exemplares dessas coisas dos dois sexos. Tratados como criaturas vivas por seus proprietários, alguns indivíduos chegam ao cúmulo da caradura (talvez insanidade) de levar os siliconados para os hospitais, em especial a unidades de saúde do SUS, a fim de receberem consulta médica. Isso é de lascar, como diria o pesquisador Marcos Pinto. Claro que não estou aqui condenando os “papais” pelo simples fato de alguém, dentro das suas condições financeiras, ter um boneco ou boneca desse tipo. Minha crítica é quanto ao exagero.

Calculem só: durante seu expediente em um posto de saúde público, um profissional de medicina se deparar com uma dona (ou o dono) de um reborn querendo que o nenenzinho de borracha seja submetido a uma avaliação médica. Ocorrências dessa ordem têm se repetido, gerando muita confusão e dividindo opiniões. Analisando melhor, pode ser até um problema para a psiquiatria.

Longe de mim querer aqui apedrejar essas mulheres, algumas em comunhão com seus maridos ou esposas, que investem uma grana considerável nesse delírio de maternidade e paternidade. A depender da semelhança, realismo do produto, da grife e do fabricante, um Chucky desses pode custar uns treze ou quinze mil reais. Aí eu penso naquelas criancinhas de colo (as de carne, osso e espírito, devo ressaltar) que existem em toda parte deste país injusto, no âmago de famílias pobres, muitas das quais desesperançadas, sem assistência, privadas do essencial, do básico.

Penso ainda nas que se encontram nos orfanatos ou vivendo nas ruas com seus genitores. Uma população que não sabe, que nunca pegou, sequer viu tanto dinheiro. Meu pensamento se detém sobre os desvalidos, os pequenos oriundos das entranhas da exclusão, do útero da fome, punidos por sua procedência periférica. Sei direitinho o que é isso. Não falo por conjectura, teoria ou senso de humanidade.

O desprezo e a punição dobram de tamanho quando se trata dos inocentes de pele negra. Sim. Os pretos, as crianças pretas são as mais desprezadas, rejeitadas, mais covardemente repelidas, como se porventura a sua cútis da cor da noite representasse algo ofensivo, um insulto à sociedade dos brancos bem-nascidos, economicamente privilegiados.

Em minha pesquisa, a propósito, vi poucos bebês sintéticos pretos. É claro que existem, mas é evidente que são fabricados em número bem menor. Algo como a canção “Pra não dizer que não falei das flores”. A sociedade do poder monetário, dona das melhores oportunidades, detentora de prestígio e consideração, embora signifique uma quantidade inferior nesta pátria dita de chuteiras, autoproclamada país da bola, do futebol, do carnaval, essa sociedade precisa progredir sensivelmente para entender que os marginalizados são seres humanos. Precisa evoluir um bocado para não excluir e julgar pessoas com base em sua cor, opção sexual e religiosa.

Se ora eu me debruço sobre essa questão polêmica, se critico essa brincadeira estúpida, vão se queixar junto ao senhor Lázaro Amaro dos Santos, advogado criminalista, músico e compositor. Foi ele quem trouxe ao meu conhecimento tal celeuma. Sugeriu que eu abordasse esse tema espinhoso. Da próxima vez, tenham fé, posso não colocar o dedo direto na ferida, esquecer por um instante o socialismo, trazer à tona um assunto ameno, uma croniqueta mais leve e bem-comportada.

O Brasil, assim como muitos neste planeta desajustado, é também conhecido por seu desequilíbrio na distribuição de renda. Quero citar o escritor, médico, cientista social, grande humanista e expoente no combate à fome, o saudoso professor e político Josué de Castro. Em uma de suas declarações mais difundidas, ele afirmou o seguinte: “Metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme, com medo da que não come.” Está correto. Josué de Castro continua atualíssimo.

Enquanto isso, como sabemos, alguns investem uma grana alta em brinquedos reborn. São figuras abastadas, que estão de barriga cheia. Não querem saber da miséria dos seus semelhantes. Boa parte é de mulheres que decidiram voltar a brincar de boneca depois de adultas. Uma brincadeira sem graça.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 18/05/2025 - 15:38h

As fronteiras simbólicas do saber

Por Marcos Araújo

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Construiu-se no imaginário brasileiro a ideia de que a maior capacidade profissional e a melhor produção intelectual se situam nos grandes centros do Sul e Sudeste. O Nordeste, mesmo com sua riqueza intelectual, cultural e tradição acadêmica, foi — e em muitos casos ainda é — relegado ao papel de coadjuvante. Essa lógica centralizadora alimenta um complexo de inferioridade entre profissionais, escritores, pensadores e leitores nordestinos. Tal sentimento, infelizmente, não é raro entre os próprios potiguares.

Se no início do Século XX a regra social vigente para a elite nordestina era a formação dos filhos na Europa, nas cinco últimas décadas o epicentro tem sido São Paulo.  O garbo paternal nas rodas de conversa é uníssono:

– Meus filhos estudam em São Paulo!

Entre comuns, escuto com desalento o aparente descrédito aos profissionais com formação em universidades nordestinas. Com extensão do sentimento aos nossos autores e literatos. “O nordestino tem complexo de vira-lata”, já se ouviu em salas de aula e rodas literárias locais. Talvez o problema não esteja na autoestima, e sim na invisibilização sistemática de quem está fora do eixo Rio-São Paulo.

Sou um entusiasta do nordeste. E do Rio Grande do Norte com muito mais afinco e intensidade. Ao mesmo tempo, incorporo um crítico ácido aos que supõem que o saber tenha uma justificação geográfica. O Sudeste precisa conhecer nossos autores e intelectuais.

Posso citar alguns dos nossos e seus textos, para contrapor a dominância “sudelista”. Nísia Floresta, amiga de Augusto Comte, autora de “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” (1857), foi pioneira na educação feminista no Brasil.  Zila Mamede, a grande poetisa que fundou a Biblioteca Central da UFRN, em antanho já dizia: “Canto, porque há pressa em desentranhar o grito.” Luís Carlos Guimarães, uma das vozes mais potentes da lírica potiguar, era insurgente aos novos “donos” da escrita: “Sou do tempo em que as palavras eram respeitadas, e um verso tinha o peso de um tijolo na mão.” Câmara Cascudo, um dos maiores intelectuais do Brasil, universalizou o folclore nacional com obras como História da Alimentação no Brasil (1967) e Dicionário do Folclore Brasileiro (1954). Ele foi o maior etnólogo de todos os tempos.

A escrita como instrumento, o argumento e a estética linguística como elementos informativos pautam os trabalhos de escritores genais como Carlos Santos, Vicente Serejo, Rejane Cardoso, Marcos Ferreira, Honório Medeiros e outros mais.

A história da produção intelectual potiguar vai além da literatura. O pensamento jurídico e as ciências humanas também tiveram aqui um solo fecundo. Miguel Seabra Fagundes é o autor do primeiro trabalho nacional sobre atos administrativos. Outros, como Eloy de Souza, Olavo de Medeiros Filho, Mário Moacyr Porto, Floriano Cavalcanti, Múcio Vilar Ribeiro Dantas, João Medeiros Filho, Ivo Cavalcanti, Manoel Dantas, Djalma Marinho, Claudionor Telógio de Andrade, Manoel Varella, Eider Furtado, Ney Lopes de Souza e Hélio Vasconcelos, intelectuais de grande vulto, foram responsáveis pela formação de gerações de bons profissionais.

A UFRN e a UERN têm se tornado polo de formação de juristas com inserção nacional. Marcelo Alves, que escreve no BCS, é um deles.  Na academia nacional da docência do direito estão emoldurados os nomes de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, Luiz Gurgel de Faria, Paulo Linhares, Ana Monica Amorim, Keity Saboia, Fernanda Abreu, Inessa Linhares, Lauro Gurgel, Adilson Gurgel de Castro, Armando Holanda, Barros Dias, Edilson Nobre, Erick Pereira, Ricardo Tinoco, Miguel Josino Neto, Xisto Tiago, Yara Gurgel, Erica Canuto, entre outros… Apenas para nomear alguns nascidos aqui.

Os cursos jurídicos do RN capacitam para a vida humana. Cumprem o mandato profético do professor Carlos Roberto de Miranda Gomes, autor de diversos artigos e ensaios sobre hermenêutica: “A letra da lei não deve sufocar a voz do povo. Direito sem humanidade é só uma norma fria.”

