Por François Silvestre
Sem me atrever a discutir definições ou conceitos poéticos, debate que já produziu tratados, polêmicas, esperneios e intrigas famosas, vou ao trivial.
E como tal, longe de qualquer cientificidade literária, trato tudo no pequenino e atrevido mundo do empirismo.
Até porque de Otávio Paz a Cardoza y Aragón, de Neruda a Tolstoi, de Garcia Lorca a Machado de Assis, de Baudelaire a Fernando Pessoa, para citar poucos, todo mundo já deu seu pitaco sobre conceituação dos modos, formas e alcances da poesia.
Exemplo marcante é a formação estrutural de um idioma a partir da obra poética de um autor. Do inglês, com Chaucer e do português, com Camões.
Se a organização morfológica, no português, deve-se ao teatro de Gil Vicente; foi Camões, na poética, quem edificou a sintaxe portuguesa. Criador de um idioma; a partir de uma algaravia como a última “Flor do Lácio”, da verve de Olavo Bilac. “Ora direis ouvir estrelas”.
De lá pra cá, de tudo e sobre tudo já se escreveu quase tudo. Ainda bem que apenas quase. Pois seria uma monotonia cultural a vida com tudo já resolvido. A incompletude conceitual alimenta criações e permite, na colheita do inquieto, manter acesa a chama do refazer-se. Eternamente.
E a rima? Para o gosto popular a poesia sem rima é prosa curta. Neruda ensinou que poesia é metáfora. E a prosa poética? O Pe. Vieira foi o craque desse estilo. Ao responder o suplício do silêncio imposto, alfinetou a cúria: “Deus, na sua infinita misericórdia, fez surdos os que eram mudos e mudos os que eram surdos. Posto que até a Natureza ao ser agredida com o grito, responde com o eco”.
Há palavras de rima difícil ou até inexistente; exemplo de cinza, painço, nenem. Um violeiro aceitou o desafio e rimou: “Na Bahia de Rui Barbosa/ numa tarde muito cinza/ vi uma velha fanhosa/ que chamava camisa caminza”. Só rima; poesia nada.
“Venho para uma estação de águas nos seus olhos”. Joaquim Cardoso; só poesia, sem rima.
De Neruda, o das metáforas: “Posso escrever os versos mais tristes esta noite./ Escrever por exemplo: a noite está estrelada e tiritam azuis os astros ao longe./… Embora seja a última dor que ela me causa/ e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo”.
Luiz Cardóza y Aragón, o diplomata guatemalteco que acolheu, na embaixada de Bogotá, os fugidos da revolta colombiana, na noite em que foi assassinado Jorge Gaitán, disse: “A poesia é a única prova concreta da existência do homem”.
A rima não é vilã. No bom poema ela se agasalha em lençóis de seda.
D. Pedro II rima e faz poesia no soneto/recado ao ex-amigo Deodoro. Veja a última estrofe : “…Mas a dor que crucia e que maltrata/ que fere o coração e pronto o mata,/ é ver na mão cuspir, à extrema hora,/ a mesma boca aduladora e ingrata/ que tantos beijos nela pôs outrora”.
Té mais.
François Silvestre é escritor
Hoje, “Nosso Blog” está campeão.
Do artigo de François Silvestre, recolho uma frase que me encantou, além da cultura transmitida:
” A rima não é vilã. No bom poema ela se agasalha em lençóis de seda.” Resplandece.