• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 21/04/2024 - 12:00h

Limítrofe

Por Bruno Ernesto

Foto do próprio autor da crônica

Foto do próprio autor da crônica

Até que ponto a degradação humana lhe afeta?

Lembro de um filme alemão chamado Das experiment (A experiência), lançado em 2002 e dirigido por Oliver Hirschbiegel, o qual reproduz um experimento realizado no ano de 1971 na universidade de Stanford.

Nele, vinte voluntários são divididos em dois grupos, sendo oito deles carcereiros e demais prisioneiros.

O experimento consistia em observar o comportamento dos dois grupos simulando uma prisão.

Uma semana após o início, o nível de violência e degradação humana foi tão surpreendente, com uma total falta de controle dos voluntários que faziam o papel de carcereiros, que esses passaram a praticar todos os tipos de violência contra os voluntários no papel de prisioneiros, o que forçou sua interrupção.

Quando falamos de degradação humana pela violência física, estranhamente, ela desperta mais interesse e é incrivelmente mais atraente para as pessoas; embora muitos não admitam.

Entretanto, há uma degradação humana, muitas vezes silenciosa, porém tão cruel e, por vezes, igualmente mortal.

Vez ou outra vemos nos noticiários matérias acerca da situação econômica no Brasil e mundo a afora. Invariavelmente, não muito animadoras. Mas a vida segue.

Há dois autores que escreveram sobre privações e dificuldades em dois sistemas político-econômicos distintos e que, ainda hoje, geram grandes discussões: capitalismo e socialismo.

A diferença básica entre suas obras, é que uma, tal qual o filme, foi um experimento; e outra, foi pura realidade.

Conhecido pelo seu famoso livro 1984, o ingglês, George Orwell, uma obra tanto distópica quanto satírica, iniciou sua vida literária com o livro “Na pior em Paris e Londres”, escrito na década de 1920, quando largou tudo para iniciar sua vida literária, entretanto, só publicado em 1933.

A obra foi idealizada por Orwell para relatar a situação limite de pessoas com dificuldades financeiras. Uma população invisível.

Conta a vida das mais variadas pessoas. Desde sapateiros, pedreiros, cozinheiros, trabalhadores braçais, desempregados, até estudantes universitários, demonstrando que a ruína financeira, a miséria e o desamparo material, deterioram rapidamente qualquer perspectiva, quando se está extremamente necessitado, alterando e, repetidamente, interrompendo planos, ainda que seja por um prato de comida ou um lugar para passar a noite, registrando vividamente o desespero e luta diária de uma pessoa no intuito único de conseguir o básico naquela situação crítica de sobrevivência naquelas duas cidades que representam, ainda hoje, o capitalismo: Paris e Londres.

Para tanto, como uma forma de melhor imergir naquele mundo, passou, literalmente, a viver naquelas mesmas condições e, assim, poder relatar fielmente como era aquela situação de vida.

Orwell, brilhantemente registrou que a primeira experiência com a pobreza vem carregada com o temor de que ela estava prestes a acontecer.

Dizia ele que muito embora as pessoas relutassem, mais cedo ou mais tarde, ela – a pobreza – se materializaria, e tudo se dava de forma prosaicamente diferente, porém, de forma completa, extremamente diferente e extraordinariamente complicada.

E a primeira coisa que se conhecia era a baixeza peculiar da pobreza e as mudanças que ela impõe; o desnudamento de si mesmo, e a invisibilidade.

De uma hora para a outra, tudo se esvai entre os dedos e diante dos olhos.

O outro autor é russo Serguei Dovlátov, autor do livro “A mala”.

Em “A mala”, ele traz à tona sua história de como emigrou da antiga União Soviética para os Estados Unidos da América no final da década de 1970, relatando as dificuldades de sobreviver em sua terra natal no auge da Guerra Fria.

Ilustradamente, no início de sua obra, ele resume, sarcasticamente, que o regime socialista solucionava tudo, até a oferta e a procura de meias de crepe, como foi ocaso do fiasco de sua negociação na compra de uma grande carga de meias de crepe finlandesas verdes, e que no outro dia houve uma inundação de meias de crepe russas custando um décimo do valor que pretendia vendê-las.

Além disso, descreveu, de forma sutil, entretanto, bastante direta e crua, que a situação econômica estava tão deteriorada, que mesmo tendo ficado revoltado ao saber que, pelas regras da União Soviética, quem emigrava só poderia levar consigo três malas, descobriu que tudo que possuía naquele tempo, mal ocupava uma mala.

Assim, apesar de situações distintas, o aviso é o mesmo: tudo é limítrofe.

Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 21/04/2024 - 11:28h

Cambridge e sua universidade

Por Marcelo Alves

Foto Web

Foto Web

Assim como Oxford (sobre a qual escrevi dia desses), Cambridge está a cerca de uma hora de trem de Londres. Não é uma cidade grande. Pouco menos de 150 mil habitantes, acredito. Dominada pelo rio Cam, ela está também entre os mais visitados destinos turísticos do Reino Unido. E aqui vai uma dica para quem quer flanar por lá: o passeio deve começar pela King’s Parade, rua/praça defronte ao King’s College, que, pela sua localização, marca a vida de cidade.

Cambridge tem aquele apelo todo especial para os que gostam do chamado “turismo cultural”. Isso está relacionado à sua universidade. Antiquíssima, ela foi fundada em 1209, a partir de uma dissidência de estudiosos de Oxford. Arenga boa! Cambridge está hoje entre as melhores universidades do mundo. Um dos primeiríssimos lugares em qualquer ranking.

Ela conta com cerca de 20 mil alunos. A maioria é de graduação, sure. Mas há um alto percentual de pós-graduandos, em torno de 30/40 por cento do total, com o consequente impacto positivo no orçamento, nas pesquisas, nas publicações etc. Ela é o sonho – e para a grande maioria não passará de um sonho – de muitos estudantes nacionais e estrangeiros.

Tal qual a congênere de Oxford, a organização/governança da Universidade de Cambridge é sui generis. Na governança central, possui departamentos, faculdades ou “schools”, grandes museus (como o maravilhoso Fitzwilliam Museum, dedicado à arte em geral e a antiguidades), laboratórios (entre eles o Laboratório Cavendish, que já “laureou” uns 30 prêmios Nobel), a gigantesca University Library e a Cambridge University Press. Mas há a peculiar estruturação dual com o sistema de instituições independentes e autogovernadas, chamadas “colleges”, aos quais estão vinculados todos os docentes e os estudantes e que servem como um misto de residência e centro de estudos. Cambridge possui hoje 31 colleges.

Alguns, como o citado King’s, o Trinity e o St. Jonh’s, para dar alguns exemplos, são prestigiadíssimos. O dinheiro investido em Cambridge – basicamente dinheiro público em uma instituição administrada “privativamente” – gera um conhecimento inestimável. Nas artes, na filosofia, na política, no direito, nas ciências e por aí vai. Isso é o que eu tenho como uma bela “parceria público-privada”.

Cambridge também comemora haver “educado” personalidades de grande destaque nos mais diversos métiers. Na política, Cambridge deu o primeiro e o mais jovem dos primeiros-ministros do Reino Unido, Robert Walpole e William Pitt “The Younger”, respectivamente. Nas letras, Cambridge celebra Christopher Marlowe, John Milton, Samuel Pepys, Lawrence Sterne, W. M. Thackeray, Kingsley Amis, John Dryden, William Wordsworth, Samuel Taylor Coleridge, Lord Byron e Lord Alfred Tennyson, entre outros. Na filosofia, ela vem com Erasmus de Rotterdam, Francis Bacon, Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein. Na economia, com gente do top de Thomas Malthus e John Maynard Keynes.

Mas parece ser nas “ciências” que Cambridge escreveu, ao longo dos séculos, a sua mais bela página. Para se ter uma ideia, Isaac Newton e Charles Darwin, dois dos mais importantes nomes da história da humanidade, passaram por Cambridge. Isso sem falar em James Clerk Maxwell, que, juntamente a Newton e Einstein, é considerado um dos maiores físicos de todos os tempos. Ou em Charles Babbage e Alan Turing, pais da ciência da computação que hoje conhecemos. Aliás, pais e pioneiros não faltam em Cambridge.

Foi em Cambridge, em 1932, seguindo os passos de pioneiros como J. J. Thomson e Ernest Rutherford, que Ernest Walton e John Cockcroft realizaram, pela primeira vez na história, a cisão do átomo de maneira controlada. Assim como foi em Cambridge que, em 1953, Francis Crick e James Watson descobriram a estrutura do DNA, o que lhes deu, acompanhado de Maurice Wilkins (do Kings College London – KCL, onde fiz o meu PhD), o Prêmio Nobel de Medicina de 1962. E eles são apenas dois dos oitenta e tantos prêmios Nobel de Cambridge, número que nenhuma outra universidade conseguiu bater.

Bom, viva a ciência e todas as artes de Cambridge!

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London (KCL) e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras (ANRL)

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 21/04/2024 - 10:04h

“Dr. Jivago” em três momentos de minha vida

Por Inácio Rodrigues 

Cartaz - Reprodução

Cartaz – Reprodução

Assistir “Dr. Jivago” em três momentos distintos da minha vida foi como ver três filmes diferentes, cada um revelando camadas divergentes, não só da obra, mas também das minhas próprias convicções e experiências pessoais. A primeira vez, aos dez anos, eu vi Yuri Jivago como um herói burguês; aos dezoito, sob a influência da ideologia socialista, julguei-o por outros prismas; e, finalmente, na maturidade, o percebi como um homem dividido entre dois amores, refletindo sobre as complexidades humanas, tendo como pano de fundo a Revolução Russa.

Aos dez anos, minha percepção de “Dr. Jivago” foi pintada com as cores da simplicidade infantil. Yuri Jivago, com sua postura nobre, seu talento para a poesia e medicina, emergiu para mim como um herói quase mítico. O luxo sutil de sua vida antes da revolução, contrastando com a decadência ao seu redor, não me parecia uma questão de privilégio, mas de merecimento, diante do que ele representava.

Via nele a personificação do sucesso individual, um farol de civilidade e cultura em meio ao caos que dominava aquele microcosmo. A Revolução Russa, por sua vez, era o pano de fundo dramático, uma tempestade que desafiava o protagonista a manter sua integridade, sua altivez e posição, frente a uma sociedade profundamente dividida.

Aos dezoito anos, minha visão do mundo estava saturada de ideais socialistas. Reassistindo “Dr. Jivago”, minha empatia pelo personagem principal se transformou em crítica feroz. Enxerguei Jivago não mais como herói, mas como um símbolo da burguesia, cujos dilemas pessoais pareciam triviais frente às lutas coletivas daqueles que a revolução pretendia emancipar e empoderar como seres sociais.

A poesia e o amor, outrora elementos de beleza universal, agora me pareciam indulgências de quem tinha o privilégio de ignorar a luta de classes. A Revolução Russa, em minha interpretação juvenil e até inocente, era o despertar necessário, e Jivago, com sua hesitação e falta de compromisso político, uma figura obsoleta.  Enquanto um sofrimento inominável se desenrolava, ele estava envolto em temas menores, sentimentalismos indefinidos e fúteis.