A sabença do Direito, a literatura e o pensamento não se medem por CEP. A boa escrita nasce da experiência, da escuta do mundo — e disso o Nordeste é mestre. A exclusão simbólica dos autores do Nordeste não reflete a sua qualidade, mas a desigualdade histórica de acesso a meios de publicação, circulação e crítica. É preciso romper com a lógica centralizadora que associa prestígio à geografia. Se os profissionais e escritores “Sudestinos” são chamados de “melhores”, talvez seja porque o Nordeste — como o sol que o ilumina — é tão intenso que ofusca os olhos de quem olha de cima.

Temos por aqui os melhores profissionais, escritores, pensadores e intelectuais brasileiros. Nada a dever aos de outras regiões. É hora de quebrar o espelho torto em que o Nordeste se vê. A produção intelectual potiguar não precisa pedir licença. Ela existe, resiste e contribui com a identidade brasileira de forma decisiva. O que falta não é talento ou sabedoria — é espaço e autorreconhecimento!

Marcos Araújo é advogado, professor da Uern e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 18/05/2025 - 13:30h

Genética e ambiente

Por Marcelo Alves

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial, em estilo aquarela, para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Dias atrás, citando o célebre Cesare Lombroso (1835-1909) – veja AQUI, iniciamos uma discussão sobre a influência da hereditariedade/genética e do ambiente social no comportamento criminoso. E essa é uma questão, aliás, até mais ampla, conforme atesta a obra “O grande debate sobre a inteligência” (Editora Universidade de Brasília, 1982), por H. J. Eysenck e Leon Kamin. Em linhas gerais, o professor Eysenck defende a hereditariedade como fator decisivo para o desenvolvimento da inteligência e do comportamento humanos (o que inclui um potencial comportamento criminal). Já o professor Kamin rejeita categoricamente esse determinismo genético, afirmando mesmo que ele se fundamenta em fraudes científicas e preconceitos raciais.

De fato, a ideia de alguma origem biológica para o comportamento criminoso, sobretudo quanto ao crime violento, ainda é hoje popular e mesmo cientificamente defendida.

Como anotam Emily Ralls e Tom Collins, em “Psicologia: 50 ideias essenciais” (Editora Pé da Letra, 2023), pesquisas sérias apontam que genes específicos, como o denominado gene MAO-A, podem desempenhar um papel considerável no comportamento agressivo e criminoso. Há também o caso do cromossomo XYY: “Cerca de 1 em cada 1000 recém-nascidos do sexo masculino tem dois cromossomos Y em vez de um e, embora esse perfil cromossômico seja relativamente raro na população em geral, descobriu-se que é comum na população carcerária. Descobriu-se que os homens XYY tendem a se desenvolver normalmente na maioria dos aspectos, mas podem ter alguns problemas de aprendizado, como distração e hiperatividade. Essas tendências, combinadas com as exigências da vida moderna, podem ser a causa de uma proporção maior de homens XYY se encontrarem na prisão”.

Outrossim, recentemente, “o uso de técnicas modernas de escaneamento cerebral nos deu uma janela para a mente como nunca antes. Elas indicam que, em alguns casos, diferenças na estrutura e na função do cérebro podem causar níveis elevados de agressão [e potencial criminalidade]”.

Entretanto, no estado atual da ciência, entende-se ainda não ser possível simplesmente prever o comportamento criminoso de alguém com base apenas no exame do seu cérebro ou na presença de determinada estrutura genética. Ao que tudo indica hoje, mesmo nas pessoas com “predisposição genética” para o crime, é necessário um gatilho do ambiente para que essa pessoa “caia pra dentro” (aliás, essa queda na criminalidade, como todos nós sabemos, se dá mesmo sem a tal predisposição/vulnerabilidade genética).

Como explicam os autores de “Psicologia: 50 ideias essenciais”, mesmo essas teorias biológicas “nos levam ao que é conhecido como ‘argumento da diátese-estresse’ para o comportamento agressivo e o crime. Ou seja, podemos ser geneticamente ou biologicamente predispostos a um determinado comportamento, mas é necessário o estresse do ambiente para que exibamos esse comportamento”.

Temos, aliás, o famoso caso do neurocientista James Fallon (1947-2023), que, estudando a fundo a questão, pelo seu próprio exame de PET scan desavisadamente descobriu que o seu cérebro correspondia ao de um “psicopata patológico”, com histórico familiar correspondente. Fallon, apesar do seu histórico genético, que incluía uma variante do gene MAO-A ligado à agressividade, não era violento, teve carreira acadêmica muitíssimo bem-sucedida e um casamento feliz (pelo menos ao que se saiba…). O caso Fallon assim mostra que uma pessoa, embora geneticamente predisposta/vulnerável a comportamentos agressivos/criminosos, se conviver em um ambiente adequado, pode nunca apresentar esses comportamentos.

Bom, se no atual estado das coisas, o fator ambiental (com repercussões tanto psicológicas como sociais) é também relevante para o nosso comportamento criminoso, é sobre esse fator que falaremos doravante. Rogo apenas um tico de paciência.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Maio de 2025 -
domingo - 18/05/2025 - 11:52h

Renato

Por Bruno Ernesto

Bonecas num quarto do Palácio D´Ouro, em Ouro Preto/MG Foto: do autor da crônica)

Bonecas num quarto do Palácio D´Ouro, em Ouro Preto/MG Foto: do autor da crônica)

A última crônica de Marcos Ferreira publicada neste espaço no domingo (11) – veja AQUI – foi certeira, ao abordar a idiotização das pessoas no que diz respeito à predileção política.

Não digo nem ideológica, porque nos últimos anos – pelo menos nesse aspecto- não há lógica alguma.

Quando alguém tenta me doutrinar politicamente ou religiosamente, sempre me lembro de um ditado muito pertinente: nunca lute com um porco. Os dois irão se sujar, mas o porco vai adorar.

Por sinal, a carne suína é a minha preferida.

Agora, Darwin, estamos diante de um novo projeto de idiotização. Certamente você embarcaria de volta no HMS Beagle e passaria longe do Brasil, se hoje viesse.

Quem diria que uma figura tão importante para a infância de qualquer menina seria elevada à condição de crachá de idiotização.

Não, não tenho nada contra o bebê Reborn. Muito pelo contrário. Quando minha filha tinha quatro ou cinco anos até comprei uma. Ela adorava. Por sinal, naquela época, e fase de desenvolvimento dela, acharia estranho se não gostasse.

De uns sete dias para cá, todavia, explodiu no noticiário uma infinidade de situações nas quais essas bonecas hiperrealistas tomaram a lucidez de algumas pessoas que as tratam como se de carne e osso fossem.

Talvez a Síndrome do Ninho Vazio pudesse explicar certos comportamentos. Não sei.

Que saudade da época em que as bonecas nos davam era medo de tão medonhas que eram. A fantasia das crianças eram mais que normal e, acredite, condizentes com a realidade.

Meu xará, Bruno Betellheim, em sua obra magna “Psicanálise dos Contos de Fadas” dizia que essas estórias, ainda que infantis e perturbadoras, ao final, permitiam as crianças aprendessem a lidar com seus conflitos interiores, seus medos e suas falhas.

Por meio dessas narrativas, a criança vislumbrava maneiras de lidar com seus medos e suas falhas, que eram verdadeiros obstáculos para o seu desenvolvimento.

Quero crer, então, que não passe de uma grande alucinação coletiva.

Eu mesmo já estou olhando atentamente para qualquer recém-nascido e, confesso, é muito difícil lidar com esse conflito de realidade.

Compreenda, caro leitor, não é o boneco renato. É a transmutação da realidade que nem mesmo uma criança de idade biológica consegue distinguir e, sobretudo, compreender.

Vive-se hoje uma realidade tão paralela que já não conseguimos distinguir o que é sanidade, dissociação da realidade ou fuga da realidade.

Quem sabe, realmente, devêssemos viver em outro mundo só para depois perceber que ser normal tem suas desvantagens.

Talvez, diante de certas circunstâncias, devêssemos agir como os gatos: olhar, fingir que não é com você e sair de perto.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 18/05/2025 - 10:38h

Toda certeza é duvidosa

Por François Silvestre

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial, em estilo expressionista, para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial, em estilo expressionista, para o BCS

Amadurecer é cultivar dúvidas, ter cautelas e receios para colher certezas. A certeza emperra descobertas, atrapalha avanços, cria crostas de ignorância.

A ter certeza da gravitação de Newton, não teria havido a relatividade nascida na dúvida de Einstein. A certeza de Santo Agostinho, na Patrística, impediria a Escolástica de Thomaz de Aquino. Platão certo, não haveria Aristóteles. Portanto, nem a ciência ou a filosofia amadureceriam no estuário da certeza. A dúvida é o indutor da inovação, da descoberta, da sucessão. É a chama que chama o pensamento à questão.

