Por François Silvestre
Antes que os petistas me acusem de tucano ou os tucanos me acusem de petista, deixo claro que os dois apelidos não me acabrunham. Até por que também não sou diferente!
Mas vamos lá. Na última campanha eleitoral, o discurso vitorioso de Dilma Rousseff alertava os dependentes econômicos da política oficial sobre os riscos da vitória tucana.
Dizia ela que o adversário Aécio Neves iria promover arrocho econômico, com reflexo nocivo na vida social. Aécio negava. Dilma ganhou e está arrochando o parafuso. Com mais aperto do que acusara o adversário. Com o nome bonitinho de “ajuste fiscal”.
Dizia ela que a vitória tucana iria cortar recursos dos programas sociais. Aécio negava, mas o povo preferiu acreditar em Dilma. Ela ganhou e já fez o maior corte de recursos para programas sociais de que sem notícia nas últimas décadas.
Ela dizia que Aécio iria esvaziar o PAC. Aécio negava, mas Dilma ganhou. E com o arrocho do ajuste fiscal deixou o PAC mais raquítico do que os meninos pobres da Gurguéia do Piauí.
Dilma alertava para o risco de Aécio enfraquecer o programa da “pátria educadora”. Aécio perdeu e Dilma cortou grana na educação; sem poupar sequer as escolas técnicas, menina dos olhos do aludido programa.
Dilma acusava o governo tucano de privatizações excessivas, favorecimento a banqueiros e retenção de empregos. Acusação verdadeira. Foi assim mesmo no tempo dos tucanos.
Só que o governo petista prometeu fazer diferente. Mudou o nome de privatização para concessão e a diferença ficou só na semântica. Nunca “na história deste país” banqueiro ganhou tanto dinheiro. Basta ver os balanços bancários, que nem os cavilosos esconderijos conseguem esconder a montanha de lucros. Duvidosos lucros. E desemprego.
O emprego dado, com a mão esquerda, no passado recente, foi agora tomado, com a mão direita, no presente. Tucanos e petistas são oradores de Esquerda e operadores de Direita. Ou vice-versa, invertido na mesma coisa.
“Nada se assemelha tanto a um Saquarema quanto um Luiza no poder”. Foi assim desde o Império.
Quem ouviu o discurso vitorioso da campanha, viajou depois, e chegou agora ao Brasil, certamente imaginará que esse não é o governo daquele discurso.
O governo Dilma executa o programa de governo que ela informava ser o programa de Aécio. Do ponto de vista programático, com base no discurso de campanha e na prática do governo vencedor, uma fusão entre o PT e o PSDB seria factível e coerente. Sem que nenhum deles abrisse mão dos principais aliados.
O PMDB continuaria aliado de ambos, entre um grupo de apoio e outro de contestação. Contestação no poder, oposição nunca.
Quando o povo amadurecido doará memória ao Brasil?
Té mais.
François Silvestre é escritor
Será que qualquer semelhança entre nossos dois partidos hegemônicos -PT e PSDB – é mera coincidência?
UM POVO RESIGNADO E DOIS PARTIDOS SEM IDEIAS
Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.
Guerra Junqueiro, in ‘Pátria (1896)’