domingo - 04/06/2017 - 14:24h

Teatro de horrores

Por François Silvestre

País do futebol, samba, jeitinho, frevo, carnaval, hipocrisia moral, frivolidade religiosa, mungangas e trapaças, das contravenções consentidas, do complexo de inferioridade, da geografia ímpar e da historiografia distorcida.

Somos tudo isso. Democracias de intervalo entre ditaduras criminosas. Também somos isso. Portadores de ingenuidade marota, com método. Espertos no secundário, bobos no fundamental.

Somos incultos e ousamos fazer chacota de quem estuda. Sábio, aqui pra nós, não é o estudado. É o que “vence na vida”. E vencer na vida é demonstração ostensiva de fortuna, vida boa e esbanjamento.

Os estudiosos da nossa índole, na sua quase totalidade, optaram por análises superficiais e conclusões generosas. Geralmente certeiros nas análises, mesmo superficiais, e incertos nas conclusões, mesmo aprofundadas.

Sérgio Buarque viu bondade originária, que produziria índole pacífica. Não precisa muito esforço para se negar essa avaliação. Gilberto Freyre abasteceu-se de assertivas prováveis para emitir conclusões improváveis. Veja-se o caso da sua conclusão sobre a frieza do índio macho e facilidade de acesso ao nu da índia fêmea, que atraíra os navegantes.

Daí ele concluir a importância maior da índia fêmea sobre o índio macho na formação do nosso povo. A assertiva é verdadeira; porém a conclusão é falsa. Nem o índio era frio nem os navegantes vinham de terras pudicas. O índio não era frio, era natural. Desprovido da sensualidade erótica dos europeus. Se os navegantes quisessem erotismo, ficariam na Europa. Lá era o paraíso da putaria.

Darcy Ribeiro optou pela antropologia do otimismo, na crença de um futuro brilhante resultante da miscigenação. Decantava argumentos com base no resultado de um povo do porvir, que sairia de uma mistura ímpar na história da humanidade.  A naturalidade do índio, a espiritualidade do negro e a tecnologia do europeu.

E cada um desses vindo de outras misturas antigas. Alanos, suevos, godos, visigodos, árabes, latinos, mouros. Moçambicanos, bantos, haussás. Guaranis, tupis, nuaruaques, carijós, aimorés, marajoaras. Somados aos imigrantes mais recentes.

Euclides da Cunha, numa obra fenomenal, expôs a antropologia da resistência. Fixando sua observação num tipo humano, geograficamente localizado, capaz de reincidir, com abnegação, no confronto a todo tipo de adversidade. Não teve pretensões científicas, mas acabou produzindo ciência. Além da beleza literária de uma denúncia edificante.

Manoel Correia de Andrade, Rui Facó, Josué de Castro, Caio Prado, Ariano Suassuna, Câmara Cascudo e outros cuidaram da índole, costumes, tradições.

Ninguém conseguiu prever o atual teatro de horrores.

Ladroagem, violência, intolerância. Antropologia de símios bípedes. O futuro certamente terá vergonha do nosso presente.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. João Claudio diz:

    ”O futuro certamente terá vergonha do nosso presente…”

    …tão quanto sentimos hoje vergonha da escravatura no passado.

    No brasil, o amanhã é sempre pior que ontem e o hoje.

    Costumo repetir que, para milhões de brasileiros, se o país mudar o curso no sentido de encontrar a seriedade, estraga tudo.

  2. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Como sempre, lúcida e original análise do nosso François Silvestre acerca da nossa realidade política, histórica, e social. Donde se extrai, inclusive peculiaridades no que diz respeito vários estudos da nossa indole e natureza social.

    Muito embora, concorde com alguns e discorde de outros aspectos do sempre talentoso e prazeiroso texto com que nos brinda François, continuarei acreditando no porvir de onde sairá uma seleção e uma mistura impar e civlizatória na história da humanidade brasileira.

    Não sei se arrebatado e (ou) abestelhado pela obra escrita e (ou) pelo envolvente discurso verbal de Darcy Ribeiro, o fato é que a esperança espreitada pelo Sociólogo, antropólogo e politico nos anuncia com otimismo essa fulgurante realidade que espera o povo e nação brasieira em seu porvir.

    Por fim, entendo que, inclusive nesse aspecto, ainda, deveras engantinhamos na contrução desse processo, pelo que, ainda teremos que adminstrar inúmeras crises e contradições, claro, caminhar bastante no afã de alcança-lo, quem sabe daqui umas 10 (DEZ) gerações.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  3. João Claudio diz:

    Esse engatinhamento está acontecendo de forma ”patrasmente”, em marcha ré reduzida.

    Quanto à ”civilizatória” , eu já comentei sobre isso.

    A solução, a meu ver, é trocar o sangue ruim do brasileiro e injetar um sadio, preferencialmente um sangue suíço, norueguês, dinamarquês, neo zelandês, alemão (ops! não confundir com o Morro do Alemão, Rio de Janeiro – The Hell).

    Se essa missão é impossível, não é problema meu.

    Com exceção de uma filha que mora em Natal (coitada, brigo com ela todos os dias…”Vá embora enquanto é tempo, minha filha”) KKKKKKKKKKKKKKKK os demais filhos VIVEM e moram no primeiro mundo.

    Aleluia! Aleluia! Aleluia!

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