Dito isso, concluo que amadureço cultivando dúvidas. Estou velho, no espelho. Porém, “entretanto mas porém”, o meu tempo, num dia, diante do espelho é de minutos. O mais do tempo, quase o dia todo, estou longe dele. As ladeiras que subo nas ruas do Crato me dizem que não sou velho. O levantar sem usar as mãos nas bordas da rede também dizem o mesmo.

Contudo, a maior negação ao espelho, que tenta me convencer do contrário, não é a disposição física, que tenho exuberantemente. Não. O que me convence da não velhice é o cultivo à dúvida. Se continuar assim, vou morrer jovem. Até caducando vou querer duvidar da caduquice.

Conclusão, aí estão os tempos atuais. Nunca pensei que viveria pra ver o mundo tão idiota quando agora. O Brasil tão emburrecido quanto agora. Tudo no conforto estúpido das certezas. Quase todos têm certeza de quase tudo. A dúvida, rainha da claridade, sendo escorraçada para o canteiro onde se edificam as trevas. Oceano turvo e sujo das certezas. O rincho, com minhas desculpas aos jegues, é o novo discurso da certeza contemporânea.

Prefiro a dúvida e os coices que ela dá, por serem solavancos do despertar.

François Silvestre é escritor

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domingo - 18/05/2025 - 09:42h

Relatos impróprios para consumo interno

Por Marcos Ferreira

Travesti da Dreamstime (Direitos autorais: Valeriy Kachaev)

Travesti da Dreamstime (Direitos autorais: Valeriy Kachaev)

Antes de mais nada, declaro que sou um escrevinhador sem qualquer espécie de preconceito. Acho que as pessoas, guardadas as devidas obrigações com os ditames sociais, têm o direito de gozar a vida como bem entenderem. Porém (sempre há um porém) é necessário juntar a isso o mínimo de bom senso. Em especial quando se trata de relacionamentos amorosos, ímpetos sexuais, compromisso religioso e liberdade de expressão. Neste último aspecto é imperativo não confundir expressão com liberdade de agressão. O bicho-homem, leia-se sociedade, vem trocando o debate civilizado de ideias por discursos de ódio. Quem semeia ódio só colhe violência.

Basta colocarmos a mão em nosso juízo (existem indivíduos que não possuem tal coisa) e concluir que não devemos desejar para os outros o que não queremos para nós. Quem enfia o pé na jaca, chuta o balde e cospe para cima deve se preparar para responder por seus atos. Não raro o custo por atitudes impensadas atinge um patamar que se revela muito além das nossas possibilidades de conserto ou reparo. Quando metemos alguns pregos em uma árvore, por exemplo, até podemos retirá-los, contudo ficarão as cicatrizes. Hoje tocarei em determinados pontos nevrálgicos da vida em rebanho, como diria meu amigo filósofo Antonio Alvino da Silva Filho, todavia não tenho o propósito de julgar ou crucificar quem quer que seja. De jeito algum.

Nosso querido e causticante País de Mossoró, como qualquer lugar do Brasil e do mundo, possui a sua cota de indivíduos que furam a bolha das convenções sociais, perdem a cabeça e a compostura, quebram os preceitos da lei de Deus e dos homens e, via de regra, pagam caro. O número de transgressores dos “bons costumes” não é nem um pouco pequeno. Nesta narrativa vou me ater a apenas três casos que tiveram uma vasta repercussão nesta freguesia, ocorridos num passado recente e que se alastraram pelas redes sociais. Basta uma rápida pesquisa na internet e ficamos a par de tudo. Recordarei tais assuntos, conquanto sem querer ferir o amor telúrico dos mossoroenses. São relatos impróprios para consumo interno, eu sei, mas fiquei sabendo disso por terceiros e, volto a dizer, por meio da própria imprensa. Pois bem.

O padre Fábio Pinto Rosa, que celebrou diversas missas na Igreja de Nossa Senhora da Agonia, mantinha um relacionamento extraespiritual com a professora universitária Maria Aparecida do Rosário, de trinta e seis anos, esposa do arquiteto Cornélio Guimarães, marombeiro de quarenta e cinco anos. O arquiteto, no mais das vezes por causa do seu ofício, tinha necessidade de viajar de vez em quando. Nessas oportunidades, logo que Cornélio informava que se ausentaria de Mossoró durante um ou dois dias (em alguns ensejos para participar de congressos de arquitetura em cidades como Fortaleza e Recife), Aparecida não perdia tempo, lançava mão do telefone e programava mais uma pulada de cerca com o reverendo, tipo cinquentão, pele branca, olhos azuis e de estatura mediana. Sim, ele media cerca de um metro e setenta e talvez pesasse uns oitenta quilos. Na avaliação dos fiéis, era um santo homem. Creio que padre Fábio esteja bastante arrependido do seu comportamento arrebatado.

Pouco depois Aparecida se descobriu grávida. Foram nove meses de angústia, aflição, remorso, até que enfim deu à luz. A criança nasceu saudável, um menino branco e de olhos azuis. Os dois últimos detalhes significaram uma bomba no casamento de Aparecida e Cornélio, tendo em vista que ambos são afrodescendentes, baianos de Itabuna. Não foi necessário muito interrogatório por parte do esposo para que Maria Aparecida do Rosário confessasse que o menino era filho do padre Fábio Pinto Rosa. Cornélio Guimarães ficou possesso, foi tomar satisfações junto ao sacerdote quando este se encontrava em plena missa. Colérico, o marido enganado invadiu o altar e quebrou alguns dentes de Pinto Rosa com um soco. Não bastasse, deixou os testículos do presbítero em desgraça ao aplicar-lhe um chute no papo do galo.

Por meio da força, cinco fiéis conseguiram dominar Cornélio, que foi preso naquela mesma noite. O arquiteto acionou um advogado, pagou fiança e deixou a delegacia na manhã seguinte. Depressa a Santa Igreja extraiu o padre Fábio Pinto Rosa de Mossoró, onde não mais foi visto. Além da questão dos dentes, surgiram rumores de que o eclesiástico perdera também a batina. Menos de um ano após a separação, o casal se reconciliou e a criança hoje é considerada uma bênção na vida de Cornélio e Aparecida. Portanto, Aparecida se entendeu com Cornélio e com o Todo-Poderoso, largou o seu hábito de pular cerca e desconhece o paradeiro do ex-amante.

Aos quarenta e dois anos de idade à época, pedreiro de mão cheia e com diagnóstico de bipolaridade, Adalberto Messias Benedito Cordeiro morava no bairro Boa Vista, mais precisamente à Rua Silva Jardim, nº 613. Há dois anos ele flagrou Margareth Junqueira, sua esposa de trinta e oito anos, na cama com Francisca Cordeiro, de vinte e sete anos de idade, única irmã de Adalberto. O pedreiro ficou ensandecido com aquela cena: Margareth e Francisca nuazinhas entregues às labaredas do sexo oral em um clássico meia-nove. Iracundo e de posse de uma de suas ferramentas de trabalho, um rústico pé de cabra com aproximadamente sessenta centímetros, o pedreiro perdeu o controle por completo e massacrou as duas mulheres sem a menor piedade. Os golpes foram desferidos, principalmente, contra a cabeça das vítimas, de modo que partes dos cérebros ficaram expostas no quarto em meio a poças de sangue.

Após seu ato tresloucado, Adalberto não abandonou a cena do crime. Foi preso, julgado e recebeu uma pena de cinquenta e cinco anos de reclusão na Penitenciária Agrícola Mário Negócio. Mas Adalberto não cumpriria a pena. Com menos de um mês, o dia já amanhecendo, ouvi gritos nesta rua. Era a senhora Conceição Cordeiro, mãe de Adalberto, que reside em uma casa diante da minha aqui no Walfredo Gurgel. A idosa acabara de receber a informação de que o filho fora encontrado morto por um colega de cela; enforcou-se com um lençol durante a madrugada.

A terceira ocorrência é muito menos trágica do que cômica. E outra vez o protagonista é um servo do Criador. Trata-se de Clóvis Peixoto de França, pastor de cinquenta e quatro anos da Igreja Milagrosa do Reino de Cristo, templo este situado na Avenida Jerônimo Dix-neuf Rosado, também conhecida como Avenida Leste-Oeste. A história que envolve Clóvis, ocorrida no dia 9 de agosto do ano passado, lance maciçamente difundido pela imprensa escrita, falada e televisionada desta capital brasileira da pirotecnia, configura-se como um típico caso de calote amoroso. É isso! O então pastor (agora não é mais, foi excomungado por sua igreja) saiu em seu Creta azul-turquesa para um motel desta urbe com Isadora Grace, travesti morena de boca carnuda, unhas e batom vermelhos, cujo nome de batismo é Serafim Carvalho Neto, de trinta e quatro anos, cabeleireiro do Salão Cabeça Feita, no bairro Nova Betânia.

