Por Bruno Ernesto
O que lhe vem à mente quando lhe falam de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho? Se você gosta de arte barroca e Minas Gerias, certamente lhe é um nome familiar.
Um bom artista visual, seja ele pintor ou escultor, precisa, além domínio da técnica, de um inegável, apurado e profundo conhecimento histórico. E quem visita as cidades mineiras de Ouro Preto, Congonhas e Tiradentes, pode constatar que suas obras são inigualáveis, tanto do ponto de vista técnico, quanto da expressividade histórica.
Muito embora suas obras sejam eminentemente religiosas, cujo estilo barroco predominava nos tempos de Aleijadinho (1738-1814), sendo caracterizado pela dramaticidade, contrastes e exuberância, elas também guardam um traço comum aos artistas: crítica.
Arte não é apenas saber replicar uma técnica impecável, com detalhes minuciosos, a ponto de se confundir o original com o reproduzido. Se assim fosse, a máquina fotográfica ou a fresadora computadorizada já tinham extinto os ofícios do pintor e de escultor.
A Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, os Doze Profetas, no Santuário dos Matosinhos, em Congonhas, e a Igreja Matriz de Santo Antônio, em Tiradentes, são prova de que aquele corpo praticamente definhado fisicamente, não foi suficiente para suplantar a sua arte e, sobretudo, força de vontade.
Embora muito religioso e profundo conhecedor das passagens históricas da bíblia, as quais serviam como base para suas obras, a carne e osso do artista também tinha papel preponderante em suas concepções.
Certa vez, Aleijadinho foi incumbido pelo governador das Minas Gerais, Dom Bernardo de Lorena, de esculpir uma estátua de São Jorge para uma procissão de Corpus Christi e, ao chegar no palácio, José Romão, um dos oficiais, olhou para Aleijadinho e resmungou que ele tinha uma aparência medonha.
De súbito, enfurecido, Aleijadinho confrontou o governador indagando-o se havia sido chamado ao palácio para ser contratado ou insultado, e após esse entrevero, após uma conversa reservada com o governador, já mais calmo, enfim, aceitou o serviço.
Como vingança, esculpiu São Jorge tal qual José Romão, dando à escultura uma fisionomia medonha do dito oficial do palácio que, certamente, se arrependeu amargamente do seu comentário inicial sobre a aparência do artista.
Já no frontispício da Igreja de São Miguel e Almas, em Ouro Preto, numa escultura que representa almas queimando no inferno, eis que surge a figura de um frade que Aleijadinho era intrigado. Em outras, representava soldados romanos narigudos, totalmente medonhos.
Embora apresente esse lado um tanto não cristão, Aleijadinho também demonstrou sua sutileza crítica ao retratar o São José posto no Altar-Mor da Igreja de Santo Antônio, em Tiradentes, calçado com botas de soldados romanos, um verdadeiro insulto à autoridade do imperado romano.
Lembre-se que ao tempo do reinado de Calígula (37 a 41 d.C) – cujo significado era botinhas e não agravada ao imperador -, Jesus havia sido crucificado há menos de dez anos, de modo que, embora o cristianismo não passasse de um incipiente movimento, praticamente imperceptível e sequer chamava atenção das autoridades romanas, já era o prelúdio do que se tornaria muito em breve.
Santo ou pecador, a depender do ponto de vista, é preciso compreender que a genialidade de Antônio Francisco Lisboa representa o ponto nevrálgico da arte brasileira, e que precisa ser preservada e valorizada.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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