Na maturidade, minha compreensão de “Dr. Jivago” e de seu protagonista se aprofundou significativamente. Percebi Yuri Jivago não como herói ou vilão, mas como um homem profundamente humano, cuja verdadeira batalha era interna.

Os dilemas amorosos, antes vistos como fraquezas e futilidades, revelaram-se reflexos das contradições que todos enfrentamos. A divisão de seu coração entre Tonya e Lara simbolizava a eterna luta entre o dever e desejo, entre o conforto do conhecido e a paixão pelo desconhecido.

Nesta fase, a Revolução Russa ganhou novas camadas de significados pessoais para mim. Entendi que, além de ser um evento político e social, ela representava as mudanças inevitáveis que todos nós enfrentamos, as revoluções internas que desafiam nossas crenças e valores. Jivago, com sua relutância em abraçar a causa bolchevique, não era mais apenas um símbolo de apatia política, mas um indivíduo tentando preservar sua humanidade em um mundo que exigia escolhas impossíveis e que relegava o eu e suas complexidades ao nada.

REFLETINDO DE MANEIRA BREVE e rasa sobre essas três visões de “Dr. Jivago”, percebi que cada uma delas captura verdades essenciais, não só sobre o filme, mas sobre a natureza humana e a sociedade de cada tempo. Na infância, vi a importância do indivíduo; na juventude, a força do coletivo; e na maturidade, a complexidade das importantes escolhas pessoais em contextos históricos amplos.

Talvez a questão não seja qual análise é a mais correta, mas como cada uma reflete um estágio de compreensão e empatia sobre o filme e o personagem que lhe dá o nome. “Dr. Jivago” é uma obra rica e multifacetada, que oferece diferentes significados a diferentes espectadores, em diferentes momentos de suas vidas. O verdadeiro poder do filme, e de qualquer grande obra de arte, reside em sua capacidade de nos fazer refletir, questionar e, por fim, obter algum nível de crescimento pessoal.

A maturidade, e também problemas de saúde, me ensinaram que a vida, assim como a história, raramente oferecem respostas simples. Yuri Jivago, com suas fraquezas e contradições, é um lembrete de que, em meio às grandes narrativas da história, existem histórias pessoais de amor, perda e buscas por significados próprios da condição humana. E talvez seja na apreciação dessas histórias “menores” que encontramos nossa maior humanidade.

Veja e reveja o filme, na fantástica interpretação de Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin e Alec Guinness. Imperdível em qualquer época da vida.

Inácio Rodrigues é bacharel em direito e delegado da Polícia Civil do RN

*Baseado no romance de Boris Pasternak, Dr. Jivago é um médico e poeta que inicialmente apoia a revolução Russa, mas, aos poucos, se desilude com o socialismo e se divide entre dois amores: a esposa Tania e a bela plebeia Lara. Lançado em 1965, a fita teve direção de David Lean e trilha sonora de Maurice Jarre. Ganhou cinco Oscars, nas categorias de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção de Arte – A Cores, Melhor Fotografia – A Cores, Melhor Figurino – A Cores e Melhor Trilha Sonora.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 21/04/2024 - 08:50h

Aniversário em nuvens coloridas

Foto ilustrativa feita pelo próprio autor da crônica, em sua casa

Foto ilustrativa feita pelo próprio autor da crônica, em sua casa

Por Marcos Ferreira

Posso afirmar, modéstia à parte, que sou um tipo discreto, apesar da circunferência craniana. Hoje, porém, quero sair um pouco dessa característica e apontar quatro indivíduos, denunciá-los por uma benfazeja conspiração a mim destinada. Isto ainda em virtude da passagem do meu natalício, ocorrida aos 10 de abril. Aproveito o momento para agradecer a todos aqueles que, de um modo ou de outro, não deixaram essa obscura data passar em brancas nuvens, como se diz popularmente. Não deixaram, não.

O dia dos meus anos transcorreu em meio a nuvens bem coloridas, afagos e muito carinho. Gente que eu nem esperava pegou o telefone e me deu os parabéns.

Vejamos se não entrego os “acusados” logo de cara. Vamos protelando um tantinho a revelação dos conspiradores. Sim, meu intuito é fazer um pouco de suspense, bancar o mestre Conan Doyle, mas sem a pretensão (podem crer!) de me comparar ao criador do célebre detetive Sherlock Holmes. De jeito algum.

Bem, acho que não terei como ocultar os nomes dos “acusados” dessa forma, fazendo rodeios em demasia, esgotando a paciência do leitor. Temo que essa estratégia (brincadeira de esconde-esconde) faça com que um Valdemar Siqueira, um Rocha Neto, uma Vanda Jacinto, uma Zilene Medeiros ou um Fransueldo Vieira de Araújo, por exemplo, fiquem entediados com tantas delongas e se interessem por ver apenas o que hoje os talentosos cronistas Odemirton Filho e Bruno Ernesto escreveram.

Obviamente que há outros articulistas deste Blog Carlos Santos não menos interessantes. Pois é, reconheço que o circunlóquio está excessivo, longo por demais. Então cuidemos logo de encurtar a conversa e revelar os envolvidos na conspiração.

Antes, para que a palmatória do esquecimento não me castigue, quero registrar que meu aniversário teve um bolo da melhor qualidade. Foi feito por Natália, boleira de mão cheia. Felizmente não estava coberto de velas miúdas nem com uma plaquinha de número 54 indicando o antes ou o depois de Cristo.

Além do bolo, continuando com as gentilezas, informo que fui surpreendido com outros presentinhos que me deixaram muito contente. É isso. Não tenho porque negar. Senti-me querido, lisonjeado, da mesma forma como me senti com as mensagens nas redes sociais, pelo WhatsApp, nos telefonemas e também da maneira como fez meu querido amigo Elias Epaminondas, que queimou a linha de largada e já me parabenizou uns cinco dias antes no Facebook. A todos sou grato.

Agora, enfim, vamos aos benditos conspiradores: a bancária aposentada Bernadete Lino, de Caruaru; o gramático João Bezerra de Castro, de Parnamirim; e o poeta Francisco Nolasco, este último do País de Mossoró.

Os três, num trabalho de equipe apoiado por Natália, especialmente a partir do olhar sensível de Bernadete Lino, visitaram um tal de Mercado Livre e, quando eu me dei conta, eis que chegou a esta Euclides Deocleciano, 32, nada mais, nada menos que uma lindíssima escrivaninha. Ou seja, Bernadete Lino, atenta a uma crônica com a minha felina Preciosa em cima do meu espaço de escrita (uma pequena banca de plástico), propôs aos demais amigos a aquisição do referido móvel.

Claro que esse gesto me agradou não só pelo aspecto material. Sobretudo pela delicadeza de quem, embora tão longe geograficamente da realidade e do cotidiano deste homem de letras dos cafundós, falou consigo própria e decidiu que mereço algo mais do que uma mesa de plástico apertada para escrever. Por anos a fio, o que não era nenhum segredo, produzi os meus textos em tais condições.

Foi Bernadete, portanto, com o seu olhar atento e bondoso, quem orquestrou a compra desta confortável escrivaninha em que ora redijo estas palavras emotivas. Cada vez mais, ao contrário de tempos outros, vejo que estou cercado por pessoas que me têm sincera estima e benquerer. Assim como Cilene Freitas, amiga e vizinha que me brindou com uma belíssima (permitam mais este superlativo) caneca de louça na qual foi gravada uma foto deste cronista. Tudo feito de modo carinhoso, antecipado, com o nobre intuito de fazer este coração de escriba bater mais feliz.

É muito bom ser lembrado. Mas é ainda melhor não ser esquecido. É possível que o leitor considere que há redundância nessa questão de memória e esquecimento, contudo lhes asseguro que existe uma diferença semântica, algo conotativo. Deixemos isso de lado. Meu aniversário não passou em brancas nuvens, não caiu na deslembrança. Vieram as nuvens coloridas e isso me fez muito bem.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 14/04/2024 - 14:24h

A irmã de Cristo

Por Marcos Ferreirafé , biblia, religiosidade, sagradas escrituras,

Quase três horas adulando um soneto. Consegui dar cabo dos quartetos (razoáveis, a meu ver), porém os tercetos emperraram. Paciência. Mudemos para a crônica. Deixemos o poema amadurecendo nos escaninhos da mente. No mais das vezes persevero, travo uma luta ferrenha com os meus neurônios, mas há ocasiões em que é preciso dar um tempo, tomar um banho bem frio e uma boa talagada de café amargo. Após isso, o que não é regra, termino encontrando a solução para os versos insubordinados, inacessíveis como certos políticos reeleitos.

Se eu sigo algum ritual para escrever? Talvez. Mas seria algo involuntário. Inquieto-me da mesa para a cama, da cama para a rede, armada aqui na sala, às vezes com uma caneta e bloco de notas. Então “eu olho, assustado, para a página branca de susto”. Apenas para citar Quintana, embora alguns leitores mais áridos, carentes de cultura literária, considerem tais citações uma coisa presumida, empolada, pedante. Fazer o quê? Não posso responder pela ignorância alheia. A minha já me é o bastante para que eu entenda que aquilo que sei é uma gota e o que ignoro é um oceano, como nas palavras do cientista inglês Isaac Newton.

Ouso dizer que hoje em dia, dispondo-se de um serviço de internet, de um celular ou computador, tornou-se fácil (aspas) que um indivíduo se venda por intelectual. Ou afete, digamos, uma intelectualidade medíocre. Porque frases engenhosas como essa de Newton são absolutamente encontráveis nos sites de busca, sem que o suposto intelectual precise consultar sua biblioteca física um sem-número de vezes, no caso daquelas pessoas que possuem bibliotecas.

Temos em Mossoró um autor — rapaz velho com mais de setenta anos, formado em ciências jurídicas e medicina veterinária, entretanto estabelecido no ramo de peças de automóveis — que já deveria ter sido agraciado com um Jabuti ou um Prêmio São Paulo de Literatura. Se não pelas várias obras publicadas do próprio bolso, entusiasticamente aplaudidas pelas igrejinhas daqui e da capital potiguar, ao menos pela admirável qualidade das epígrafes e aforismos com que ele impregna os seus romances, contos, poemas, crônicas e ensaios literários.

Sim. O senhor Olavo Cardoso, eis o nome do referido escriba, notabiliza-se (no meu modo de ver) muito mais pela citação das obras e pensamentos de terceiros do que pelos méritos de suas próprias letras.

Isso, no entanto, não é da minha conta. Decerto também não é do interesse do paciente leitor. Iniciei estas linhas falando sobre poesia, e é sobre poesia que desejo continuar falando. Talvez eu devesse expor aqui as duas primeiras estrofes do referido soneto. Não. Fiquemos na categoria da crônica. O que não me impede de lhes apresentar a minha opinião sobre a arte do verso.

Eu dizia da minha peleja à cata dos tercetos, até agora sem remédio. Estalo os dedos. Daí a pouco vou dar uma olhada no trânsito. Espio por cima do muro, que é baixo o suficiente para esse tipo de espreita. Subo em dois tijolos de cerâmica, que mantenho ali para essa finalidade. Ganho uns vinte centímetros de altura e consigo espichar a cabeça para melhor examinar a rua. Contudo ainda é cedo e quase não há tráfego; uma motocicleta e um carro passam devagar. A seguir, com menos velocidade, dois ciclistas e um carroceiro tomam rumos contrários. A carroça segue em direção ao oeste enquanto as bicicletas rumam para o leste. Ruazinha estragada e morta de um domingo igualmente morto. Continuo, repito, sem engenho para dar à luz os tercetos necessários à conclusão daquele soneto iniciado há horas.