Não menos lamentável que o vexame que destruiu a reputação do padre Fábio Pinto Rosa, que foi violentamente devorado pelo pecado da luxúria, a tragédia que se abateu sobre o pastor Clóvis Peixoto de França (esposo da criadora de conteúdo digital Clotilde Nunes Saldanha e pai de duas gêmeas univitelinas, Sara e Marta) estremeceu as bases da comunidade evangélica desta província. Porque a maneira como esse escândalo veio à tona equiparou-se a um abalo sísmico.

Clóvis Peixoto estava no meio da pregação usando paletó, gravata, suado e decerto absorvido pela inspiração celeste, quando o alarme eletrônico de um veículo disparou e o som de vidros sendo estilhaçados pôde ser ouvido por todos dentro do templo. Clóvis não teve condições de seguir com a pregação. Aos poucos, assustadiços, os irmãos de fé começaram a deixar os seus assentos e se encaminharam para a área do amplo estacionamento da Igreja Milagrosa do Reino de Cristo. Nesse momento (incrédulos) os crentes se depararam com Isadora Grace comendo o carro do pastor Clóvis Peixoto na pedrada e com um grande porrete possivelmente de jucá. Todos os vidros do carro estavam detonados, inclusive faróis, sinaleiras e retrovisores.

A lataria também foi atacada. Uma das portas e o capô ficaram com avarias. Quem sabe (raciocinando com meus botões) o porrete fosse de carvalho, fazendo jus ao sobrenome de Isadora, isto é, Serafim Carvalho Neto. Com os membros da igreja atônitos no estacionamento assistindo àquela explosão de fúria, a travesti gritou a plenos pulmões que o pastor Clóvis Peixoto a havia contratado para um programa em um motel há cerca de duas semanas e que o dito-cujo a vinha enrolando desde então, que ele não cumprira o acordo de pagar mil reais para ser varado por Isadora. Naquela noite ele alegou que se esquecera de sacar o dinheiro de sua conta bancária. Ainda assim Clóvis foi devidamente possuído por Isadora, que não contava com o recurso de pix. Ela honrou a sua parte no acerto, o pastor pagou a despesa do motel com um cartão de crédito e deixou o programa no fiado. Dali por diante, segundo Isadora, ele passou a evitá-la, ignorando suas chamadas telefônicas e cobranças através do WhatsApp.

Mais uma vez a nossa valorosa Polícia Militar foi acionada e Isadora e o pastor foram parar na delegacia. O delegado só liberou os dois após o protestante pagar o que devia a Serafim Carvalho. A esposa de Clóvis, morta de vergonha, foi quem se dirigiu a um caixa eletrônico de supermercado para efetuar o saque dos mil reais. Isadora Grace sequer foi obrigada pela autoridade policial a pagar pelos danos causados no veículo do pastor. Boatos dão conta de que Clotilde Apolinário Saldanha não quis saber de conversa, exigiu o divórcio, largou o marido em Mossoró e, em companhia das filhas gêmeas, foi passar uns dias na casa dos pais em sua terra natal, o município de Apodi. Já Clóvis Peixoto de França, dono de três casas lotéricas em Mossoró e região, colocou uma placa de venda em sua residência no condomínio Alphaville e lá permaneceu à espera de um comprador até que a poeira do escândalo baixasse.

É claro que existe um monte de relatos impróprios para consumo interno na boa terra de Santa Luzia, contudo por hoje basta. Da próxima vez, se estas notícias não me renderem nenhuma represália, talvez eu escreva (entre outros) sobre um episódio completamente bizarro. Refiro-me à relação do agricultor Nelson Loyola Gomes com Sansão, um jumentinho de sua propriedade. O sucesso foi denunciado à Polícia Ambiental por Valdomiro Soares da Costa, ex-empregado da Fazenda Macambira, a dez quilômetros da zona urbana de Mossoró. Vale destacar que Valdomiro tinha queixa de Nelson Loyola Gomes porque foi demitido e se sentiu roubado na importância da rescisão trabalhista que recebeu de Loyola. Às ocultas, então, Valdomiro conseguiu filmar com o seu smartphone uma das ocasiões em que Nelson tirou a roupa, colocou-se embaixo do animal e ficou esfregando a bunda nos documentos do jegue.

Zoofilia à parte, devemos admitir que Nelson Loyola, desquitado e com quase sessenta anos, é um homem de coragem. Não é moleza encarar uma pistola desse calibre. O cidadão puxou um dia de cadeia, também recorreu aos serviços de um causídico, e atualmente responde ao processo em liberdade. Raramente sai da fazenda. Tornou-se um tipo recluso após cair nas malhas da Justiça e na língua do povo. Tem consciência de que o seu nome é motivo de chacota em Mossoró. Quanto a Sansão, até onde sei, consta que foi resgatado e adotado por outro fazendeiro.

Olhando bem, findei relatando uma quarta ocorrência, visto que a minha intenção era discorrer a respeito de apenas três casos. Agora deixo a narrativa como está. Não vou passar uma borracha no delito do senhor Loyola. O seu interesse no instrumento sexual do jumentinho Sansão já foi corretamente punido e o latifundiário jurou que nunca mais buscará prazer se aproveitando de nenhum outro tipo de bicho. Exceto se o animal da vez for da raça humana, do sexo oposto ou não.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 11/05/2025 - 09:40h

Angelus

Por Bruno Ernesto

Imagem tela Angelus, de Jean-François Millet. (Reproduçao: conteúdo de domínio público)

Imagem tela Angelus, de Jean-François Millet (Reprodução: conteúdo de domínio público)

Normalmente quando alguém fala que a nossa vida é como um sopro numa vela, logo nos vem à mente ser ela fugaz.

De um tempo para cá – alguns muitos anos, diria -, reavaliei essa máxima filosófica e existencial. Passei a prestar mais atenção ao meu redor.

Vejo que a vela e o vento desse ditado popular bem melhor seriam representados por uma vela estirada num mastro de um barco, e os quatro ventos da mitologia grega – criadores tanto de calmarias quanto de tempestades -, tal qual a vida de qualquer um que viva de carne e osso.

Ninguém viverá plenamente só de calmaria, alegria e moderação.

Outro dia falei que, por vezes, é melhor agir dez vezes antes de pensar e não fui muito bem compreendido por alguém cuja a vida – ela supõe -, é mais santificada que a dos outros ao seu redor. Todavia é incapaz de estender a mão para alguém necessitado num quarto ao lado.

Além de não entender o sentido da minha colocação, me teve como incauto.

Talvez um fariseu seja menos convicto e mais genuíno. Mas isso não vem ao caso. Não precisará prestar contas comigo.

Vicissitudes todos os seres viventes têm. E as suas – pois é, as suas – não são nem mais, nem menos importantes que as do outro. A diferença é saber se desvencilhar delas.

Vejo, entretanto, que o que falta é agradecer mais por tudo sem barganhar o seu perdão.

Talvez devesse prestar mais atenção ao toque do sino da igreja à tardinha, na terceira hora do Angelus, ao invés de apenas ir à missa.

Lembre-se que a hora do sim é o descuido do não.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 11/05/2025 - 07:32h

Amor avoengo

Por Odemirton Filho

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para  o BCS

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

O amor não se mensura. Não há balança para pesá-lo; não há régua para medi-lo. Apenas sente-se, vive-se, ama-se. Sentimos amor pelos nossos pais, e lembramos de tempos idos, de momentos à mesa, nos quais compartilhávamos sorrisos, tristezas, alegrias, aventuras e desventuras.

Da nossa infância, amamos alguém de nossa convivência diária, como os amigos, uma professora dos tempos do colégio, um animal de estimação.

Na juventude, o amor do primeiro namoro, misturado ao fogo incontrolável da paixão; são os arroubos da adolescência de mãos dadas com a inexperiência da vida.

Depois, na vida adulta, encontramos alguém para preencher os nossos dias e almejamos construir uma vida a dois. Nem sempre dá certo, é claro. Entretanto, tenta-se, recomeça-se, insiste-se.

Às vezes, curte-se a própria companhia, cultivando-se o amor-próprio, o qual pode ser definido como “o amor a si mesmo ou o respeito pela própria felicidade ou vantagem”.

Todavia, de repente, chegam os filhos. Passamos a conhecer um amor sem medida, puro, despretensioso. E os dias são preenchidos pelo que há de mais belo, apesar das responsabilidades em educá-los para o mundo; mundo tão cheio de violência e dificuldades.

