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domingo - 08/05/2022 - 09:22h

Do velho professor

Por Marcelo Alves

Giorgio Del Vecchio foi além de sua "aldeia", a Itália (Reprodução Canal BCS)

Giorgio Del Vecchio foi além de sua “aldeia”, a Itália (Reprodução Canal BCS)

Desculpem o trocadilho do título, mas não resisti ao escrever sobre Giorgio Del Vecchio (1878-1970). Ele é um velho conhecido desde o tempo do bacharelado. E foi também de um livro dele, as suas famosas “Lições de filosofia do direito” (Arménio Amado Editor, 1979), que colhi uma mui antiga afirmação de Kant (1724-1804) que não canso de repetir: “Ainda procuram os juristas uma definição do seu conceito de Direito”. Mesmo passados tantos anos, ao invés de ficar antiquada, a assertiva mantém o seu valor.

Giorgio Del Vecchio nasceu em Bolonha, a cidade-mãe das nossas universidades (ao menos é o convencionalmente aceito no Ocidente). Crescendo na vida e após estudos na Alemanha, ele foi dando aulas nas universidades de Ferrara, Sassari, Messina, Bolonha e, finalmente, na Università degli Studi di Roma, La Sapienza, de 1920 a 1953. Foi reitor dessa instituição de 1925 a 1927. Aderiu inicialmente ao fascismo (ninguém é perfeito), mas logo se afastou.

Caso curioso, Del Vecchio perdeu sua cátedra duas vezes por razões opostas. Em 1938, por ordem dos fascistas, porque era judeu; em 1944, por imposição dos antifascistas, acusado de simpatizar com o fascismo de outrora. Paciência.

Sua primeira obra foi “O senso jurídico” (1902). Por uma questão de gosto, recomendo aqui “Lições de filosofia do direito” (1930) e “História da filosofia do direito” (1950). Ele é considerado um neokantiano. Influenciou muita gente, a exemplo de Norberto Bobbio (1909-2004). Del Vecchio faleceu, já nonagenário, na litorânea Genova.

Cabral de Moncada (1888-1974) – português, mas outro gigante da história da filosofia do direito –, em seu prefácio às “Lições de filosofia do direito” (edição acima referida), afirma: “A construção das ideias de Del Vecchio nasceu em 1902, depois de largos estudos na Alemanha, com o seu primeiro trabalho, intitulado Il sentimento giuridico. Aí encontramos em germe todo o seu ulterior sistema de ideias filosóficas, como este veio a desenvolver-se. Nasceu tal sistema sob o signo do Neokantismo, então em plena ascensão. A influência de Marburgo e as afinidades com o pensamento de Stammler são nele inegáveis. Tal qual este, Del Vecchio atribui também à Filosofia do Direito, como objecto próprio das suas investigações, estes dois temas capitais: a determinação do conceito de direito, e a determinação do ideal jurídico. Que é direito? E como dever ser o direito? Eis aí também as duas preocupações máximas iniciais do filósofo italiano”.

Mas o que eu quero aqui ressaltar é outro aspecto da vida/obra de Del Vecchio. Para mim, ele foi sobretudo um professor, pela carreira e pelo didatismo dos seus escritos. Na sua empreitada para estabelecer um conceito de direito (uma aventura de viés positivista), de estudar os seus fenômenos criticamente e, por fim, de estabelecer como o direito “deve ser” (e aqui aproximando direito e justiça), ele foi um educador à moda antiga. Escrevendo bem, sistematicamente e em forma de síntese. Sem fronteiras que limitassem suas lições ao seu país de nascença, a bela Itália. Embora não abrisse mão de pintar “a própria aldeia”, à moda de Tolstói (1828-1910), Del Vecchio foi didaticamente universal, com suas obras recomendadas nas universidades mundo afora.

Peguemos o caso das “Lições”. O livro é originalmente de 1930. Foi sucessivamente reeditado na Itália. Foi traduzido para o espanhol, francês, alemão, turco, japonês e por aí vai. E para o nosso português, claro.

Recebeu prêmios e aplausos. Mas, sobretudo, nas palavras do seu tradutor António José Brandão: “o êxito destas Lições deve-se ao facto de nelas o autor ter sabido, com arte consumada, tornar a Filosofia do Direito acessível a todos os juristas, mesmo àqueles destituídos de formação especializada. Todas as questões que ao jurista como tal interessam foram pelo Professor Del Vecchio filosoficamente enfocadas e tratadas”.

De fato, trata-se de um livro interessantíssimo. Quiçá dois livros em um só. Uma primeira parte/livro tratando da história da filosofia do direito, para mim a mais interessante. E uma “Parte sistemática”, que mais se aproxima, pelo caráter didático, a uma introdução ao estudo do direito.

Bom, eu vou xeretar a parte da história da filosofia. Partindo da aldeia do autor: os capítulos sobre a filosofia jurídica na Itália. Tem bastante coisa sobre os escritores “guibelinos”, sobre Maquiavel (1469-1527) e Vico (1678-1744) e por aí vai. E interessou-me sobretudo o capítulo com o título “Resumo da moderna Filosofia do Direito na Itália”. Moderna ao tempo do velho Giorgio, claro. Não acredito que ele já tratasse de Bobbio, que será o tema da nossa próxima conversa. O velho era professor; e não, vidente.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica

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