Por Inácio Augusto de Almeida
Da antiga canção, que tanto gostava, nem se lembra mais. Os sonhos findaram. Foram tragados pela dura realidade e afogados no mar das desilusões.
Nem mesmo a saudade ficou dos poucos bons momentos vividos.
Apenas vagas lembranças ainda surgem para lembrar quimeras perdidas.
O que já foi motivo de riso, hoje, transformado está em choro.
E chora.
Chora ao olhar folhas mortas caídas no chão sendo levadas por um simples sopro. Lá em cima nuvens passam em direção a um destino desconhecido.
A dúvida se instala e fica a questionar se foi transformado em uma folha morta ou em uma nuvem sem destino.
Apenas uma certeza tem.
Certeza de que a vida não é mais do que uma grande trapaça. Trapaça onde o bem só vence o mal nos contos de fadas.
Na calçada da igreja vê drogados deitados com os olhos fixos no nada, como no nada sabem que estão suas vidas. Vidas sem hoje e sem amanhã. Um padre se agacha e tenta levar, aos caídos e vencidos, algumas palavras de fé e esperança.
Palavras já ditas sem muita convicção.
No outro lado da rua um moderno supermercado, onde carros de luxo estacionam e deles descem madames e crianças risonhas que nem percebem tão próximas estão das vítimas de um sistema injusto que a alguns tudo nega.
Um carro da polícia passa na sua ronda vespertina. Sabem os policiais do consumo de drogas, mas vencidos estão pelo prende/solta e já se acostumaram àquela cena. Cena dantesca apenas aos que vivem, juntos com Alice, num mundo maravilhoso.
Constata que a guerra contra as drogas foi perdida e até se lembra da declaração de um líder político dizendo que mal nenhum existia em furtar um celular para trocar por um cigarrinho de maconha.
No rádio a música SE SEGURA MALANDRO…
Sabe ser impossível o céu na terra, mas se esforça na teimosa luta contra o inferno que se agiganta e a tudo e a todos vai dominando completamente.
Sente ter ficado parado no tempo, apegado a valores, hoje, considerados quixotescos.
Perdeu o trem.
Perdeu o trem ao insistir que o crime não compensa, mesmo vendo o crime organizado umbilicalmente ligado ao que de mais podre existe na política.
Sabe do financiamento de campanhas com dinheiro sujo de sangue.
Tem conhecimento do crescimento do roubo de cargas e da pulverização que é feita do produto do roubo com os comerciantes de pequenas cidades. Comerciantes que estocam o roubo dentro das suas casas de muros altíssimos para evitar qualquer fiscalização.
Observa que todos percebem o enriquecimento meteórico destes grupos, mas calam. E os que deviam combater o crime fecham os olhos.
Tornou-se lucrativo e seguro nada enxergar.
Lucrativo porque escaparão de um final de vida na penúria de uma aposentadoria humilhante. Seguro por não ter que contrariar pessoas tornadas poderosas pela conduta desonesta.
Perdeu o trem.
Disto ficou certo ao ouvir de políticos que o governo só está interessado na quantidade de votos que cada corrutela dá para nenhuma mudança acontecer.
Dentro de si explode o grito de que a podridão não se manterá.
Tem certeza de que o descarrilamento acontecerá. Sabe que poucos não poderão manter tantos na miséria indefinidamente.
Acredita ser tudo apenas uma questão de tempo.
Continua um sonhador.
E assim morrerá.
Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista
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