Quando chegam os netos começamos a sentir um amor em dobro. Quando somos avós, já estamos maduros, pois vivemos muita coisa. Aprendemos a driblar os problemas com a sabedoria que o tempo nos ensinou.

Queremos curtir os netos, pois doravante a responsabilidade primeira será dos pais. Aos avós caberá, respeitando-se a autoridades dos genitores, ninar os netos com profundo amor, fazendo-os parte do seu dia a dia com marcas indeléveis de carinho, misturado ao aconchego do lar, sentindo o cheiro de lavanda inglesa.

Levamos os nossos netos ao parque de diversão e ao circo. Compartilhamos sonhos, contamos histórias, tomamos sorvete até ficarmos lambuzados, comemos cachorro-quente. E também sorrimos, choramos. Muitas vezes compactuamos com suas traquinagens. Por quê? Porque a vida, depois de um certo tempo, deve ser vivida de forma leve.

Decerto, a maioria de nós traz no peito boas lembranças dos avós. Nessa toada, veio à memória um poema composto por Cazuza para sua avó paterna, lindamente cantado por Ney Matogrosso, que toca a nossa alma.

Eis um fragmento: “Hoje eu acordei com medo, mas não chorei, nem reclamei abrigo. Do escuro, eu via o infinito, sem presente, sem passado ou futuro. Senti um abraço forte, já não era medo. Era uma coisa sua que ficou em mim. E que não tem fim”.

Desejo ao meu neto quando vasculhar as suas lembranças, que encontre no coração o amor avoengo, com o sabor de uma torta de chocolate serenata de amor. E que esse amor não tenha, não tenha fim.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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domingo - 11/05/2025 - 06:30h

O espetáculo da putrefação

Por Marcos Ferreira

Um abutre Foto: EcoPic)

Um abutre (Foto: EcoPic)

Decomposta, sua carcaça atrai todo tipo de carniceiros. Ainda assim ele consegue tirar proveito de sua condição de morto-vivo. Sua vida política inteira é uma fossa a céu aberto. Putrefez-se, aliás, desde o dia em que veio ao mundo. Sim. Já nasceu em avançado estado de apodrecimento. Sua podridão é física e moral. Com seu corpo insepulto e sua alma nefasta, converteu-se depressa em uma espécie de Midas ao contrário, arruinando tudo aquilo em que põe a mão, tudo que toca.

É isso. Onde quer que coloque seus dedos infectos, como em um passe de mágica assombroso, transforma o objeto que foi tocado em uma coisa imprestável. Não importa se a matéria submetida à contaminação seja aço, titânio, pessoas ou instituições governamentais. Os seus constantes e insanos discursos de ódio contagiaram imenso número de brasileiros. Possui uma seduzida multidão ao seu dispor. Transformou gente pacata, supostos cidadãos de bem, em zumbis ferozes, marionetes, fantoches sem a menor capacidade de coerência, sem a mínima autocrítica.

É triste demais vermos pessoas que amamos (familiares e amigos) transformados em reféns mentalmente desse Coringa nacional, um mestre insuperável em mentir, em deturpar a verdade e se apoderar do cérebro dos nossos entes queridos. É fato, contudo, que ele apenas atiçou um monte de gente deveras má que apenas estava hibernando, quietinha, adormecida nos seus esgotos psicológicos.

O pulha comanda um exército espantoso de voluntários que aprovam e defendem todas as suas picaretagens, seus cambalachos, sem-vergonhices e roubalheiras. Essas populações mais parecem robôs programados para tão só balançar a cabeça afirmativamente como lagartixas em cima de muros. Uma grande parte dos envolvidos nessa devoção mórbida, nessa lavagem cerebral, é de homens e mulheres que se deixaram apodrecer de forma absolutamente espontânea. Não têm capacidade de reação, não sabem nem querem se libertar do cabresto mental que lhes foi posto.

É como se o ladravaz possuísse um controle remoto absoluto dessa massa de indivíduos alucinados, delirantes, que retransmitem a sua filosofia de virulência e ataques a minorias, a exemplo das agressões físicas e verbais contra gays, lésbicas e negros. Mas existem milhares de homossexuais, de pretos e pardos que defendem esse racista e homofóbico; caíram na lábia do cínico, infelizmente.

Apesar de ofendidos, menosprezados, muitos nordestinos são fiéis ao parasita supremo, aplaudindo, louvando cegamente as vigarices desse espírito maligno. Alguns, porém, estão pagando caro por toda essa demência. Não enxergam um palmo à frente dos seus narizes. A maior parte são ditos pobres de direita, fanáticos sem memória que perderam familiares e amigos na pandemia, mas engolem a mentira de que o coveiro federal e negacionista (que fez pouco-caso dos mortos e zombou de famílias enlutadas) não teve culpa de nadinha. É uma alienação sem limites.

O sacripanta se equilibra no seguinte tripé: Deus, pátria e família, enquanto que ele (machista, agressor e depreciador de mulheres) já se encontra no terceiro casamento. É um indivíduo execrável, animal peçonhento, que deu voz e ousadia a uma récua de tipos sem expressividade, rebanho de gado bípede pronto para se sacrificar pelo canalha. Todos esses cidadãos iludidos se autoproclamam patriotas.

Ocorre aqui uma lavagem cerebral em alta escala, algo comparável à hipnose aplicada por Hitler no povo alemão durante a Segunda Guerra. Os pobres de direita seguem o tal “mito” a qualquer custo, transformados em bucha de canhão do neonazista que defende torturadores e o retorno da ditadura militar.

O biltre ingressou na política partidária, onde nunca meteu sequer um prego em uma barra de sabão, e conseguiu a façanha de tornar a lama dessa imensa vala aberta de engravatados (salvo exceções) ainda mais podre. Respira e expira uma fedentina que atrai um sem-número de moscas-varejeiras e alguns segmentos da imprensa de aluguel. Temos diante de câmeras um golpista notório cuspindo microfones, afrontando jornalistas sérios, um saco de pus que chega aos setenta anos de idade esbanjando mau-caratismo e patifarias. Visita estados e municípios junto com uma escória de políticos venais, corruptos. Sua cretinice percorre o Brasil de ponta a ponta.

A inhaca desse conjunto de carnes, ossos e cartilagens em decomposição ultrapassa as fronteiras deste país. Seu fedor e uma porção de tapurus saem por todos os seus orifícios: pelas narinas, boca, ouvidos e até pelos cantos dos seus grandes e esbugalhados olhos de bicho maléfico. Esse poço de maldades (apenas quando lhe foi oportuno) fez cena de coitado em cima de um leito hospitalar.

Se lhe convém, portanto, faz de tudo para exibir na mídia a sua carcaça repleta de moléstias. Não teve a menor vergonha, o menor constrangimento de assim se mostrar diante de câmeras, expondo o seu corpo purulento em redes sociais como Instagram, Facebook, YouTube e WhatsApp. Gosta e se entregou aos holofotes como um gênero de múmia sem ataduras. Seu único intuito é propagandear, fortalecer a manipulação de sua legião de seguidores, de fanáticos incondicionais.

Deu um espetáculo, um chilique, quando se viu obrigado a receber uma oficiala de Justiça no seu quarto de UTI (um estúdio, na verdade). Nessa hora, fato ocorrido há poucos dias, o parasita reagiu como se estivesse às vascas da morte, quase com um pé (senão os dois) na cova, em condições muito ruins.

Coisa nenhuma! Esse tipo ignóbil, por tantas patifarias que já aprontou, tem que receber intimação até na sepultura. Dessa vez o oficial de Justiça pode ser o próprio Diabo. Aí o mi-mi-mi vai ser grande, cairá aos pés de Satã derramando lágrimas de crocodilo. Enquanto puder, todavia, continuará se passando por valente, firme, honesto. Como não bastasse, nos últimos meses teve a cara dura de participar de eventos em favor da anistia de criminosos, daquele bando de terroristas que fizeram o maior quebra-quebra no dia 8 de janeiro de 2023. Como sabemos, é considerado o mentor de um plano para aplicar um golpe de Estado que previa os assassinatos do presidente recém-eleito, do vice e também do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Mas isso está escancarado. Não é mais nenhuma novidade. O golpe fracassou e os envolvidos ficaram expostos. Devem responder por seus crimes nos rigores da lei. E enquanto não chega o dia de acertar contas com a Justiça, essa criatura asquerosa, pútrida, desprezível, deve prosseguir ostentando (só quando for vantajoso) vigor e resistência por meio da sua estratégia midiática de bancar o duro na queda para uma legião de iludidos úteis de toda parte desta grande nação adoecida.