Volto para a rede, enfastiado da monótona paisagem da rua. Apesar do inexplicável tremor das minhas mãos, coisa que o Dr. Dirceu Lopes (meu psiquiatra) tem se empenhado em resolver, pego o bloco de notas e me ponho a cismar, os olhos mirando o vazio, mordiscando a tampa da caneta. Sobre o que escrever, afinal, nesta crônica digressiva, sem rumo certo? “Decifra-me ou te devoro”, ameaça-me a esfinge de Tebas. É melhor que eu não permaneça na enrolação, abusando da paciência do leitor, cujo tempo destinado às nossas crônicas de qualidade pretensamente elevada merece ser valorizado. Pego outra xícara de café amargo e me ponho a saborear a rubiácea. Sequer um braço de vento se insurge contra a quietude.

Ouço a buzina de um carro, seguida pelo som das portas se fechando, e vou espiar a rua outra vez. A visita não é para mim, felizmente. O veículo parou diante da casa da senhora Margareth. Desceu um jovem e rechonchudo casal e o rapaz tocou a campainha da residência. Daí a pouco a senhora Margareth lhes abriu o portão. O cachorro vira-lata do padeiro Saldanha vela um osso descarnado ao pé do poste. E esta rua vazia e morta me lembra um poema de Mauro Mota. Uma cigarra estridula seu característico canto de acasalamento nas imediações.

Sofro intimamente a dor dos versos que não consigo parir, esperando uma fagulha de engenho. Tenho a impressão de que me olham, à sorrelfa, os olhos invisíveis da Poesia, que hoje está de mal comigo.

Antes de atritarem as primeiras pedras e obterem o fogo, ela já se fizera inquilina dos subterrâneos e porões das nossas almas. Precede a escrita, a tinta e o papiro. Constitui os primórdios da linguagem. Compõe a nossa essência e cotidiano desde a pré-história, do interior das cavernas às habitações de agora. Socializou e interagiu com o homem primitivo à volta de fogueiras.

Ela está em toda parte. Sobreviveu a hecatombes e cataclismos, foi tragada por dilúvios e consumida por vulcões, no entanto ressurgiu como uma fênix. Sempre viveu conosco, em meio à luz e às trevas, independente do nosso querer e escolha. Existe desde a criação do mundo e do ser humano. Possui dimensões microscópicas quanto gigantescas. Muitas vezes se encontra bem diante dos nossos olhos e não conseguimos enxergá-la. Com algumas exceções, pois há quem jure de pés juntos que a desprezam e repelem, todos a estimamos e a cobiçamos.

Sinto a sua presença enquanto escrevo. Adivinho o seu olhar onipresente pairando sobre mim. Está dentro de nós, habita-nos e nos circunda a um só tempo. Não nos diz a que veio (nem carece), pois a ela nos destinamos, embora a subestimemos aqui e ali com a nossa fria e pragmática lógica.

Hoje a Poesia não parece disposta a colaborar para a conclusão do meu soneto. Vejo-a reflorir entre os espinhos e pedras do caminho. Continua e será exatamente a mesma, por séculos infindos, diversa e una. Reina sobre todas as amarras e grilhões, sobre todas as formas e regras, antiguidades e modernismos, vozes e silêncios, guerras e paz. Ela coexiste entre a lágrima e o riso, entre o êxtase e a dor, o fracasso e o sucesso. É fardo e fortuna, prazer e suplício de todos os seus discípulos e devotos. Alista reis e vassalos para a empresa de sua eternidade. Nobres e plebeus compartilham do mesmo pão verbal à sua mesa farta e indistinta.

Não possui fronteiras nem alfândegas. Cabe no útero de uma ostra e transborda rios, agita oceanos. É a pomba e o chacal, a espada e o cordeiro. Ora é festa e multidão, noutro instante é abandono e vazio. E se acaso à noite ela se revela sombra e embaraço, ressurge cristalina “mal rompe a manhã”.

Eis, senhoras e senhores, a irmã de Cristo, a filha bastarda que Deus não quis registrar nas sagradas escrituras: a Poesia!

Marcos Ferreira é escritor

*Texto originalmente publicado na revista Papangu na Rede, em 29 maio de 2021.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 07/04/2024 - 14:34h

Lá de cima

Por Bruno Ernesto

Foto do açude Gargalheiras: Rnatural

Foto do açude Gargalheiras: Rnatural

O período de chuvas na região Nordeste, sem dúvida, é o período mais aguardado pelo sertanejo.

A cheia dos açudes, com as tão esperadas sangrias, é um espetáculo que jamais perderá sua beleza.

Quando criança, acompanhava meu pai nas suas aulas de campo da então Esam, hoje Ufersa, onde meu pai era professor no curso de agronomia.

Por inúmeras vezes, passávamos o dia inteiro no meio da mata; ele explicando aos alunos e eu apenas a olhar ao redor, admirado com o aguçamento de todos os meus sentidos, especialmente o olfato e a visão; sentindo o cheiro de mato recém-quebrado, e, por vezes, o cheiro de chuva, além de ficar impressionado com a imensidão das planícies ou das serras e montanhas por onde passávamos.

O que mais me impressionava naquele tempo era a visão que tinha de cima das serras. O sertão era infindável dali de cima.
Diante de tudo aquilo, um pensamento recorrente me vinha à mente: como chegamos ali? Não nós, ali reunidos; mas como o homem ali chegou?

Para mim era tudo muito confuso, distante e estranho.

Com meu pai e os inúmeros alunos dele, pude percorrer locais que pouca gente tem acesso ainda hoje.

Vi açudes, montanhas, serras, rios, córregos, cavernas, minas, salinas, dunas, mangue, muitas cidades do interior e o sertanejo. Muitos sertanejos.

Foi assim que despertei, sem saber, para um dos assuntos dos quais hoje, poucas pessoas dão importância: a historiografia.
Evidentemente que muitos se dedicaram a escrever sobre o período colonial do Brasil, especialmente da região Nordeste brasileira. Sua ocupação, exploração e expansão territorial.

Entretanto, a árdua tarefa de análise e interpretação documental é sempre desafiadora a novas escritas. Mas nada como andar pelo sertão.

Com a historiografia de um lugar, é possível traçar como se deu a ocupação territorial de qualquer lugar. Pelo menos, seu passado recente.

No caso da região Nordeste, é incalculável a quantidade de registros históricos da sua ocupação; desde a chegada dos europeus ao continente sul-americano, sendo possível traçar o seu desenvolvimento nos aspectos econômicos, sociais e políticos até a atualidade.

Um aspecto relevante nos recortes históricos, é que, como qualquer outra região do mundo, a historiografia do lugar fez-se a partir de seus habitantes, hábitos, costumes e tradições.

Entretanto, mais que a geografia e o acaso, na historiografia, a convicção dos homens também moldaram o que hoje se vê.

Embora os fatos, em si, não sejam os únicos objetos de observação e estudo, uma vez que a historiografia observa e vai muito além dos homens como únicos protagonistas, é impossível querer explorar uma temática sem que se nomine seus atores. Ainda que não se possa fazê-la, exclusivamente sobre os mesmos.

No caso do sertanejo, basta buscar um pouco de nossa própria história familiar para constatarmos que a grande maioria de nos somos oriundos do interior.

Muitos de nós tem uma história ou tem registrado na memória as visitas de familiares, especialmente os avós, que moram em pequenas cidades do interior.

Talvez sejam as melhores recordações que muitos de nós temos da infância.

E nesses tempos de chuvas no nosso sertão, mais uma vez essas recordações se avivam em nossas mentes e nos faz reviver aquele bom e feliz tempo, renovando a vida com as cheias e sangrias dos açudes, revigorando a coragem e convicção do sertanejo.

Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C 25 anos - Institucional - 19-12-2023
domingo - 07/04/2024 - 08:30h

Palavras de motivação

Por Odemirton Filho

Foto ilustrativa IA

Foto ilustrativa IA

Quando os caminhos de algumas pessoas se cruzam, talvez, seja a mão de Deus, talvez, o destino. Não sei. Mas, de vez em quando, esses encontros podem mudar a vida de uma pessoa; pode ser o início de uma nova caminhada, de um olhar diferente para um horizonte que, às vezes, encontra-se nublado.

Pois bem. Na semana passada, ao intimar uma jovem lá na cidade de Grossos, tive uma grata surpresa. Ela me disse que há algum tempo se encontrava triste, pois a sua família estava atravessando dificuldades financeiras, numa situação delicada, além do que, a sua mãe tentara suicídio.

Disse-me que na ocasião, ao intimá-la, eu conversei um pouco com ela, dizendo-lhe para levantar a cabeça, seguir em frente, com fé, e que nunca deixasse de estudar.

Ela me agradeceu, emocionada, dizendo-me que eu tinha sido um instrumento nas mãos de Deus para que não desistisse de tentar concretizar os seus sonhos. Disse que atualmente está cursando Pedagogia, prestando alguns concursos públicos e, se Deus quiser, mudará a sua vida e da sua família.

Confesso que fiquei encabulado com as palavras de agradecimento. Não lembrava de tal fato. Por outro lado, fiquei bastante feliz por ter, de alguma forma, ajudado àquela moça. Nunca pensei que algumas palavras de motivação, de forma despretensiosa, pudessem realmente ser um farol a iluminar caminhos. Com certeza, o mérito é todo daquela jovem, pois a sua força de vontade a fez trilhar outro rumo.

Contudo, fiquei a pensar como as palavras podem ser fundamentais para ajudar uma pessoa. É claro que um gesto concreto tem a sua importância. Todavia, em certos momentos da vida, as palavras certas podem aplacar um coração que se encontra dolorido. Quem não gosta de ouvir um elogio? De uma palavra de conforto? De esperança?

Num mundo marcado pelo ódio e o radicalismo, sobretudo nas redes sociais, as palavras de motivação devem fazer parte do nosso vocabulário. Palavras que inspirem pessoas, dando-lhes força para mudar de vida e seguir em busca de seus objetivos.

Vez ou outra as palavras que dissemos nos servem também. Muitas vezes, o que estamos a dizer é uma resposta aos nossos questionamentos e angústias.

Se é assim, façamos a nossa parte, sejamos mensageiros da esperança e da fé.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos.

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domingo - 07/04/2024 - 06:42h

Cafeteira explosiva

Por Marcos Ferreira

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Estou ciente de que diversos tipos de exemplos valiosos ficarão de fora. Outra coisa é que não entrarei em detalhes sobre os que apontarei ao longo desta relação. É sempre um risco a gente fazer listas, seja de que tipo for. Mas vamos logo ao que interessa, pois esse nariz de cera já ficou muito comprido.

Alguns nomes ou conjunto de palavras me causam especial agrado e admiração. Tenho gosto por um sem-número de coisas, desde denominações de carros (marcas, modelos) e por certos registros incomuns de pessoas.

