Leonilda nunca se apertou durante uma sessão de banho tépido, fosse numa lagoa, na praia ou mesmo no box do banheiro caseiro. Desde a mais tenra idade ela fez dessa prática quase um ritual com ares terapêuticos.
De fato era reconfortante encarar um banho frio, ao final de um dia de labutas e outros senões cotidianos, e sentir seus membros inferiores deleitarem-se com o calor do lÃquido produzido pelos rins. Sim, melhor não adiar a revelação do inevitável.
É verdade, Leonilda amava fazer xixi durante o banho, muito antes que essa prática se tornasse uma bandeira ambientalista, criando comoção e revolta entre a população da sua cidade. Ela nem mesmo podia se candidatar à garota propaganda, sob risco de ser defenestrada no trabalho, talvez acuada no passeio público por cidadãos enojados. Não que fosse ambientalista. Apenas nutria simpatia pela causa, na condição de cidadã consciente.
Leu que a descarga de uma privada, por mais simples que seja, libera cumulativamente hectolitros de água, esse bem precioso que teima em escassear no planeta por obra de seguidos abusos do gênero humano e por se tratar de um recurso natural finito. Não há tecnologia capaz de produzir H2O, mas tão somente de reaproveitá-la.
E isso já se pratica com alguma regularidade. Ora, mas não é tão simples como água? Se o órgão público responsável pelo saneamento se encarrega de limpar a sujeira do esgoto para devolver água reusável aos canos, porque um ser humano normal não poderia banhar-se em seu próprio lÃquido, no lugar de despejá-lo numa privada fria e por vezes asséptica?
Pura contradição alimentada pelo asco eterno nutrido pelo humano por tudo aquilo que lhe provém das vÃsceras, à exceção, é claro, dos rebentos. Estes chegam imundos no lado de cá e somente são apreciados após livrarem-se daquela sorte de excrementos que os envolve no interior de suas mães. Ela mesma, Leonilda, desmaiou na mesa de parto ao vislumbrar a face aparentemente enlameada e toda enrugada de sua filhota mais velha.
Refeita pelo cheiro inebriante do formol, ainda teve tempo de acolher a menina embrulhada num paninho gasto e sem o cheiro insuportavelmente doce das colônias infantis. É fato que Leonilda sofreu as penas dessa opção precoce pela sensação de córrego entre as pernas, a cada novo banho.
Namorados, por exemplo, oscilavam entre a ojeriza inicial, a aceitação vacilante, a batida em retirada ou a adesão irrestrita à prática. Quando isso ocorria, era um verdadeiro riacho no box, circunstância que muito alegrava a alma renal da moça.
Por conta dessa preferência, também, era consumidora voraz de água. Ora, quanto mais ingerisse, tanto mais agradável seria a etapa inicial do banho. E ela sentia-se, afinal, em paz com as coisas da natureza. Sorvia muito lÃquido, sim, mas o devolvia lÃmpido e clarinho aos ralos. Uma troca justÃssima.
Stella Galvão é jornalista e professora de Comunicação Social – stellag@uol.com.br
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