A carniça viva, que talvez esteja bem pertinho de conhecer as acomodações de Bangu 8 ou da Papuda, ainda vai feder bastante. Não existe nenhuma água sanitária, antisséptico ou creolina capaz de minimizar o mau cheiro que emana desse verme que contamina até o chão que pisa. Onde esse patife chega, sempre com seu ruidoso batalhão de lambe-botas e zumbis, o ar se torna irrespirável.

Não tardará para que suas carnes decompostas comecem a se desprender dos ossos. Então restará apenas um esqueleto horrendo e melancólico. Nesse momento, enfim, o espetáculo da putrefação atingirá o seu ápice.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 11/05/2025 - 04:44h

A luz de Honório de Medeiros

Capa do livro de Honório de  Medeiros (Foto: BCS)

Capa do livro de Honório de Medeiros (Foto: BCS)

Por Carlos Santos

Enquanto duelo contra meus moinhos de vento (ou gigantes), representados por uma virose, me fortaleço com as reflexões sábias de Honório de Medeiros.

Ele não é Sancho, jamais serei Quixote – e vice versa. Somos irmãos com algum traço de sanidade. E olhe lá.

“Os que dizem não” é seu mais novo livro. Trata-se de um ensaio sobre seres humanos singulares e o pensamento que contraria o rumo da grande maioria da massa gente, através dos milênios.

Faz-me lembrar “O homem medíocre” (1913), do filósofo e escritor argentino José Ingenieros, ensaio que descreve o indivíduo conformista, alienado e comum, atraso à humanidade. É preciso nadar contra a correnteza.

Minha cura em grande avanço, que se diga, passa pela leitura dos que lançam luz na proa. Honório é guia. Rompe as trevas e encara de frente a mesmice coletiva endêmica.

Cá no sertão, à sombra de uma árvore frondosa, dou uma pausa. Mas, meu descanso é a batalha.

Carlos Santos é criador e editor do Blog Carlos Santos

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domingo - 04/05/2025 - 11:04h

Lugares de ontem

Por Odemirton Filho

Imagem ilustrativa gerada com recursos de inteligência artificial do Grok para o BCS

Imagem ilustrativa gerada com recursos de inteligência artificial do Grok para o BCS

Nas noites da Mossoró da minha juventude era comum os moradores do grande Alto de São Manoel voltarem a pé depois das festas, pois não tínhamos a insegurança e violência dos tempos atuais. Era uma turma de amigos que retornava das festas da ACDP, da AABB, dos festejos de Santa Luzia ou, quem sabe, das festas do Imperial e do clube Realce.

Como hoje, logo após as farras, as pessoas faziam um lanche para voltarem as suas casas. Não existia o famoso “Sebosão”. Havia a lanchonete Big-Burg, em frente a atual Estação das Artes. No bairro Doze Anos, a lanchonete de Dedé do Sandubar, figuraça!

No Alto de São Manoel, em frente a atual loja da Olinda Pneus, existia a lanchonete de Zecão. Era ali, na maioria das vezes, que eu ia saborear um “completo”. Eu e alguns amigos aproveitávamos para resenhar, conversar sobre a noite que findava.

Não existia essa ruma de opções de hoje em dia, hamburguerias, pizzarias. Açaí? Ninguém conhecia por essas bandas.

Lembrei desses fatos, pois soube há alguns dias, por meio do meu querido amigo Marcos Ferreira, do falecimento de Zecão. Aliás, ele morava e ainda mantinha a lanchonete, quase vizinho a casa do nosso dileto escritor, no conjunto Walfredo Gurgel. De vez em quando eu ia por lá, e aproveitava para colocar o papo em dia com Marcos Ferreira.

Zecão fez parte da Mossoró das antigas, nos bons tempos de minha juventude. Fazia parte do rol de figuras, como Dedé do Sandubar, Alberto do Big-Burg, Zé Leão, entre outros.

A vida é passageira, e vamos construindo a nossa história com fatos e pessoas que, de alguma forma, ou em algum momento, dela fizeram parte. Sim, “quando se vê, já se passaram cinquenta anos”.

Lembro-me do Frango de Olinda; da churrascaria Kancela; Severino da Carne Assada; O Laçador; da lanchonete Tube; A Geladinha; Sorveteria do Juarez; Pizzaria Hut; lanchonete do Matú; do restaurante de Chico, no conjunto Walfredo Gurgel; do Bar do Gordo, no Paraíba.

E você, qual o lugar vem à memória?

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 04/05/2025 - 08:28h

Boi Café

Por Bruno Ernesto

Talhão de café, Fazenda Rio Grande (Foto do autor da crônica)

Talhão de café, Fazenda Rio Grande (Foto do autor da crônica)

Nos últimos meses o café tem sido o centro de muitas notícias, desde questões relacionadas aos benefícios de sua ingestão, estilo de vida, tradição e, em especial, as questões relacionadas ao declínio de sua produção, aumento da demanda e a consequente disparada nos preços desse elixir que o mundo inteiro aprecia.

Tudo, absolutamente tudo, gira em torno dele. Se não concorda, é melhor sentarmos e discutirmos a questão enquanto tomamos um cafezinho.

Abstraindo todas essas questões, aproveitando o feriado do Dia do Trabalhador, juntei minha família e fomos conhecer a Fazenda Rio Grande, onde fica o cafezal mais antigo e ainda ativo do estado do Rio Grande do Norte, e que está encravado a 670 metros de altitude no município de Jaçanã, bem no topo da serra do Cuité, na divisa com o estado da Paraíba.

Durante o trajeto, percorremos o estado de uma ponta a outra, subindo serras e rasgando o sertão, que está verdinho e exuberante.

Após a calorosa recepção, e já deliciando um saboroso café mais que especial, recém-torrado, moído e preparado ali mesmo na entrada, rumamos para o cafezal e fomos conhecer aquele paraíso.

Conhecendo um pouco da história da fazenda, o seu responsável, Diogo Jeremias, nos contou que o plantio do cafezal teve início em 1981, e que após mais de duas décadas, houve um período de letargia em sua produção, só tendo sido efetivamente retomada com a eclosão da pandemia da Covid-19, época que retraçou os planos de muitas pessoas no mundo inteiro e o local, além de refúgio para a família, serviu como recomeço da atividade cafeeira.

Enquanto caminhávamos no cafezal, Diogo falava todos os detalhes da produção do café, bem como as técnicas de manejo, detalhes com microclima, em especial a necessidade de sombreamento do cafezal para proporcionar uma produção de excelência e consistente do café arábica lá produzido.

Ele me mostrou a enorme diferença no desenvolvimento dos pés de café que crescem sombreados por enormes cajueiros e os que não são, ainda que a temperatura local se mantenha em agradáveis 25 ou 26 graus Célsius em pleno meio dia.

Também notei que alguns bois e vacas bem nutridos e vistosos, ao longe, descansavam calmamente debaixo das copas dos enormes cajueiros em meio ao cafezal.

Por um instante – talvez pelo adiantado da hora e a fome já dando notícias – fiquei curioso para saber se eles comiam os frutos doces de café ali fartamente disponíveis, o que seria interessante, pois – imaginei -, quem sabe, o café desse um sabor especial à carne deles, tal qual os famosos porcos ibéricos têm a carne com sabor das bolotas (frutos do carvalho) que eles comem em abundância e que produzem o famosíssimo Jamón Pata Negra.

Seguindo, ao nos mostrar um outro talhão de café, percebi que esse aparentava ser bem mais jovem que os demais, e, por curiosidade, perguntei a respeito da irrigação, manejo e adubação do solo do cafezal.

Ele nos falou da necessidade de investimentos frequentes para a manutenção, melhoria e ampliação do cafezal, o que representa um enorme um desafio para quem produz cafés especiais.

Enquanto olhávamos para esse talhão jovem, ele contou que, para viabilizá-lo, precisou rifar um boi de estimação da fazenda.

Como sou apaixonado e apegado aos animais – não considere tanto o episódio do Jamón Pata Negra -, e sei que quando alguém fala que é de estimação, ainda que se trate de um boi, imaginei o quão doloroso deve ter sido desfazer dele para poder dar seguimento ao cafezal.

– E o destino do boi, Diogo?

Ele sorriu um tanto sem graça e disse que o arrematante não tinha estima pelo boi e selou o seu destino como se fosse um qualquer.

Seguimos o passo e, por breves três ou quatro segundos, perguntei a ele qual era o nome do boi de estimação.

