Por François Silvestre
Das Constituições, dizem os leguleios que há cláusulas pétreas. Porém, no aparato político e institucional brasileiro nem as pedras são de pedra. Quando muito calcário de rocha porosa, riscável por qualquer pedregulho lançado por alguma baladeira oportunista. E a luminosidade que aspergem é da malacacheta, às vezes até mais brilhosa do que o diamante; sem possuir, do brilhante, o valor e a resistência.
No meio disso tudo, um país sem rumo. Organizado num cipoal institucionalmente falido. Falido para o povo, mas muito vantajoso para as corporações e suas hipocrisias éticas. Discurso tonitruante e despudorado. País de castas, sem noção de classes. Ou estratificação desclassificada. Ricos, remediados, pobres e miseráveis. São as classes do Brasil.
Mas eu falava de teses. Há duas, para mim, que são lajedos. Primeira: Uma Constituinte Originária, Exclusiva e Aberta na composição. Vou dissecar. Originária, para criar uma ordem constitucional sem vassalagem ao modelo atual. Recepcionando todas as conquistas das liberdades fundamentais e avanços sociais. Preservando a soberania republicana e a dignidade da pessoa humana.
Exclusiva, formada apenas com o fim de elaborar a Constituição. A ser dissolvida logo após a promulgação, com a previsão, nos Atos das Disposições Transitórias, de eleições gerais para a formação do Executivo, Legislativo e Ordenamento do Judiciário.
Composição aberta, podendo ser candidato a Constituinte qualquer brasileiro, emancipado, detentor de direitos políticos, sem necessidade de filiação partidária. Reservando aos Partidos e às Corporações o direito de também concorrerem com filiados ou representantes.
Todo mundo mostrando a cara, sem comprar esse ou aquele legislador, para legislar na penumbra de interesses escusos. O atual modelo constitucional brasileiro é uma farsa jurídica, um engodo político e uma desordem social. A própria Carta previu uma reforma para cinco anos, após sua promulgação. A não feitura da reforma prevista retirou da Constituição a legitimidade material, deixando-lhe apenas a legalidade formal. Constantemente desobedecida.
Vivemos o absurdo de uma Constituição com “normas” que sequer foram votadas durante a elaboração. Artigos empurrados, a fórceps inverso, sem submissão ao crivo da votação. Denúncia de um constituinte, que foi depois Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
A segunda tese, para mim, é pétrea, mas de pedra secundária. É a extinção do Senado Federal. Esse clube de luxo, desnecessário e perdulário que agride a pobreza política do país.
O sistema unicameral é mais eficiente, ágil e apropriado a um país dessa dimensão. Grandioso em território e problemas. Não precisamos de casa revisora. Precisamos de Casa Legislativa ágil, sem os ranços nobiliárquicos herdados do Império.
Chega de vitaliciedade à custa da vitalícia miséria do povo. Té mais.
François Silvestre é escritor e cronista
* Texto publicado originalmente no Novo Jornal.
Parabéns. Lúcida, avançada e responsável a análise de François Silvestre.
François Silvestre até me assustou. Corajoso! Clareza espantosa que faz-nos pensar termos dormido por longos anos. Parabéns, encontro luz no seu texto. Hora de acordar!
Parabéns, e, ao mesmo tempo Meu caro François Silvestre, obrigado pela magna aula, não só do real e verdadeiro direito constitucional, mais sobretudo da Carta Constitucional que temos o direito de elaborar, construir, obedecer e que devamos seguir.
Realmente, não obstante seja uma avançada carta de princípios, a Constituição de 1988, na prática perdeu-se e perde-se sistematicamente no cipoal de armadilhas construídas pelas raposas felpudas da elite conservadora do nosso país. Sendo que esta, atavicamente e inescrupulosamente agarrada aos históricos privilégios, permeou a nossa carta ao longo de seu trajeto, com inúmeros dispositivos de futuros remendos de regulamentação, os quais, apenas e tão somente, concretamente tornam os direitos da maioria um sonho, um exercício de retórica e de mera miragem da práxis constitucional.
Um baraço
FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.