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domingo - 19/12/2021 - 07:50h

Legalização de jogos de azar – azar ou sorte nossa?

Por Roncalli Guimarães

Nessa última semana uma nova polêmica voltou ao debate no Congresso Nacional e na sociedade: a legalização dos jogos de azar. Os jogos de azar estão proibidos no Brasil há quase 80 anos, por decisão do então presidente Gaspar Dutra, que associava jogos e cassinos à degradação do ser humano.

Antes, precisamos entender por que a denominação “jogos de azar”. A palavra azar nesse contexto é entendida como aleatório. Um jogador é alguém que simplesmente aposta certo valor financeiro num evento futuro em que o resultado depende da sua intuição e previsão e é exatamente a sensação de ganhar tudo ou perder tudo que faz o jogo ser algo tão excitante e perigoso.jogos de azar, jogatina, jogo

Os jogos de azar não são algo novo na sociedade. Existem comprovações arqueológicas que mostram isso desde os babilônios até às civilizações romanas e da China Antiga. A ganância, a possibilidade de enriquecimento rápido e sem esforço acompanham a nossa espécie desde sempre.

No debate político, os que defendem a legalização “apostam suas fichas” ou argumentam que os jogos existem clandestinamente no país e sem fiscalização ou ganho, em impostos. O raciocínio é que o poder público deixa de arrecadar bilhões e ainda formalizar os empregos.

Dizem ainda, que a nossa Constituição não proíbe ou incentiva jogos de azar.

Na outra ponta há os conservadores, os extremistas religiosos que baseados não na Constituição e sim na Bíblia, afirmam que a legalização vai de encontro a princípios cristãos descritos em vários textos como em provérbios: “O fiel será ricamente abençoado, mas quem tenta enriquecer-se depressa não ficará sem castigo”.

Essa decisão do Congresso tem que levar em conta aspectos históricos, experiências anteriores e consequências psicológicas e de saúde pública que envolvem jogos de azar.

Las Vegas (EUA), encravada num deserto e chamada de “cidade do pecado”, recebe milhões de turistas anualmente em seus hotéis de altíssimo luxo, onde se divertem perdendo dinheiro em apostas. Contudo, existem leis próprias que amparam a jogatina e prostituição.

Assim como na Havana de Fulgêncio Batista, jogo e prostituição sempre andaram juntos. No Brasil, temos o jogo inventado pelo fundador do zoológico do Rio de Janeiro em 1892, com objetivo de financiar a sua propriedade e que se transformou no popular “jogo do bicho”. Ele está completamente enraizado e sem ser incomodado pelas autoridades públicas, não obstante ilegal.

Do ponto de vista de saúde pública, legalizar jogos de azar pode abrir um precedente desastroso que é a doença “transtorno do jogo”. Ela apresenta etiologia em que compartilha, conforme achados neuroquímicos e de neuroimagem, sinais semelhantes aos encontrados na dependência química como as projeções das vias dopaminérgicas e sistemas de recompensa cerebral para estruturas pré-frontais.

O transtorno do jogo causa em algumas pessoas um comportamento impulsivo e compulsivo. Elas deixam de priorizar cuidados, compromissos familiares e financeiros em detrimento do jogo. Quem passa ou passou por situações assim entende o que escrevo.

Nosso sistema de saúde é falho em acolher doentes dependentes de qualquer natureza, é falho em tratar essa demanda além do agravamento de que o doente não procura ajuda ou demora e reconhecer sua condição.

Quem joga compulsivamente só leva em conta o que ganha e nunca percebe a somatória do que perdeu e isso pode ter efeito social destruidor. Afinal, estamos falando de uma doença em que a prevalência apresentada em estudos mostra que 12% da população aposta pelo menos uma vez por mês e desses 1% tem transtorno do jogo. Isso, é bom frisarmos, com o jogo não liberado.