E ele olhou sério para mim e falou seco:

– Boi Café.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Maio de 2025 -
domingo - 04/05/2025 - 07:16h

Manicômio digital

Por Marcos Ferreira

Cabeça do palhaço maluco (Fonte: Freepik)

Cabeça do palhaço maluco (Fonte: Freepik)

Desapego, quiçá altruísmo, abnegação, fidelidade ao seu destino de agregador de pinéis. Pode ser tudo isso e muito mais. Só sei que dessa forma, desinteressado de aplausos e lucro financeiro, o diretor deste manicômio digital, o jornalista e escritor Carlos Santos, reúne em seu blogue todos os domingos um expressivo e polimático número de malucos informais. Pois é. Temos aqui amalucados para todos os gostos e atribuições. A começar pelo próprio timoneiro desta nau psiquiátrica, que obviamente tem a sua parcela de insanidade.

Creio que alguém que bate direitinho da cachola não abraçaria essa missão de confraternizar e apaziguar mentes alvoroçadas. “Loucura! Loucura!”, diria o galáctico Luciano Huck, ele também um louco de pedra.

Claro que nem todos que orbitam em torno deste blogue são pirados. Há exceções. Especialmente no tocante aos leitores. Já alguns articulistas padecem de elefantíase do ego. Como os pavonescos Euzébio Ramalho e Gustavo Noronha, intelectuais com renome e prestígio na praça. Exibem um inegável grau de deficiência cognitiva em seus próprios artigos indecifráveis. Digo, a bem da verdade, que esses cavalheiros são mais que meros tipos egocêntricos. Tanto o senhor Ramalho quanto o senhor Noronha são profundos estudiosos de objetos voadores não identificados.

Existem aqueles que fazem questão de deixar bem claro que são doidos. É o caso, por exemplo, do meu estimado xará e jurisconsulto Marcos Araújo, o mais ilustrado e apaixonante maluco que conheço. Araújo, além de cronista invulgar, é comentarista deste espaço, ele que de quando em vez me dá a honra de emitir uma opinião construtiva sobre meus escritos.

Antes que alguém o diga, declaro que não sou nenhum alicerce de equilíbrio mental. A diferença entre mim e os pavões Ramalho e Noronha (suponho) é que estou sempre medicado e não misturo meus antipsicóticos com álcool. Aliás, não conheço o gosto de bebida alcoólica nenhuma. Muito menos posso afirmar que o senhor Ramalho e o senhor Noronha tomam remédio controlado.

Estou sóbrio desde o dia 10 de abril de 1970, há cinquenta e cinco anos. Mais de meio século remando contra as convenções sociais. E isso não tem relação com igreja evangélica nem católica, budismo, espiritismo ou candomblé. A minha sobriedade etílica, portanto, não está vinculada a nenhuma religião.

Sou desconfiado por natureza. Não boto a minha mão no fogo por esses messias e mitos que pipocam em toda parte deste país e do mundo. Enxergo tanta honestidade nessa récua de sacripantas quanto em uma cédula de trinta reais. Penso, todavia, que não somos frutos do acaso. Mas voltemos ao que de fato interessa. O papo aqui não é sobre credulidade ou descrença. Desejo abordar apenas a questão dos que possuem parafusos frouxos ou até faltando. Situação na qual possivelmente me encaixo. Meu alienista é quem pode falar melhor sobre o meu caos psicológico.

Entre os alvoroçados estão os doidos mansos, elementos deveras tranquilos, moderados, com a serenidade de um peixinho de aquário. Desse naipe aponto escribas como Bruno Ernesto, Odemirton Filho, Jessé de Andrade Alexandria, Ayala Gurgel e o delegado da Polícia Civil Inácio Rodrigues Lima Neto, sujeito de fino trato e um ficcionista dos melhores desta terra de Santa Luzia.

Um tanto mais incisivo, combativo, há o poeta e escritor de responsa François Silvestre. Em meio a esses (acho que já estou cometendo o pecado do esquecimento) não posso deixar de incluir o amigo e memorialista Rocha Neto, verdadeiro arquivo ambulante desta aldeia.

Carlos Santos, então, com a sua fleuma de monge tibetano, consegue harmonizar e socializar todas essas categorias de discípulos do saudoso Paulo Doido, cujo nome de pia é Paulino Duarte Morais, que se encantou aos sete dias de junho de 2024. Deixou para todos nós, tantãs, um robusto legado de doidices ora meio afobadas, ora bem-comportadas. Sua biografia de maluco beleza está gravada na história desta província e jamais será esquecida. Os doutores psiquiatras Dirceu Lopes e Roncalli Guimarães, que também possuem as suas neuras, ficaram desolados com o passamento de Paulo Doido. Infelizmente, apesar dos esforços, nosso editor nunca conseguiu firmar um contrato com Paulino Duarte para participar do BCS — Blog Carlos Santos.

Como os demais cronistas deste hospício, Paulo Doido teria bastante o que contar sobre suas andanças pelas ruas de Mossoró. Segundo uma fonte porra-louca, corre à boca miúda a notícia de que o diretor deste malucódromo adquiriu o passe de outro doido para jogar em nosso time de birutas. Minha fonte diz que se trata de ninguém mais, ninguém menos do que o ponta-esquerda Adélio Bispo, esfaqueador de elite predestinado. Será muito bem-vindo ao nosso manicômio digital.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 27/04/2025 - 08:50h

Éticos

Por Marcelo Alves

 José Adalberto Targino Araújo (Foto: Web/Arquivo)

José Adalberto Targino Araújo (Foto: Web/Arquivo)

Conheci José Adalberto Targino Araújo, há muitos anos, nas fronteiras do Rio Grande do Norte com a Paraíba. Procurador do Estado no RN, Secretário de Estado da Justiça na PB, afetuoso amigo e sempre um “gentleman”, Adalberto circulava – e ainda circula – com imensa e igual fidalguia por essas duas províncias. Sou testemunha do seu trabalho ético como profissional/prático do direito e da política.

Membro das academias norte-rio-grandense e paraibana de letras jurídicas, Adalberto agora nos presenteia, a partir da sua vocação acadêmica/filosófica, com um livro deveras singular: “A ética aplicada à política e às relações sociais”.

É um livro que merece ser lido. Aliás, degustado com carinho.

É um trabalho sobre a ética – na concepção aristotélica, a ciência que estuda o comportamento humano com o objetivo de alcançar o equilíbrio/virtude (“areté”) e a felicidade (“eudaimonia”) –, um saber intimamente relacionado ao direito, à política, às relações sociais, à filosofia e, por que não, à literatura. O autor, que já laborou ou ainda labora como governante, promotor, procurador, acadêmico e muitas coisas mais, dela, porque também a segue fielmente, entende muito bem.

Entretanto, o livro de Adalberto vai muito além do estudo tradicional da ética.

É primeiramente um delicioso passeio pela história universal. Como o autor explica, ele tem como “objetivo geral identificar as convergências e discrepâncias filosóficas e teológicas entre os filósofos desde o período pré-socrático até os filósofos considerados modernos no que concerne à ética aplicada à política e relações sociais”. Para atingi-lo, busca “compreender a ética, a política e o bem comum em Platão e Aristóteles; compreender a moral no universo cristão medieval; analisar a filosofia moral no período do Iluminismo; expor pensamentos sobre a real dimensão da ética de ordem objetiva; e analisar a crise ética da modernidade na abordagem de pensadores pós-modernos”. Ao finalizar a sua jornada, o texto bem apresenta a síntese das divergências e das convergências entre os pensamentos e os pensadores que construíram a nossa história ética.

E é sobretudo um estudo interdisciplinar pelos vários saberes da humanidade (quer algo mais academicamente contemporâneo?), visando à ampla compreensão e ao aperfeiçoamento da realidade ética que nos cerca. Para além da política, do direito, da sociologia, da filosofia (da qual a ética seria um dos seus principais temas ou ramos), o livro faz excelente uso da literatura (de ficção, para ser mais claro). Por exemplo, dois de meus autores prediletos são objeto de análise. Tolstói (1828-1910), com o seu “O Diabo”, sob o ponto de vista da moral iluminista e, bem detalhadamente, sob uma leitura kantiana. E o insuperável Shakespeare (1564-1616), com os seus “Hamlet” e “Macbeth” e, sobretudo, o seu “Rei Lear”, num mundo eticamente às avessas.

Na verdade, na literatura universal, há inúmeras estórias que enfrentam e resolvem os denominados “problemas éticos”. Os grandes autores, se não filósofos, relatando a casuística da vida em linguagem mais elegante e acessível do que a linguagem dos acadêmicos, são frequentemente excelentes professores de filosofia e de ética. A partir da casuística narrada, eles tornam a coisa bem menos abstrata, mais pé no chão, mais vida vívida. E essa abordagem “literária” da filosofia, sua história e sua ética, confesso, é o que mais me encanta em “A ética aplicada à política e às relações sociais”.