Basta a gente fazer uma ligeira busca na internet e lá está uma série de exemplos de indivíduos batizados de modo perverso. Vejam quanta maldade: Terezinha Tosse, Magnésia Bisurada do Patrocínio, Primavera Verão Outono Inverno, Restos Mortais de Catarina, Faraó do Egito de Souza, Sebastião Salgado Doce, Padre Filho do Espírito Santo Amém, Chevrolet da Silva Ford, Oceano Atlântico Linhares, Necrotério Pereira da Silva. São incontáveis os ferretes esdrúxulos por aí afora.

Meu gosto por nomes-títulos diferentes não se resume a seres humanos. Há topônimos, sobretudo de municípios, batizados de forma belíssima e, a meu ver, poética. Em mais uma pesquisa, mencionando somente os nossos, quero registrar nestas linhas os municípios potiguares de Santo Antônio do Salto da Onça (que um vigário desocupado abreviou para Santo Antônio), Caiçara do Rio do Vento, Jardim de Piranhas (como pode um jardim conter piranhas?!), Passa-e-Fica, São Miguel do Gostoso (decerto uma delícia), Rio do Fogo, Serra Negra do Norte e Riacho da Cruz.

Na seara da literatura, entre tantos e tão bonitos, pincei os seguintes títulos e seus respectivos autores: “O morro dos ventos uivantes” (Emily Brontë); “Memórias do cárcere” (Graciliano Ramos); “Ensaio sobre a cegueira” (José Saramago); “Lavoura arcaica” (Raduan Nassar); “Memórias póstumas de Brás Cubas” (Machado de Assis); “A insustentável leveza do ser” (Milan Kundera); “Tomates verdes fritos” (Fannie Flagg); “Quarto de despejo” (Carolina Maria de Jesus); “Morte e vida severina” (João Cabral de Melo Neto); “A sombra do vento” (Carlos Ruiz Zafón); “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” (Marçal Aquino); “As vinhas da ira” (John Steinbeck) e, modéstia à parte, “A hora azul do silêncio” (Marcos Ferreira).

Da Sétima Arte, para não passar em branco, recordo alguns filmes intitulados de modo criativo: “Abril despedaçado” (melhor filme brasileiro que eu já vi), “O senhor dos anéis”, “Um estranho no ninho”, “O silêncio dos inocentes”, “Bastardos inglórios”, “O auto da Compadecida”, “Os homens que não amavam as mulheres”, “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” e “Laranja mecânica”.

No mês passado, precisamente aos 16 de março, no Mosteiro da Santíssima Trindade, ocorreu o lançamento (outro nome bonito) do livro de poemas “Um provinciano no caos”, mais uma obra do escritor cearense-potiguar Clauder Arcanjo. O aspecto complicador, ao menos para mim, é que foi às nove e meia da madrugada, em uma manhã de sol vivíssimo. E eu, que tenho uma reputação de vampiro a zelar, com raríssimas aparições em público, sobretudo à luz do dia, não poderia levar falta. Coloquei meus óculos antirreflexo contra o astro-rei e fui de carona com o autor.

Nessa oportunidade, apesar do meu desconforto com o sol e com o fato de estar num ambiente com muita gente por metro quadrado, reencontrei uma porção de figuras bacanas da intelectualidade e literatura deste município, homens e mulheres que eu não avistava há um longo tempo. Até me senti à vontade.

Voltando aos nomes curiosos, eis que os meus ouvidos captaram esta combinação bombástica: “cafeteira explosiva”. Isto porque, entre os convidados que compareceram à manhã de autógrafos, entrei num bate-papo com os advogados e intelectuais Marcos Araújo e o remoçado André Luís. Foi uma conversa saborosa, com direito a poses para fotos e comentários espirituosos. E desse encontro firmamos o compromisso de ambos virem a esta minha inspiradora Casa Branca da Euclides Deocleciano, 32, no Conjunto Walfredo Gurgel, para entabularmos mais um colóquio regado a cafezinhos; desta feita com a presença do nosso guapo Editor Carlos Santos.

Estávamos em total sintonia. Até que o douto (não confundir com doutor) Marcos Araújo, com seu carisma notório, anunciou que levaria, para incrementar nosso cafezinho de final de tarde, uma cafeteira, segundo ele, especial. Foi aí que a bomba estourou. Pois o impagável André Luís, num bate-pronto, me fez este alerta da mais absoluta gravidade: “Cuidado! Ele já explodiu duas residências com essa cafeteira!”. Achei isso um repente fantástico, uma facécia da melhor categoria.

E eu ri às pampas com essa boutade.

Nosso amigo Marcos Araújo está se recuperando de um acidente doméstico (ressalto que não foi com a “cafeteira explosiva”) e torço que em breve possamos escolher uma data para o nosso cafezinho (sem qualquer perigo) com a cafeteira especial do colaborador deste Blog Carlos Santos. Vai ser bom.

Esse nome, portanto, ficaria bem na capa de um livro de contos. Talvez um título de filme, o que me recorda o famoso “Máquina mortífera” (estrelado por Mel Gibson), e até mesmo para nominar uma simples crônica.

Marcos Ferreira é escritor

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  • Art&C - PMM - 12 de Abril de 2024 - Arte Nova - Autismo
domingo - 31/03/2024 - 15:22h

Licença poética

Por Marcos Ferreira

Preciosa em registro do autor

Preciosa em registro do autor

Ontem, sábado (30) à noite, pelo WhatsApp, precisamente às dezenove horas e quarenta e cinco minutos, eu já havia entregado os pontos, jogado a toalha, e dito ao nosso amigo e cronista Odemirton Filho que ainda não escrevera nada para hoje. Ou seja, estaria de fora deste tatame do bom combate.

O plano era só ficar na moita, de olho nos oportunos e bem escritos resgates históricos do Bruno Ernesto; aguardar o Odemirton Filho, que sempre nos aparece com um assunto relevante, digno de reflexão; e me deliciar com os capítulos da saborosa novela/romance do François Silvestre, trama que venho acompanhando com crescente interesse a cada capítulo.

Ocorreu, porém, que uma determinada “leitora” não se deu por satisfeita e me exigiu participação, empenho para duelar com o relógio de ponto, arregaçar as mangas e dar o meu jeito para cumprir esta missão nem sempre tão fácil, todavia apaixonante. Assim, graças a citada “leitora” (que nunca ocupa o espaço reservado à opinião dos leitores) tomei gosto novamente por essa peleja com os meus neurônios e percebi que nem tudo estava perdido, que ainda me restara uma chance.

Parece até que ela percebe quando a locomotiva está fora dos trilhos, que existe algo tirando minha tranquilidade ou inspiração. Preciosa tem esse tipo de sensibilidade. É isso o que eu pressinto em relação a ela. Por exemplo, quando estanquei diante da página toda em branco, sem saber o que produzir, apresentar ao leitor de hoje, ela de novo preparou o salto, subiu na mesa e me ficou olhando fixamente, como dissesse com incomum brandura: “não desista; você vai conseguir”.

A gatinha é dessa forma, quer saber tudo que estou fazendo ou deixando de fazer. Compreende, atina para o meu estado de espírito. Não é de agora que a bichana me socorre nesses prolegômenos com que consigo desenvolver (às vezes mais, noutras vezes menos) um texto com até três páginas.

Penso, entretanto, que não será o caso de hoje. Eis, porém, a minha Preciosa com o seu olhar cheio de charme quanto intrigante. Então, como tutor coruja que eu sou, depressa agarrei o celular e fiz uma fotozinha para ilustrar está crônica que possivelmente há de vingar, salvar-se.

Hoje, portanto, ela pulou para dentro da minha rede (não durmo de cama) e me acordou às duas e quarenta da madrugada, espezinhando-me, puxando minha camisa, a fim de que eu fizesse minhas abluções, preparasse o café e me pusesse aqui, de modo a não faltar com esse compromisso com os leitores. É essa espécie de ideia que tento expor a esta hora. Não ofereço outra coisa. Após me tirar da rede, constatar que eu estava com o café pronto, os olhos bem abertos e iniciado a redação, ela abriu um bocejo e se recolheu.

Voltou para a cadeira em cima da qual gosta de dormir, à meia luz. E eu, para não a incomodar, liguei apenas a luminária da mesa.

Nos últimos dias Preciosa tem agido assim. Consegue roubar a cena; pula sobre meu colo, sobe nesta mesa de plástico bem pequena que mal cabe o notebook, uma luminária e a caneca de ágata com café. Volta e meia ela coloca uma patinha no teclado, ameaça desfazer o texto, como o julgasse inferior, sem a devida qualidade literária; puxa o fio do mouse, mordisca a tela, cobra um pouco de atenção. Não gosta (demonstra isso) quando fico quieto demais, silencioso, conversando com os meus botões, pensando no que o leitor aprovará ou não aprovará desta vez.

Só falta a Preciosa uma licença poética, tornar-se uma fábula e conversar comigo, bater um papo, dar algum palpite sobre este exercício solitário e nem sempre reconhecido que é o sacerdócio da escrita, cruz metafórica que abraçamos como devotos das letras.

Sim, existe uma psique bacana em Preciosa, como em todos os gatos e cães, um elo que as palavras se tornam insuficientes para explicar.

Vejo o reloginho no canto inferior direito do computador e constato que são seis horas e cinquenta e seis minutos. A passarada já fez a sua festa abandonando os dormitórios nas árvores das imediações. Imagino que não há mais o que dizer ou escrever. O café se acabou, o sono bateu e agora eu vou dormir.

Acho que cumpri com a minha missão.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 31/03/2024 - 10:22h

Areia Branca e os holandeses

Foto de Bruno Ernesto

Foto de Bruno Ernesto

Por Bruno Ernesto

Para quem se interessa por história, uma das maiores curiosidades é saber a origem do nome de uma cidade ou localidade, o topônimo. Inclusive, há um ramo específico que estuda a origem dessas denominações e seus significados, a toponímia.

No caso do Brasil, no início da ocupação portuguesa, por costume, era muito comum nominar os locais fazendo referência às datas religiosas ou outras derivações igualmente religiosas, como o santo do dia, o seu hagiológico. E isso ocorreu por muitos séculos. Basta ver, por exemplo, a denominação da nossa Capital, Natal.
Embora vagamente lembrado por aqui, o curto período da ocupação holandesa do Estado do Rio Grande do Norte (1633-1654) deixou profundas marcas.

A mais conhecida delas foi o massacre de Cunhaú e Uruaçu, ocorrido em 16 de julho de 1645, onde atualmente é o município de São Gonçalo do Amarante, episódio que, recentemente, passou a ser feriado estadual e os mártires foram canonizados pelo Papa Francisco no dia 15 de outubro de 2017, em cerimônia realizada na Praça São Pedro, no Vaticano.

Outro fato marcante, foi que Natal, ao ser capitulada pelos holandeses, em 12 de dezembro de 1633, teve o Forte dos Reis Magos rebatizado para Castelo de Keulem, em homenagem a um dos diretores da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, com sede em Amsterdam (West-Indische Compagnie – WIC), e passou a ser denominada de Nova Amsterdã.

Interessante destacar, a título de curiosidade, que durante todo o período de exploração holandesa por intermédio da Companhia Holandesa, apenas as cidades de Natal (1633) e Nova Iorque (1625), mais especificamente, a Ilha de Manhattan, foram denominadas de Nova Amsterdã.

