Por Roncalli Guimarães
Nessa última semana uma nova polêmica voltou ao debate no Congresso Nacional e na sociedade: a legalização dos jogos de azar. Os jogos de azar estão proibidos no Brasil há quase 80 anos, por decisão do então presidente Gaspar Dutra, que associava jogos e cassinos à degradação do ser humano.
Antes, precisamos entender por que a denominação “jogos de azar”. A palavra azar nesse contexto é entendida como aleatório. Um jogador é alguém que simplesmente aposta certo valor financeiro num evento futuro em que o resultado depende da sua intuição e previsão e é exatamente a sensação de ganhar tudo ou perder tudo que faz o jogo ser algo tão excitante e perigoso.
Os jogos de azar não são algo novo na sociedade. Existem comprovações arqueológicas que mostram isso desde os babilônios até às civilizações romanas e da China Antiga. A ganância, a possibilidade de enriquecimento rápido e sem esforço acompanham a nossa espécie desde sempre.
No debate político, os que defendem a legalização “apostam suas fichas” ou argumentam que os jogos existem clandestinamente no país e sem fiscalização ou ganho, em impostos. O raciocínio é que o poder público deixa de arrecadar bilhões e ainda formalizar os empregos.
Dizem ainda, que a nossa Constituição não proíbe ou incentiva jogos de azar.
Na outra ponta há os conservadores, os extremistas religiosos que baseados não na Constituição e sim na Bíblia, afirmam que a legalização vai de encontro a princípios cristãos descritos em vários textos como em provérbios: “O fiel será ricamente abençoado, mas quem tenta enriquecer-se depressa não ficará sem castigo”.
Essa decisão do Congresso tem que levar em conta aspectos históricos, experiências anteriores e consequências psicológicas e de saúde pública que envolvem jogos de azar.
Las Vegas (EUA), encravada num deserto e chamada de “cidade do pecado”, recebe milhões de turistas anualmente em seus hotéis de altíssimo luxo, onde se divertem perdendo dinheiro em apostas. Contudo, existem leis próprias que amparam a jogatina e prostituição.
Assim como na Havana de Fulgêncio Batista, jogo e prostituição sempre andaram juntos. No Brasil, temos o jogo inventado pelo fundador do zoológico do Rio de Janeiro em 1892, com objetivo de financiar a sua propriedade e que se transformou no popular “jogo do bicho”. Ele está completamente enraizado e sem ser incomodado pelas autoridades públicas, não obstante ilegal.
Do ponto de vista de saúde pública, legalizar jogos de azar pode abrir um precedente desastroso que é a doença “transtorno do jogo”. Ela apresenta etiologia em que compartilha, conforme achados neuroquímicos e de neuroimagem, sinais semelhantes aos encontrados na dependência química como as projeções das vias dopaminérgicas e sistemas de recompensa cerebral para estruturas pré-frontais.
O transtorno do jogo causa em algumas pessoas um comportamento impulsivo e compulsivo. Elas deixam de priorizar cuidados, compromissos familiares e financeiros em detrimento do jogo. Quem passa ou passou por situações assim entende o que escrevo.
Nosso sistema de saúde é falho em acolher doentes dependentes de qualquer natureza, é falho em tratar essa demanda além do agravamento de que o doente não procura ajuda ou demora e reconhecer sua condição.
Quem joga compulsivamente só leva em conta o que ganha e nunca percebe a somatória do que perdeu e isso pode ter efeito social destruidor. Afinal, estamos falando de uma doença em que a prevalência apresentada em estudos mostra que 12% da população aposta pelo menos uma vez por mês e desses 1% tem transtorno do jogo. Isso, é bom frisarmos, com o jogo não liberado.
É preocupante quando se coloca uma decisão importante como essa em votação de urgência, não levando em consideração a preocupação do MP e da receita federal que argumentam que a legalização dos jogos de azar pode “legalizar” a lavagem de dinheiro, o que é bastante compreensível. O presidente do Congresso, um dos vários crimes que ele responde é exatamente lavagem de dinheiro e isso sendo feito dessa forma reforça o axioma popular, que diz: “A política é um jogo”.
Se a política é um jogo e o Congresso um grande cassino, então estamos mesmos condenados à desgraça individual e coletiva. Nossa dignidade, nosso presente e nosso futuro são os valores negociados nessa mesa. Com um grande agravante: as cartas são marcadas, a banca é claramente viciada e nós sempre seremos os perdedores desse jogo.
Roncalli Guimarães é psiquiatra
Estimado Dr Roncalli, seu artigo estar perfeito é digno de ser lido no plenário da Câmara e Senado Federal, aonde tramita a o projeto a ser votado logo mais. Com conhecimento de mestre você mostrou aquilo que nossa sociedade humana carece tomar conhecimento inerente aos malefícios que o perigoso projeto traz em seu bojo. Mais como nossa classe política é miseravelmente pobre de conhecimentos, não tenho dúvida que o desastrado projeto será aprovado e transformado em lei. Que pena?
O país já tem demasiadamente problemas sociais e de saúde oriundos das drogas, e agora com mais outros que virão oriundos dos jogos de azar e o consequente aumento da prostituição. Só Deus na causa(o).
Mais uma vez amigo, parabéns pela brilhante e lúcida peça em tela.
Interessante é estes religiosos não clamarem pelo fim dos jogos bancados pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Ou mega-sena e oitros jogos não são jogos de azar?
LAWRENCE CADÊ O COENTRO?
Excelente explanação sobre o tema. Bom tê-lo de volta a este espaço, amigo.
Um abraço.
Liberdade que me convém!
Os conservadores e extremistas religiosos contrários ao projeto são os mesmos que, igualmente, são contrários a obrigatoriedade da vacina, com o pretexto de LIBERDADE.
E a LIBERDADE do cidadão jogar? A LIBERDADE da diversão?
E a preocupação com a SAÚDE PÚBLICA? Não é válida quando se trata de COVID? Então posso não me vacinar e pregar mentiras sobre a vacina, colocando em risco os demais, além de perpetuar um problema sanitário?
LIBERDADE E SAÚDE, dois pesos e duas medidas para essa turma.
Hipocrisia!
#LawrenceKdoCoentro
Pois é caro Aldisio, os extremistas são os mesmos que segundo mostrou a grande mídia , ” negociou ” liberar votar regime de urgência pra legalizar jogos em troca do congresso também votar a isenção de IPTU para igrejas alugadas . De fato isso é um jogo
Aleluia! A raça deveria se contentar em curar doenças consideradas incuráveis pela medicina tradicional; Aleluia! Deveriam se orgulhar em fazer cego de nascença enxergar e paralítico andar. Aleluia! Se orgulhar por manipular a mente de milhões de pobres analfabetos e descerebrados. Aleluia! E, claro, continuar com seus rentáveis negócios imobiliários que é a venda terrenos no Céu em suaves prestações mensais.
Aleluia! Aleluia! Aleluia!
Prezado Roncalli Guimarães,
Parabéns pelo excelente texto. Faço minhas as suas palavras.
Eu gostaria que você escrevesse mais vezes neste espaço.
Cordialmente,
Marcos Ferreira.