Por fim, sem querer mais adiantar o conteúdo, mas para fortemente recomendar a leitura, apenas asseguro: Adalberto e o seu livro são pessoal e academicamente éticos, na precisão integral deste termo.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 27/04/2025 - 07:22h

O inferno é aqui

Por Marcos Ferreira

Ilustração: besta de sete cabeças do Apocalipse (Fonte: JW.ORG)

Ilustração: besta de sete cabeças do Apocalipse (Fonte: JW.ORG)

Escurece. Melhor dizendo, anoitece. “Escurece”, forma do presente do indicativo, verbo transitivo direto, intransitivo e pronominal, pertence a um pretérito que hoje em dia é coisa rara. Há bastante tempo, com breves ocorrências, já não escurece. Isto no que se refere à comutação do dia para a noite. Quase ninguém se importa ou acredita que ainda temos crepúsculos, arrebóis. Porque mal a noite se aproxima, ao contrário de antigamente, eis que um sem-número de postes acendem suas luminárias de modo automático e eficaz. As primeiras vítimas desse progresso foram os acendedores de lampiões, trabalho cantado em verso e prosa quando nos tinha serventia.

Até as estrelas, agora com a geração cabisbaixa dos smartphones imperando, têm passado despercebidas na infinitude do espaço. A poeticidade da Lua, sobretudo se não for cheia, também fica prejudicada nesta era tecnológica em que um reles celular rouba a cena e põe uma quantidade astronômica de gente com a ponta do queixo colada no peito. Exceto pelos astrônomos e por alguns poetas que vivem na órbita da Lua, ouso dizer que a própria Via Láctea está caindo no ostracismo.

Em nossa casa, no universo de minha meninice, escurecia de fato. Conforme principiei, “escurece” estaria com emprego adequado. Porque as lamparinas de querosene daquele nosso domicílio de pau a pique, sem luz elétrica, sem água encanada, só eram acesas (duas ou três em pontos cruciais) quando a visibilidade estava deveras comprometida. Enquanto houvesse pelo menos penumbra, um lusco-fusco que permitisse nossa locomoção e tornasse certas coisas encontráveis, a minha mãe não gastava querosene à toa. A senhora Branca era autodidata em economia. Senso este que desenvolveu ao longo dos sessenta e dois anos em que esteve por aqui.

No terreiro de nossa casa, situada na Avenida Alberto Maranhão, 3521, lá no finalzinho dos anos setenta para começo dos oitenta, havia uma grande árvore, um flamboyant que à noite nos oferecia uma espécie de chão de estrelas, parecido com a metáfora daquela célebre canção do Orestes Barbosa e Sílvio Caldas. Sob a copa do flamboyant, a gente se reunia (nove irmãos) para ouvir a senhora Branca contando histórias de onça e de mal-assombro.

Agora as onças, em especial as onças-pintadas, sofrem ameaça de extinção. As almas penadas desapareceram das conversas de roda. Talvez porque as assombrações, a exemplo das onças, têm medo desta sociedade hostil que formamos. Durante séculos a fio a Terra inteira é massacrada por nós.

Corrigindo, enfim, anoitece. Há muitas luzes, porém existem incontáveis trevas sociais sem ao menos uma lamparina de esperança, uma luzinha no fim do túnel. Tanta coisa boa morreu para um monte de coisas boas nascer. Mas seguimos sem respeitar tradições, destruindo costumes, a fauna e a flora. A Natureza agoniza sob nossa ganância e descaso. O planeta começou a se voltar contra a nossa índole predatória, deletéria.

Qualquer dia tudo vai escurecer de vez. Parece que o Sol tomou as dores do globo terrestre e decidiu fritar nossa existência. O aquecimento global está aí como carrasco implacável sobre o cadafalso, só esperando a hora de aniquilar essa humanidade desumana composta por uma gigantesca soma de pessoas insensíveis.

Mais cedo ou mais tarde um antiquíssimo verbo retornará para um acerto de contas com o bicho-homem, único animal que devasta o próprio habitat. Trata-se do verbo retransfigurar. O mesmo conjugado por Deus na época de Noé. Receio que dessa vez não contaremos com uma segunda arca. Nem o Todo-Poderoso reenviará o Nazareno para salvar a nossa pele. Paciência, como se diz, tem limite. Não. Não haverá outra arca. Apenas choro e ranger de dentes.

O Inferno é aqui.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 27/04/2025 - 05:48h

Não o convenceu

Por Bruno Ernesto

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Observar. Só observar, tem muitas vantagens.

Apesar de gostar muito de fotografias, em especial em preto e branco, nunca fui um exímio fotógrafo.

Muito pelo contrário, estou equidistante entre o regular e o semiamadorismo. Entretanto, não me falta disposição e teimosia.

Aliás, sempre gosto de dizer que a teimosia é inegociável. Pois bem.

Além de um bom equipamento fotográfico – acredito eu -, me falta uma característica fundamental a um fotógrafo: paciência.

Não é que não tenha. Até tenho; só não muita. Se tiver calor, menos ainda.

Aliás, assim como na falta de um bom café sem açúcar, no calor, me falta é o juízo inteiro e nunca será um bom momento para resolver certos assuntos ou quizila.

Fotografar como passatempo – com é o meu caso – precisa da mesma calma, tempo, disposição, serenidade, criatividade e, sobretudo, sensibilidade exigida para se escrever um texto literário.

Muito embora tenha esse déficit fotográfico, nos últimos tempos, com o auxílio e o incentivo da minha esposa – que é exímia fotógrafa -, tenho procurado praticar e aperfeiçoar essa arte; embora, geralmente, meus registros sejam feitos despretensiosamente.

Acredito que a cada cem fotos, uma ou duas fiquem realmente apresentáveis.

Como num pleonasmo, gosto de capturar cenas do cotidiano diário; ver gente e a vida pulsante da cidade, seus personagens, lugares e, sobretudo observar o movimento frenético dessa central que se inicia ainda pela madrugada, e vai se amainando já pelo meio da manhã, como toda e qualquer central de abastecimento de alimentos em qualquer lugar do mundo.

Dia desses, passando bem cedo pelo centro da cidade – antes das seis e meia – bem em frente à central de abastecimento (Mercado da Cobal), um dos lugares – talvez – mais bem frequentados da cidade, uma cena me chamou bastante atenção.

Enquanto aguardava o sinal de trânsito abrir, escutava as notícias do rádio – sim, sou ouvinte assíduo de rádios – e tentava organizar mentalmente o meu dia quando, de dentro do carro, percebi que dois homens conversavam na esquina ali, bem ao meu lado.

Um deles – o ouvinte – tinha a barba grande e descuida; cabelos retorcidos e convulsionados; calçava havaianas e vestia camiseta e calção amarrotados, como quem tivesse há dias com a mesma roupa e sem tomar um banho;

Sentado bem ali na calçada da esquina – olhos inchados -, tinha as mãos soltas e descansadas entre as pernas.

Estava totalmente inerte e num estado indescritível de afastamento e melancólica visão perdida no infinito.

De tão profundamente perdida, não indicava qualquer conexão com o mundo, no meio daquele vai e vem de carros e, certamente, muito barulho.

Ao seu lado direito, porém não tão próximo, jaziam duas sacolas pretas, uma garrafa pequena de uma marca de água mineral conhecida. No asfalto, encostado no meio-fio, uma sacola plástica branca.

Já encostada à sua perna direita, havia uma sacola plástica branca, o que parecia ser uma garrafa plástica de refrigerante de um litro sem o rótulo e, ao alcance imediato de sua mão, duas garrafas pequenas, rechonchudas, com tampas brancas enroscadas, como se dois pequenos barris fossem.

No rótulo dessas duas pequenas garrafas em formato de barril – depois pude ver – havia uma silhueta feminina em pose sensual.

Paradoxalmente à postura daquele homem ali sentado e intrigantemente inerte, outro – bem aparentado, de tênis e boné -, se postava de pé bem diante dele e, gesticulando os braços, com veemência e vigorosamente, aparentemente vociferava aos brados e colericamente, como se o tentasse convencer de algo. Talvez um conselho.

Dez segundos se passaram entre eu parar o carro e o sinal abrir. Consegui uma sequência de quatro fotos e precisei seguir.

Trinta minutos após meu compromisso, na volta, passei pela mesma esquina – agora no outro sentido da via – e lá ficaram apenas a garrafa pequena de uma marca de água mineral conhecida e a garrafa plástica de refrigerante de um litro sem o rótulo.

Aparentemente, o homem de boné não o convenceu.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
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