Apesar de os holandeses terem concentrado a ocupação do Rio Grande do Norte na região de Natal e no litoral Sul, em direção à Paraíba e o Pernambuco, pelo fato deles também terem ocupado o Ceará, e lá instalado uma base, sob o comando de Gedeon Morris, as incursões holandesas na nossa Costa Branca partiam de lá, na grande maioria, e daí há um fato que, embora seja um marco histórico para a economia do Rio Grande do Norte, pouco é lembrado.

Diria que, se não fossem os saudosos pesquisadores e escritores Vingt-un Rosado e América Rosado, com a publicação do livro “ Os holandeses nas salinas do rio Mossoró”, essa história, ou seria totalmente desconhecida ou, talvez, ignorada por nós.

Referida obra pode ser obtida gratuitamente no acervo digital do site da Coleção Mossoroense (//colecaomossoroense.org.br/ ).

Naquele tempo (Século XVII), o sal era um produto estratégico sob todos os aspectos, inclusive militar, pois servia especialmente como conservante, o que permitia as grandes jornadas dos navios naquela época, mundo afora

Gedeon Morris, notável explorador neerlandês do Século XVII, tido como o pai da indústria salineira das salinas do rio Mossoró, pois foi ele quem inaugurou a exploração de sal em grande escala, em uma carta escrita em 14 de fevereiro de 1641, quando ainda se encontrava na foz do atual rio Mossoró, e endereçada ao Conselho Supremo do Governo holandês em Pernambuco, narrou com incrível detalhe a descoberta das imensas salinas naturais existentes no rio Mossoró, e cujo relato se mostra tão impressionante a ponto de, até hoje, quem põe os olhos nessas imensas salinas, constata a importância desse produto.

Por acaso você já imaginou qual foi a impressão do primeiro europeu que pôs os olhos e os pés nas salinas do rio Mossoró? Eis o relato:

“O rio Iwipanim demora cerca de 50 léguas a leste do Ceará e cerca de 60 a oeste do Rio Grande. A salina fica no braço ocidental do rio, coisa, de 3 léguas da margem, de sorte que os barcos e os botes que vierem tomar sal poderão aproximar-se até três quartos de légua da salina. Esta tem de extensão a distância que eu pude percorrer em meia hora e de largura um tiro de mosquete, apresentando-se o sal, tão branco como a neve há alguns lugares com a espessura de 1, 2 e 3 dedos, pelo que calculei que vinte navios não poderiam carregar todo sal aí existente. Aquele belo espetáculo satisfez os meus fatigados sentidos, mas não, completamente, porque o sal, fica muito longe do rio e é incômodo embarcá-lo. Pensei então se não aprovaria a Deus que eu descobrisse nessa região uma salina melhor situada do que aquela e caminhado assim cerca de uma hora para o ocidente, ao longo da margem da campina, vi tudo branco diante de mim justamente como se tivesse nevado. Segui para aí e encontrei uma ótima salina com a extensão de quase uma légua, que percorri caminhando sobre o sal, e tendo de largura seguramente a oitava parte de uma légua. Em alguns lugares o sal tem a espessura de um, dois ou três dedos e no circuito de um quarto de légua a grossura de uma mão, pelo que suponho que 50 navios não poderão carregar o sal que vi nessa salina; e o que mais e, esse sal tão belo que excede o de S. Touvris. Pelo portador desta envio a V. Excia e a Vv. Ss. uma amostra do sal desta salina e também de uma outra pequena.”

E quanto à toponímia? Bem, Amsterdam significa dique do Amstel, rio que banha aquela cidade Holandesa e forma os famosos canais da cidade, característica da cidade desde a sua fundação.

Já a nossa Areia Branca, pelo que consta, tem essa denominação em razão das areias brancas das belíssima praias e dunas da região.

Entretanto, quem vai hoje à cidade, pode apreciar aqueles imensos diques e que, após, transformam-se em imensas superfícies brancas de sal, a perder de vista, feito neve, o mesmo sal que encantou Gedeon Morris há quase 400 anos e que, certamente, poderia ter sido a justificativa para a denominação da cidade.

Assim, a toponímia é indispensável para compreender a história local.

Tanto é verdade que outro fato curioso chama a atenção: o rio Mossoró, nas proximidades de Areia Branca, pode ser chamado de Mossoró, Upanema e Iwypanim; sendo esta última denominação em holandês dada por Adriano Werdonck, em 1630, e que até hoje é conhecido como tal na cidade.
O tempo passou, os holandeses foram embora, entretanto, deixaram uma marca em Areia Branca e região, que passou a ser a maior produtora de sal marinho do Brasil, hoje sendo um produto altamente empregado na indústria e, é claro, na alimentação.

Quanto à Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, passados quase 400 anos, após encerrar suas atividades, no ano de 1792, sua sede histórica em Amsterdam, na Holanda, passou a ser apenas um belo restaurante e um centro de convenções, muito bem preservado.

A impressão que dá quando caminhamos pelos seus corredores, salões e o pátio interno, é a de que, a qualquer instante, surgirá um daqueles Batavos, tal qual retratados por pelo famoso pintor holandês Rembrandt.

Desse modo, fico a imaginar se Areia Branca ainda haverá de nos contar muito mais histórias do que supomos.

Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor

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  • Art&C - PMM - 12 de Abril de 2024 - Arte Nova - Autismo
domingo - 31/03/2024 - 09:26h

A mistura constitucional brasileira

Ilustração IA

Ilustração IA

Por Marcelo Alves

Uma das principais funções do Poder Judiciário mundo afora, e o Brasil não foge à regra, é realizar o controle (jurisdicional) da constitucionalidade das leis. À luz do direito comparado, existem dois modelos ou formas para realização desse mister: o difuso, conhecido como o modelo americano; e o concentrado, modelo desenvolvido na Europa continental.

As principais diferenças entre os dois modelos são as seguintes: o modelo americano é descentralizado porque o controle é confiado a todos os tribunais do país, concreto e por via de exceção, porque exercido por ocasião da aplicação da lei a um caso particular e a posteriori porque o controle recai sobre uma lei já promulgada; o modelo europeu, na sua feição clássica, é concentrado porque o controle é exercido por um tribunal único e especial, abstrato porque o juiz decide por via de ação contra a lei a despeito de qualquer outro litígio, podendo ser a priori (quando recai sobre uma lei ainda não promulgada) ou mesmo a posteriori (recaindo sobre uma lei já promulgada).

Todavia, embora bastante distintos na maneira de intervenção e poderes, eles podem coexistir em determinado ordenamento jurídico, como no caso exemplar do nosso país.

O controle difuso no Brasil tem caracteres bem próprios: (i) qualquer juiz ou tribunal pode apreciar a constitucionalidade de lei ou ato normativo; (ii) a apreciação pode ser requerida em qualquer processo, por qualquer das partes, por via de exceção na discussão do caso concreto; (iii) como efeito direto, há a não aplicação da norma tida por inconstitucional no caso concreto discutido em juízo, com eficácia, portanto, inter partes; (iv) de toda sorte, reserva-se ao STF a prerrogativa de atribuir repercussão geral ao julgamento de temas trazidos em recursos extraordinários que apresentem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa; (v) há, também, a competência do Senado para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF (CF, art. 52, X); (vi) e há a possibilidade, ainda, em conformidade com o art. 103-A da CF, de o STF, no controle difuso de constitucionalidade, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar “súmula” com efeito vinculante.

Já o controle concentrado, entre nós, dá-se através de cinco ações diretas: (i) ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual (CF, art. 102, I, “a”, primeira parte) ou municipal (CF, art. 125, § 2º), perante o STF (quando em confronto com a Constituição Federal) ou Tribunal de Justiça (quando em confronto com a Constituição Estadual); (ii) ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (CF, art. 102, I, “a”, in fine), perante o STF; (iii) a arguição de descumprimento de preceito fundamental (CF, art. 102, § 1º), perante o STF, para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (iv) ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pela qual, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional pelo STF, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (CF, art. 103, § 2º) ou em prazo razoável, excepcionalmente; (v) e ação direta de inconstitucionalidade interventiva, visando, em virtude da existência de ato local que viole princípio sensível da Constituição, à intervenção federal em Estado ou no Distrito Federal, por proposta do PGR e de competência do STF (CF, arts. 36, III, 34, VII, 102, I “a” e 129, IV), e à intervenção estadual em Município, por proposta do PGJ e de competência do respectivo Tribunal de Justiça (CF, arts. 35, IV e 129, IV).

Embora bastante distintos na maneira de intervenção e poderes, como visto, os dois modelos têm há décadas coexistido e interagido no Brasil, com a prevalência – pelo menos deveria ser assim –, até porque produtor de decisões com eficácia erga omnes e efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para o Poder Executivo, do controle concentrado.

Mas essa mistura tem funcionado bem? Bom, isso é assunto para uma outra conversa.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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domingo - 31/03/2024 - 08:22h

Tudo demais é veneno

Ilustração Freepick

Ilustração Freepick

Por Odemirton Filho

Há tempos procurava seguir por outro caminho, pois estava cansado da vida. O trabalho o consumia, mal sobrava tempo para curtir a vida ao lado de quem amava. Era preciso trabalhar para pagar os boletos. A vida se resumia a trabalhar? Seria um viciado no trabalho? Um workaholic? Pensava. Ao sair em férias nunca relaxava. Tinha medo de ser mandado embora quando voltasse.

O ambiente no trabalho era tóxico. A competitividade entre os colegas saltava aos olhos, desconfiavam uns dos outros; sem falar nos “puxadores de tapetes”. Os chefes sempre pediam o cumprimento das metas, e as metas nunca acabavam. Precisava era dar outro rumo à vida; aproveitar os poucos momentos para se distrair.

Os filhos cobravam a sua presença. “Sente um pouquinho aqui, papai, brinque com a gente”, diziam. E ele nunca podia, pois estava sempre ocupado, pensando nos relatórios a serem entregues. Já tinha visto colegas com vários anos de empresas serem demitidos por qualquer motivo.

Em dez minutos, após a comunicação do desligamento (um eufemismo para demissão), as senhas de acesso aos sistemas estavam bloqueadas. Consideração pelos anos dedicados à empresa? Rsrsrsrs.

Ficava a pensar: pedir demissão e ir vender coco na praia é coisa de filme ou novela. Não podia ter esse luxo, pois as contas de água, luz, prestação da casa, do carro, colégio dos meninos e a feira não esperavam. Porém, lembrou-se do livro de Aristóteles, filósofo grego.

O pensador considerava que os “impulsos humanos podem levar o indivíduo a extremos em termos de comportamento, e esses extremos representam o vício (o contrário da virtude). Por outro lado, a virtude estaria no equilíbrio, no controle sobre esses impulsos na busca pelo ideal de equilíbrio”.

A partir de então começou a não levar trabalho para casa. Sempre encontrava um tempinho para namorar a sua mulher; tirava meia hora por dia para brincar com os seus filhos.

Nos finais de semana não atendia aos telefonemas dos colegas da empresa para falar sobre trabalho. Aos pouquinhos foi encontrando o meio-termo. Nada de excessos. “Tudo demais é veneno”, diz a sabedoria popular.