É preocupante quando se coloca uma decisão importante como essa em votação de urgência, não levando em consideração a preocupação do MP e da receita federal que argumentam que a legalização dos jogos de azar pode “legalizar” a lavagem de dinheiro, o que é bastante compreensível. O presidente do Congresso, um dos vários crimes que ele responde é exatamente lavagem de dinheiro e isso sendo feito dessa forma reforça o axioma popular, que diz: “A política é um jogo”.

Se a política é um jogo e o Congresso um grande cassino, então estamos mesmos condenados à desgraça individual e coletiva. Nossa dignidade, nosso presente e nosso futuro são os valores negociados nessa mesa. Com um grande agravante: as cartas são marcadas, a banca é claramente viciada e nós sempre seremos os perdedores desse jogo.

Roncalli Guimarães é psiquiatra

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Rocha Neto diz:

    Estimado Dr Roncalli, seu artigo estar perfeito é digno de ser lido no plenário da Câmara e Senado Federal, aonde tramita a o projeto a ser votado logo mais. Com conhecimento de mestre você mostrou aquilo que nossa sociedade humana carece tomar conhecimento inerente aos malefícios que o perigoso projeto traz em seu bojo. Mais como nossa classe política é miseravelmente pobre de conhecimentos, não tenho dúvida que o desastrado projeto será aprovado e transformado em lei. Que pena?
    O país já tem demasiadamente problemas sociais e de saúde oriundos das drogas, e agora com mais outros que virão oriundos dos jogos de azar e o consequente aumento da prostituição. Só Deus na causa(o).
    Mais uma vez amigo, parabéns pela brilhante e lúcida peça em tela.

  2. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Interessante é estes religiosos não clamarem pelo fim dos jogos bancados pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Ou mega-sena e oitros jogos não são jogos de azar?
    LAWRENCE CADÊ O COENTRO?

  3. Odemirton Filho diz:

    Excelente explanação sobre o tema. Bom tê-lo de volta a este espaço, amigo.
    Um abraço.

  4. Antônio Aldisio diz:

    Liberdade que me convém!

    Os conservadores e extremistas religiosos contrários ao projeto são os mesmos que, igualmente, são contrários a obrigatoriedade da vacina, com o pretexto de LIBERDADE.
    E a LIBERDADE do cidadão jogar? A LIBERDADE da diversão?
    E a preocupação com a SAÚDE PÚBLICA? Não é válida quando se trata de COVID? Então posso não me vacinar e pregar mentiras sobre a vacina, colocando em risco os demais, além de perpetuar um problema sanitário?

    LIBERDADE E SAÚDE, dois pesos e duas medidas para essa turma.

    Hipocrisia!

  5. Vladenilson duarte diz:

    #LawrenceKdoCoentro

  6. Roncalli José Guimarães Cunha diz:

    Pois é caro Aldisio, os extremistas são os mesmos que segundo mostrou a grande mídia , ” negociou ” liberar votar regime de urgência pra legalizar jogos em troca do congresso também votar a isenção de IPTU para igrejas alugadas . De fato isso é um jogo

  7. João 🌲 Claudio 🎅 HO! HO! HO! HO! diz:

    Aleluia! A raça deveria se contentar em curar doenças consideradas incuráveis pela medicina tradicional; Aleluia! Deveriam se orgulhar em fazer cego de nascença enxergar e paralítico andar. Aleluia! Se orgulhar por manipular a mente de milhões de pobres analfabetos e descerebrados. Aleluia! E, claro, continuar com seus rentáveis negócios imobiliários que é a venda terrenos no Céu em suaves prestações mensais.

    Aleluia! Aleluia! Aleluia!

  8. Marcos Ferreira diz:

    Prezado Roncalli Guimarães,
    Parabéns pelo excelente texto. Faço minhas as suas palavras.
    Eu gostaria que você escrevesse mais vezes neste espaço.
    Cordialmente,
    Marcos Ferreira.

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