Por François Silvestre
O comportamento da massa, que é a representação do povo em movimento, não se prende a reflexões ou questionamentos intelectivos.
A expressão “povo em movimento” usada do parágrafo anterior não significa apenas a massa mobilizada geograficamente. O chamado “povo na rua”. Não. Serve também para a medição de humor da opinião pública, na rua ou em casa, movida por paixões momentâneas.
A palavra “povo” aqui expressa não leva em conta o rigor significativo, consistente na constatação de que somos ainda um pré-povo, derivado da pré-humanidade que habita o planeta.
Nem a observação de que povo é tão somente uma abstração, usada e manipulada ante a presença hegemônica e maléfica do Estado.
O Estado corrupto arroga-se o direito do combate à corrupção. Violento, diz combater a violência. Ineficiente, vende-se como necessário. Inútil, mostra-se insubstituível. Perdulário, cobra parcimônia.
Mas esse não é o tom do presente texto. Quero aqui tratar de coisa mais amena, da fisionomia volátil e tragicamente ridícula da massa; ou do povo em movimento. Trágica porque oscila entre desgraças ou convulsões. Ridícula pela mutação descaradamente movida por paixões.
A paixão é uma deformação afetiva. Um impulso da condição humana, que no indivíduo imbeciliza e no coletivo convulsiona.
Nos dois casos não há controle do processo deflagrado. E geralmente vira monstro, após nascer inofensivo.
A lição de Samuel Taylor Coleridge nos remete à reflexão: A paixão escurece nossos olhos e a luz que a experiência nos dá é de uma lanterna na popa; só ilumina as ondas que já passaram.
Foi dessa máxima que Roberto Campos retirou o título das suas memórias, “Lanterna na Popa”.
O gosto do povo é de paladar oscilante. Gustativamente confuso e pueril. Levado por paixões que dispensam avaliações e questionamentos. Sai da canonização para a excomunhão sem qualquer escrúpulo analítico.
Há uma assertiva do pensamento puro de que a exemplificação empobrece o raciocínio filosófico. Posto que a argumentação deva bastar-se pela força do enunciado. E o exemplo reduz o alcance genérico.
Mas não resisto e exemplifico. No auge da crise política de 1954, Getúlio Vargas percebeu que perdera o apoio popular. Fora vaiado na última viagem oficial, que fez a Minas Gerais. Na ida e na volta. Sentiu a falta do apoio popular para tentar a resistência.
E para não ser um morto-vivo, como chamara, nos anos Quarenta, seus adversários dos anos Vinte, resolveu não repetir o gesto da primeira deposição. “Daqui só saio morto”. Era o cemitério em vez de São Borja.
Apostou na comoção que o passional fabrica. Um cadáver e uma carta disparam o projétil cujo alvo foi o coração do povo.
A madrugada alterou tudo. E a crise mudou de lado. Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.
Como sempre, um fascínio ler esses textos. Por falar em povo, a coincidência na prova de História de meu neto.
Veio a pergunta: Qual povo veio para trabalhar na cana de açúcar? (mais ou menos, isso).Ele respondeu : “Os negros”. Errou. Deveria ter respondido… africano. Fico conjeturando se a pergunta deveria ser: Qual a nacionalidade do povo que veio trabalhar na cana de açúcar? nem me atrevi a arguir isso. Coisas de avó…ele só tem oito anos…Risos
Texto sábio e esclarecedor. Há épocas em que o povo não está preparado para o avanço civilizatório do momento, tal como o povo francês não estava pronto para exercer a liberdade civil em 1789, daí por que à Revolução se seguiu o período do Terror. Nosso povo não está preparado para avançar.