A virtude está no meio.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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  • Art&C - PMM - 12 de Abril de 2024 - Arte Nova - Autismo
domingo - 24/03/2024 - 12:40h

A Caern em chamas

Por Marcos Ferreira

Ilustração da Freepik

Ilustração da Freepik

Parece até piada pronta, mas não é. A Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN) está em chamas. A empresa vinha tentando apagar o fogo por conta própria, mas a situação fugiu do controle e o caos explodiu na semana passada. A boca é quente! Sua gestão, que já se encontrava queimada, agora virou cinzas. Outra vez, de forma negativa, Mossoró irrompe no cenário da mídia nacional (e também aos olhos da imprensa internacional) com um novo vexame.

Dezenas de repórteres da Rede Globo (incluindo equipes do Fantástico) ocupam hotéis do município. São tantos que até o Hotel Caraúbas está lotado. William Bonner e Renata Vasconcellos não têm dormido direito por causa da grande ansiedade de transmitir, em primeira mão, o desfecho dessa crise hídrica.

Mas o páreo é duro. Entre outros que buscam dar o furo jornalístico, estão CNN, The New York Times, The Washington Post, Folha de São Paulo, USA Today, Jornal de Fato, Brasil 247, Jornal O Mossoroense, Le Mond, Estadão, 95 FM, BBC News, The Guardian, Correio Braziliense, Blog Carol Ribeiro, O Câmera, Passando na Hora, Mossoró Hoje, Na Boca da Noite, Inter TV, TCM Telecom, Rádio Difusora, Revista Papangu, Blog do Barreto, Blog Carlos Santos e o Fuxiqueiras News, este último aqui da Rua Euclides Deocleciano, no Conjunto Walfredo Gurgel.

Veículos do Corpo de Bombeiros de Mossoró, de Natal, Parnamirim, Fortaleza e de João Pessoa estão atuando durante vinte e quatro horas por dia para debelar as chamas, no entanto o incêndio é de magnitude vulcânica.

Com urgência urgentíssima, a governadora Fátima Bezerra transferiu o governo do Rio Grande do Norte para Mossoró e está na cidade cercada por toda a sua tropa de gerenciadores de crise. O atual presidente da estatal, Roberto Sérgio Linhares, encontra-se à beira de um colapso nervoso. Enquanto isso o ministro da Justiça e Segurança Pública, que não suporta mais nem ouvir falar no nome de Mossoró, o senhor Ricardo Lewandowski, está retornando a este cafundó do judas. Portanto, Lewandowski desembarcará na província ressequida a qualquer momento.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cancelou a sua agenda e também virá com os comandantes das Forças Armadas a tiracolo. Aquele aparato policial disponibilizado para a captura dos dois fugitivos da penitenciária de segurança “máxima” de Mossoró (integrantes do Comando Vermelho) agora será redirecionado para compor os esforços no sentido de prender ladrões de água potável.

Sim. Toda essa barafunda se deve ao fato de que poços da Caern vêm sendo constantemente atacados por elementos cuja identidade ainda é um mistério. Os indivíduos, por meios que a Companhia não consegue explicar, têm furtado muita água da empresa, sobretudo durante a madrugada. A Caern acionou as polícias civil, militar, federal, Ibama, todos os grupos de escoteiros de Mossoró, rezadeiras de tudo quanto é parte, entretanto a água continua sendo desviada de um modo quase sobrenatural. Comenta-se nos escritórios da Avenida Alberto Maranhão que gerentes e supervisores locais da Caern estão em polvorosa, puxando os próprios cabelos, sem que nenhum deles compreenda como é possível, da noite para o dia, tanta água ser roubada.

Os políticos potiguares, angustiados e com os olhos vermelhos menos pela comoção que pela fumaça, deixaram de lado as suas futricas, questiúnculas e diferenças partidárias. Agora estão unidos em favor de medidas que possam salvar a Caern das lavas desse vulcão que segue devastando a Companhia.

A situação é gravíssima, bem pior do que aquele espetáculo de aspecto cinematográfico protagonizado pelos fugitivos que conseguiram escapar da penitenciária de segurança “máxima” desta aldeia. Comparado ao problema de agora, aquilo é fichinha. Portanto, órgãos de imprensa de várias partes do planeta estão na terra da “liberdade” para cobrir a captura dos fora da lei com os quais a população desassistida simpatiza e chama apropriadamente de Quadrilha da Torneira. Tais “espíritos” (repito que ninguém sabe dizer como) transferem água de poços com bom funcionamento para os lares onde a Caern não coloca uma gota d’água desde o ano passado.

Graças à ação dos infratores, ou seres extraterrenos, correm boatos de que pessoas dos subúrbios desabastecidos conseguem tomar até um banho por semana, cozinhar, lavar umas três ou quatro calcinhas e cuecas, panelas, pratos, e também dar de beber a bichinhos domésticos como cães e gatos, que têm sofrido com a falta d’água. A felicidade geral é quando bate uma chuva e os munícipes conseguem captar parte dessa água. Registre-se que os banhos não são propriamente banhos. São tomados usando panos molhados, como se o cidadão fosse uma espécie de vidraça humana.

O serviço de inteligência da empresa, que entrou em parafuso, acha que a Quadrilha furtou cerca de oitocentos a um milhão de litros do precioso líquido das instalações da estatal. A Caern não faz a menor ideia, claro, do número de sujeitos que integra a Quadrilha da Torneira. Esses Robin Hoods urbanos, como foi dito, acodem famílias carentes que não têm como pagar por carros-pipa que são vendidos e disputados pelos condomínios de luxo ao preço de mil e quinhentos reais. Ainda assim, apesar das façanhas dos “ninjas”, a quantidade subtraída é pouca para atender a tantos necessitados. Porque o desabastecimento é de uma abrangência nunca vista.

— Deus, proteja a Quadrilha! — rogam as vidas secas desta urbe, às quais a Caern só envia a conta de uma água que ela não fornece.

Os irmãos e músicos Caetano Veloso e Maria Bethânia vão dar uma pausa nos preparativos para a turnê conjunta, anunciada para o início do mês de agosto, e vêm ao País de Mossoró ver de pertinho o que Vulcano (deus do fogo) anda aprontando por aqui. Por sua vez, Jair Bolsonaro solta fogos de sua nova mansão em Brasília, onde se refugiou com medo de Alexandre de Moraes e da Polícia Federal. Pois é, o futuro morador de Bangu 8 está gostando do caos da Caern. Não menos desprezível, o sevandija Donald Trump também deseja ver a Caern carbonizada.

Em solidariedade à situação dramática em que se meteu a Caern, Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky anunciaram um cessar-fogo na guerra entre Rússia e Ucrânia. O mesmo gesto foi copiado pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e pela cúpula do Hamas. O papa Francisco, em suas triviais orações, suplica ao Todo-Poderoso para que a Quadrilha da Torneira seja trancafiada em uma prisão de segurança máxima. “Que não seja naquela cidade!”, apela o pontífice.

— Deus do Céu, proteja nossos benfeitores!

É dessa forma que a população desvalida, que padece nos bairros onde um litro de água está custando os olhos da cara, reza ao Altíssimo para que livre e guarde a infalível, louvada e miraculosa Quadrilha da Torneira.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 24/03/2024 - 09:32h

Cartão postal

Por Bruno Ernesto

Foto ilustrativa do próprio autor da crônica

Foto ilustrativa do próprio autor da crônica

Há quanto tempo você não envia um cartão postal pelos correios?

Quando viajo, tenho o costume de enviar um cartão postal para mim mesmo.

Numa dessas viagens, enviei vários cartões postais: os meus e outros para alguns familiares.

Apesar da pressa, escrevi com calma e escolhi os selos mais bonitos, aproveitando a ocasião para acrescentá-los à minha coleção em seguida. Todo filatelista entenderá.

Antes de depositá-los na caixa de coleta dos correios, me ocorreu de tirar algumas fotografias para registrar o momento. Inclusive, fotografei as próprias mensagens, algo que nunca fizera antes.

O motivo? Não sei. Sinceramente, não sei. Apenas me ocorreu naquele instante e fiz.

A impressão que tive instantes após depositá-los na caixa de coleta do serviço postal foi a de que não os veria novamente. Estando tão longe de casa, essa impressão me distanciou ainda mais. Foi como uma despedida.

Também não sei por qual motivo, instantes após, voltei e perguntei ao funcionário do serviço postal quanto tempo levaria para os cartões postais chegarem aos destinos, algo que também nunca fiz.

– Por volta de trinta dias.

Respondeu o funcionário com uma cara sisuda.

Passei o resto da viagem pensando nesses cartões postais, e aquela impressão de despedida apenas aumentava.

Passados quinze dias da postagem, resolvi ligar para minha mãe e saber se ela havia recebido o cartão postal que havia lhe enviado.

Esperei alguns minutos ao telefone ela ir conferir a caixa de correios. A resposta foi bem direta:

– Não chegou nada.

Tentando ser otimista, imaginei que ainda estava dentro do prazo previsto que haviam me informado no momento da postagem.

Dias após o fim da viagem e retornar para casa, passei a conduzir um ritual diário para conferir se os cartões postais haviam chegado.

Todo dia conferia na minha caixa postal e ligava para os destinatários para saber se os cartões postais haviam chegado. Nenhuma resposta foi positiva.

Após noventa dias da postagem, tive a certeza de que algo não estava correto.

Uma série de suposições passaram a me perseguir e a ansiedade tomou conta de mim, pois aqueles cartões postais eram bastante especiais e jamais ocorreu tal fato comigo.

Duas hipóteses se destacaram: ou os enderecei de forma errada ou todos foram extraviados, e apenas uma dessas hipóteses eu podia confirmar.

Peguei as fotografias dos cartões postais que havia feito e verifiquei que todos foram preenchidos corretamente. Fiquei intrigado, mas concluí que, certamente, foram extraviados.

Até hoje não sei o destino dos cartões postais. Entretanto, tenho a certeza de que quem os achar, verá que noticiam uma coisa boa.

No mundo dos dados criptografados, das mensagens eletrônicas instantâneas, confidenciais e da proteção legal da inviolabilidade da correspondência, o cartão postal persiste em ser aquele mensageiro de uma boa notícia e uma boa lembrança a todos que puserem as mãos nele.

Propositalmente, ele é formatado para que não haja sigilo para, quem sabe, despertar algum sentimento bom em que possa lê-lo. Ou seria uma forma de literatura universal? Uma carta aberta ao mundo?

Aliás, por acaso você já soube de alguém ou você mesmo já recebeu algum cartão postal com más notícias? Certamente não!

Quanto aos meus cartões postais, além de ter vivido intensamente o que nele escrevi, transmiti pessoalmente a mesma mensagem aos seus destinatários e já não importa se chegarão ao destino original, ainda que intempestivamente.

Se, de fato, um dia chegarem ao destino correto, despertarão ótimas lembranças, claro. Estando eu por aqui ou não.

Se não, um dia, quem sabe, virará um registro histórico para alguém e, talvez, desperte o mesmo sentimento que tive quando os escrevi.

Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 24/03/2024 - 08:40h

Um fio de esperança

Por Odemirton Filho  

Foto ilustrativa Viver Sem Drogas

Foto ilustrativa Viver Sem Drogas

Um dia desses, no centro da cidade, encontrei um daqueles inúmeros moradores de rua, ali, no entorno da Catedral de Santa Luzia. Um jovem magro e maltrapilho. Sentado numa calçada, ele fumava uma pedra de crack, de forma despreocupada. Já o vi várias vezes pelas ruas, sempre pedindo alguma coisa para comer.

Ele me pediu uns trocados e disse:

– “Doutor, a pedra só custa R$ 5,00, a inflação não atingiu o mercado negro, nunca roubei ou furtei pra sustentar o meu vício”.

Se é verdade o que ele disse, não sei, mas impressionou-me o seu linguajar. Muito embora, como sabemos, pessoas das mais variadas classes sociais e grau de instrução caiam no vício.

Contudo, qual a história de vida daquele rapaz de apenas 28 anos de idade? Onde está a sua família? Cansou de ajudá-lo a sair do mundo das drogas? Não sabemos o que o levou a entrar nessa vida.

Fiquei a imaginar o número de pessoas, sobretudo jovens, que envereda por esse caminho, muitas vezes, sem volta. Eu tenho um primo, um excelente profissional, conhecido na cidade por fazer a locução de comícios. Ele, segundo dizem, caiu nas drogas e sumiu no mundo, há tempos não temos notícias.

Certa vez, eu procurei uma senhora lá em Areia Branca. Tinha uma intimação para dois netos seus. Ela, com lágrimas nos olhos, disse-me:

– “Meu filho, meus netos não moram mais aqui, tive que colocá-los pra fora de casa, pois eles venderam até as minhas calcinhas pra comprar drogas”.

Lá na comunidade de Logradouro, em Porto do Mangue, uma mãe, toda vez que vou à procura de seu filho para intimá-lo, começa a chorar. Diz que não tem notícia dele. Outra mãe, que teve os dois filhos vítimas de homicídio, quando pedi para que me apresentasse as certidões de óbito para juntar ao processo, chorou copiosamente.

São muitos os casos, muita dor e sofrimento envolvidos, principalmente para os pais.

Que fique bem claro: não estou a defender “bandidos”, pessoas que optaram por esse mundo, fazendo do tráfico de drogas um meio de vida, bem como daqueles que usam as drogas como justificativa para cometerem os mais variados crimes, pois já destruíram a vida de muitas famílias. Esses devem ser punidos na forma da lei.

Falo é nos dependentes químicos, nas pessoas que estão nas “cracolândias” da vida, precisando de um tratamento adequado para se livrar do vício, como aquele jovem rapaz que encontrei pelas ruas do centro da cidade. É uma triste realidade do nosso tempo.

Não há outro destino para eles? Quero crer que ainda existe um fio de esperança, e que possam trilhar outros caminhos.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 17/03/2024 - 10:26h

Um Oscar para o rapaz velho

Por Marcos Ferreira

Reprodução do autor da crônica

Reprodução do autor da crônica

Passei alguns dias meditabundo. Pois é, já começo esta conversa assim, com uma palavrinha cheirando a mofo, de pouca empregabilidade, falando difícil como quem desejasse que o leitor enrugue a testa e abandone esta página antes do primeiro parágrafo terminar. Mas não é este meu intuito. Então troquemos o famigerado “meditabundo” por “entristecido”. Pronto, é isso. Andei uns dias com um bocado de fastio para certos “pratos” da cozinha cotidiana de nossa existência.

Agora, porém, o apetite voltou. Inclusive o da escrita. Especialmente depois que li “Uma confissão de amor para me sentir vivo”, do meu colega de xícaras e neuras Carlos Santos. Texto de profunda inspiração que nos inspira de maneira profunda. Ao menos a mim. Isto não é um simples elogio, é merecimento. É a mais sincera opinião deste sapateiro das letras. Digo sapateiro porque é esta a única assinatura em minha carteira de trabalho (CTPS) de que tenho o maior orgulho.

Hoje não, os anos 1980 foram embora, as fábricas de calçados de Mossoró quebraram por causa da produção das grandes indústrias em escala planetária, todavia já fui um sapateiro profissional. Comecei com dez anos de idade, e o patrão carimbou minha CTPS quando completei quinze anos. “É o seu presente de aniversário”, disse-me. Daí por diante me ocupei com outras coisas, toda sorte de bicos e subempregos. Fui impostor em um bocado de atividades, até me tornar isto, um sujeito que não conseguiu aprender outra coisa melhor para fazer além de escrever.

“Uma confissão de amor para me sentir vivo”, a meu ver, só tem um defeito: não foi escrita por mim. É daquelas coisas que a gente termina de ler e exclama: “Caramba! Muito bom!” Foi o que eu disse. Tanto que agora estou pegando carona na “confissão”, escrevendo uma crônica sobre outra crônica, como se a página do Carlos Santos precisasse do brilho emprestado das minhas tintas.

Não precisa. “Uma confissão de amor para me sentir vivo” tem luz própria. É uma declaração, um testemunho tocante, uma ode apaixonada, um genuíno louvor. Enxerguei a mim mesmo em vários pontos da mensagem.

Essa entrega, esse compromisso com o mister do ofício da escrita, mexe com os meus botões. Imagino que estamos no mesmo barcos das palavras. Às vezes, pelo capricho dos ventos, seguimos em direção à notícia pura e simples; noutro momento, com ou sem um pouco de arte, ajustamos as velas no rumo das águas onde habitam as criaturas linguísticas com maior e subjetiva grandeza.

Identifiquei-me, enquanto enfeitiçado que sou da necessidade de escrever, com a reverência do rapaz velho à sua longeva profissão de fé, devoção que hoje já está com trinta e nove anos de serviços prestados ao bom jornalismo do Rio Grande do Norte, bem na borda, na beiradinha dos quarenta anos.

Quem quiser que diga que estou puxando o saco. Há sempre quem não goste de ver outrem recebendo um reconhecimento assim, público, e sem economizar os méritos do homenageado. Dirão, pois, que estou puxando o saco. É verdade que já peguei nos bagos de supostas unanimidades da cena literária potiguar, autênticos pavões assinalados, contudo foi só para deixá-los sem as bolas. Mas aposentei o bisturi; hoje não faço mais esse tipo de intervenção cirúrgico-escrotal.

“Uma confissão de amor para me sentir vivo” recebeu um nome belíssimo. Algo que fica muito bem, por exemplo, para intitular um livro de poemas, crônicas, contos ou romance. Ouso dizer, ainda, que o título é coisa de cinema. Peço, então, nesta nossa Hollywood dos invisíveis, um Oscar de melhor roteiro original para o rapaz velho. Enquanto eu concorreria, claro, como ator coadjuvante.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - 12 de Abril de 2024 - Arte Nova - Autismo
domingo - 17/03/2024 - 07:44h

Amigos virtuais, amigos reais

Redes sociais IIPor Odemirton Filho

Vi que nas minhas redes sociais tenho quase cinco mil amigos/seguidores. Cinco mil, vejam só. Fiquei impressionado com a quantidade, pois sou um simples mortal, sem fama e grana. Mais impressionado fiquei com a facilidade de hoje em dia fazermos amigos de forma instantânea, vapt vupt.

Por ter sido professor por quinze anos, creio ser a razão de tantos amigos virtuais. Talvez, se fizer uma triagem desses amigos, não atinja 1% por cento com os quais já sentei à mesa para tomar um café e jogar conversa fora. A maioria destes cinco mil amigos mal me conhece; e eu mal os conheço. Digo, conhecer de vera.

Não é preciso, é certo, uma ruma de tempo para uma amizade se firmar, pois há amizades formadas de chofre. Entretanto, para mim, amigos são aqueles forjados no dia a dia, no compartilhar de sonhos e dificuldades. Amigos, não somente de mesa de bar, mas amigos sempre à disposição para nos ouvir e ajudar. Amigos reais choram e riem ao nosso lado. Ora, nem alguns membros de nossas famílias são garantia de uma verdadeira amizade.

Como sabemos até os amigos de infância se distanciam. Cada um vai para um lado. A vida, por vezes, encarrega-se de afastá-los. Poucas amizades conseguem vencer o tempo. Contudo, quando conseguem, são amizades sólidas. As relações humanas na modernidade líquida são marcadas pela brevidade e pela fragilidade, substituindo laços duradouros por conexões passageiras, como bem disse Zygmunt Bauman.

Nas postagens das redes sociais, somente observamos fotos de momentos felizes, viagens, festas, entre outras ocasiões agradáveis. Poucos expõem suas angústias, dores da alma, pois, naquele universo virtual, só alguns estão prontos a ajudar. Não tenho nada contra os meus cinco mil amigos virtuais, é claro, estou apenas a dizer da superficialidade dessas relações. São muitos os amigos virtuais, poucos, os reais.

Aliás, li uma postagem nas redes sociais que dizia mais ou menos assim: “um dia você saiu com seus amigos de infância para andar de bicicleta e nem percebeu que foi a última vez”. Dos amigos com os quais andava de bicicleta no patamar da Igreja de São Vicente ainda restaram alguns “gatos pingados”.

Pois é, contam-se nos dedos de uma mão os amigos reais.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 10/03/2024 - 10:18h

Sinal fechado

Por Bruno Ernesto

Foto ilustrativa do próprio autor

Foto ilustrativa do próprio autor

No dia 10 de março de 1876, Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, efetuou a primeira transmissão elétrica da voz humana, iniciando uma nova era para a humanidade.

Desde então a forma de o homem se comunicar mudou.

A invenção foi tão revolucionária, que você, caro leitor, talvez esteja lendo este texto de um smartphone, outra grande revolução. Hoje, quando falamos em informação, tudo gira em torno dele.

Entretanto, há um brevíssimo momento que é inexplicavelmente mágico. Para mim, considero um micromundo das lembranças: o tempo de um sinal de trânsito fechado.

Você certamente também já teve essa experiência transcendental.

Quem, ao parar no sinal fechado, nunca pensou a respeito de algo?

Quem nunca lembrou de uma situação?
Tudo parece passar mais lentamente durante aquela pausa que, literalmente, somos forçados a fazer.

As lembranças se afloram. Planos esquecidos parecem brotar novamente em nossa mente.
De repente, um cheiro nos faz lembrar de muita coisa.

Dê uma olhada ao redor. Você verá muitas coisas aleatórias acontecendo.

Um vendedor atendendo um cliente na loja da esquina; alguém falando ao telefone da calçada; o motorista ao seu lado se olhando pelo espelho retrovisor; noutro, um casal conversando;

A música Sinal Fechado, de autoria de Paulinho da Viola, e na versão interpretada por Toquinho e Badi Assad (Link YouTube: //youtu.be/cX_AaWmcBmk?si=56Kb9ofj6yOXtg25) ilustra muito bem a correria, afastamento e reencontros que todos nós, alguma vez na vida, já nos deparamos.

Ela fala de um diálogo entre duas pessoas que há muito não se viam e que, por acaso, pararam os carros lado a lado no sinal de trânsito.

Nesse breve instante, toda uma vida de caos é resumida num verdadeiro lamento de quem já não aguenta mais a vida que leva e que aquele reencontro parecia o destino e salvação dos dois:

“Olá, como vai?
Eu vou indo, e você, tudo bem?
Tudo bem, eu vou indo correndo
Pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranquilo, quem sabe?
Quanto tempo, pois é, quanto tempo
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Pô, não tem de quê
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo
Talvez nos vejamos, quem sabe?
Quanto tempo, pois é, quanto tempo
Tanto coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge à lembrança
Por favor, telefone, eu preciso beber
Alguma coisa rapidamente
Pra semana, o sinal
Eu procuro você, vai abrir, vai abrir
Prometo, não esqueço
Por favor não esqueça, não esqueça
Não esqueço, adeus.”

A genialidade de Paulinho da Viola ao mostrar que nossa vida é repleta de casualidades e que uma pausa é necessária.

O sinal pode até estar fechado, mas nossa vida não para.

Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C 25 anos - Institucional - 19-12-2023
domingo - 10/03/2024 - 09:02h

Esconderijo de silêncios

Por François Silvestreolhos negros, mulher, olhos

Januária adormece antes da despedida do sol. É o que se ouve, ou se ouvia, entre suas veredas. O sol vai se esvaindo sem muita vontade, amarelando, desesquentando, como se quisesse ouvir os sussurros que Januária não quer que ele ouça, ou veja pelas frestas da sua luminosidade esmaecida.

As ruelas, de calçamentos irregulares, de buracos nunca tapados, convergem todas para sua praça cor de jegue; isso mesmo, meio cinza, meio bege, onde ergue-se a igreja matriz. Três sinos. O da esquerda, inútil. Pois trincado por um raio, nunca foi recuperado. O da direita, fanho, não se usa. Resta o que divide o olhar da rua com a nave principal do templo.

Toca todo dia, às seis da tarde. Hora do Ângelus. Quando seus moradores acendem as luzes para a visita passageira de Maria. Antigamente, contam, eram faróis de manga incandescente, nas casas dos ricos, ou lamparinas nas casas dos pobres.

Mas Januária é um refúgios de silêncios. Onde eles se aboletam, se espremem, se hospedam. Não existe o silêncio. Em Januária, silêncios há. O único de todos os substantivos que só há no plural. No universo não há o silêncio. Há silêncios em Januária.

Antes do sol deitar-se no aconchego da sua poente cama, como se fosse de Procusto, aquela cama da mitologia, em que o dono da hospedaria esticava as pernas do hóspede quando menores do que a cama, ou as serrava quando maiores. É assim que o sol se deita em Januária. Tentado ouvir algum dos silêncios ali escondidos.

E os há. Na próxima semana contarei o primeiro.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 10/03/2024 - 08:34h

A felicidade de um pai

Por Odemirton Filho

Foto ilustrativo do Diário da Mamãe

Foto ilustrativo do Diário da Mamãe

E a menina cresceu. Tornou-se uma linda mulher; decidida, inteligente, firme na busca de seus objetivos. O pai, orgulhoso, lembrava-se quando a pegou nos braços, tão pequenina, frágil. Vinha à memória a filha correndo pela casa e algumas de suas peraltices, como jogar o aparelho de celular dentro do aquário e correr pelo quarteirão de onde ficava a sua casa; a mãe tentando alcançá-la.

Contudo, o tempo voa. Ao voar, traz lembranças para aquecer o coração. É a vida seguindo o seu fluxo. O pai torce para a filha pavimentar o seu caminho com as pedras da humildade, do amor e da honestidade. Roga a Deus que a abençoe. Daqui a algum tempo, quem sabe, virão os netos, e a menina dos lindos cabelos cacheados, hoje adulta, educará os seus filhos.

Com a vitória dos filhos os pais se sentem realizados. Qual o pai ou a mãe que não fica feliz com o voo dos seus filhos? Somente alguns não nutrem esse belo sentimento. O pai tentará deixar como herança valores imateriais, os quais são a verdadeira riqueza de uma pessoa.

Com o tempo, passamos a contemplar a vida de outra forma. A serenidade nos visita, e ficamos cada vez mais conscientes de nossa finitude. Tanta correria pra quê? O que nos espera? Será o fim ou o começo? Perguntas que somente a crença de cada um responderá.

Por isso, a felicidade de um pai ao observar os filhos seguirem o seu caminho, pois sente a sua vida se eternizar, vez que a sua melhor parte, seus filhos, começam a construir a sua própria história de vida.

Sem dúvida, os filhos encontrarão muitas dificuldades, as quais todos enfrentamos. Nem tudo são flores; há os espinhos que machucam a alma. Mas o tempo, caso não cicatrize, pelo menos será um bálsamo para aliviar os arranhões causados pela vida.

E o pai, emocionado, dirá: “vá em frente, filhasiga o seu caminhoSorria, chore, ame, dance, rodopiando pelos salões da vida, feliz. Seja independente, seja você, seja o que quiser.

Enquanto eu estiver por aqui, continuarei ao seu lado em todos os momentos de sua vida, alegres e tristes. E quando estiver no outro lado do caminho, no plano espiritual, continuarei te protegendo, amando-te.

Eternamente”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 03/03/2024 - 08:12h

Outra vez sob controle

Por Marcos Ferreira

Foto ilustrativa da Web

Foto ilustrativa feita pelo próprio autor da crônica

Precisei antecipar (Natália cuidou disso) meu retorno ao psiquiatra. Eu vinha até me esforçando, mentalizando coisas boas, entretanto não foi o suficiente. Minha cuca havia se complicado, saído do prumo. Pesadelos medonhos, noites maldormidas e dias de cansaço e desmotivação se tornaram rotina. Até Preciosa não brincava comigo como de costume.

A felina pressentiu o meu humor negativo. Fui logo para a clínica. Após uma longa consulta, o médico disse que eu estava em uma crise mista de depressão e bipolaridade. Isto é, na iminência de um novo surto.

Passei semanas borocoxô e uns três meses sem tirar a barba nem cortar o cabelo. Não queria sair de casa. A saudável peleja com a literatura entrou no fastio. Sentia-me nervoso, enraivecido, coração acelerado, sem vontade de falar com ninguém. Mantive o telefone fora de área durante vários dias. Hoje, contudo, estou num momento sereno. No entanto, por orientação médica, sigo fugindo, esquivando-me de qualquer coisa que possa me render inconvenientes, irritação, estresse.

Dr. Dirceu Lopes, como eu esperava, fez uso de sua poderosa bateria de psicofármacos. Voltou com alguns que eu já não tomava há tempos, como a olanzapina e o cloridrato de propranolol. Aumentou, entre outros, a dose do Rivotril, que passou para dois miligramas. Entre as dez e as onze horas, quando finalmente consigo me levantar, estando com o equilíbrio e a coordenação motora comprometidos, tomo um Levoide em jejum. Após o café engulo a losartana e o primeiro Depakote do dia. À noite, depois do jantar, a sobremesa é literalmente substancial e colorida.

Então decidi colocar essas drogas todas num pratinho azul em cima da mesa e fazer uma foto para ilustrar a minha própria crônica. Aí estão todos os comprimidos do período noturno: os grandes e azulados são o Depakote; as bandas longas e amarelas são a quetiapina; o branco com fenda é o famoso Rivotril; o outro branco (sem fenda) é a olanzapina; o amarelo grande com fenda é a lamotrigina. O último é o cloridato de propranolol, que aparece em uma bandinha branca.

Estou, portanto, sob controle. Tranquilo.

Bem! Não tenho o menor pudor de compartilhar com meus leitores essas turbulências psicológicas. O Blog Carlos Santos, se me permite, é o meu divã. Aqui me desnudo, me visto e me inspiro com a escrita dos demais colaboradores deste espaço eclético. Domingo passado, felizmente, tivemos a volta do François Silvestre. Há muito não dava o ar da sua graça. Torço que ele sempre retorne.

Trago à tona estes meus sufocos emocionais como fizeram em suas épocas, por exemplo, indivíduos como o filósofo Friedrich Nietzsche e o escritor Lima Barreto. Este último, assim como eu, também experimentou os dissabores de passar por um hospício. Agora (e de novo) é preciso renovar as forças, ficar o mais longe possível dessa moléstia silenciosa e traiçoeira.

Estou me autoanalisando. Tentarei colocar menos angústias e ocupações infrutíferas no meu juízo. Porque o tratamento medicamentoso não resolve tudo. Preciso exercitar, além da mente, este corpinho pré-histórico. Farei meditação, caminhadas, e continuarei cometendo os meus escritos.

Além disso, vou diminuir drasticamente a atenção que eu dava às redes sociais. E, ao menos por enquanto, só estarei disponível no telefone e no WhatsApp a partir das treze horas. Preciso de um tempinho para sair do nevoeiro dos medicamentos. Aí já terei tomado um banho, feito alguma coisa para comer e bebido um café puro. Ainda assim, por via das dúvidas, peço ao meu exército de quase dez leitores que continue com as orações para o bem-estar e proteção deste cronista.

Marcos Ferreira é escritor

Nota do BCS – Querido Marcos, esse divã é seu, mas também meu, nosso. O “Nosso Blog“, como definiu Naide Rosado, é compartilhado, diverso, necessariamente conflituoso, plural, feito por muitos; dialético. É, também, onde temos o privilégio de seus escritos e da participação ainda de tantos outros colaboradores, incluindo os webleitores e comentaristas.

Faz-lhe bem? Que bom! A nós, então…

No caso deste editor, a página nasceu como terapêutica às próprias neuras e segue sendo útil nesse fim.

Tamo junto.

Cuide-se.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 03/03/2024 - 07:40h

Sagrado pão

Por Bruno Ernesto

Foto ilustrativa do autor da crônica

Foto ilustrativa do autor da crônica

Se hoje a culinária ganhou um ar sofisticadíssimo, transformando algo simples em revolução gastronômica, há certas coisas cujo segredo reside na simplicidade.

Há uma infinidade de novidades gastronômicas que proporcionam experiências espetaculares para quem tem curiosidade e gosta de comer sem medo ou culpa. Muito embora haja, por vezes, um descompasso entre o que se oferece e o valor que é cobrado.

Comer bem, não significa gastar muito.

Há quem pense que apenas descrever os ingredientes ou o modo de preparo com nomes bonitos e pomposos, possa transformar o que toca em ouro. Não é bem assim.

Não que não se reconheça que a culinária é uma arte e que os insumos estejam pela hora da morte, e que a composição do preço também leva em consideração inúmeros fatores.

Mas, convenhamos, há um certo exagero no valor cobrado.

Se há um alimento que pode ser classificado como universal, ele é o pão.

Praticamente todas as culturas têm o pão como alimento elementar.

Sua receita é simples e milenar; inclusive, é o elemento de maior representatividade simbólica para o cristianismo.

Produzidos nas simples padarias de bairro ou em padarias sofisticadas, dos mais humildes até os mais abastados, não há quem resista ou dispense, em sã consciência, um pão quentinho.

Tenho saudade do tempo que uma moeda de um Real comprava um saco de pão e podia comer dezenas e dezenas de pães sem medo de pôr a saúde em risco.

Se bem que sempre digo que não quero morrer sadio. De fato, não quero.

Mas também fico contente em poder provar as novidades que agora podemos encontrar no comércio local.

Hoje, diante de tanta novidade dos panifícios, os pães estão cada vez mais saborosos, e aqueles mais simples são os mais saborosos; e são apenas chamados de pão. Sem firulas.

Apenas farinha, fermento, água e sal.

Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
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