Abaixo, uma crônica que eu gostaria de ter escrito, se tivesse talento para tanto. Seu autor é o jornalista Rubens Lemos Filho, numa homenagem pessoal à sua mãe, que tomo emprestada para exaltar todas as mamães, a começar pela minha, dona Maura, minha fada-madrinha.
Eu sou devedor da minha mãe. Sou muitas vezes impaciente com ela. Visito pouco a minha mãe. O meu álibi é a falta de tempo. Minha mãe me liga dia sim, dia não. Eu atendo. Muitas vezes não retorno. É um estresse a minha vida. Mas a minha mãe precisa ter um pouco mais de prioridade. Afinal de contas, sem ela, meu pai não teria me feito numa proveta inexistente em 1970.
Quando eu tinha um ano, foi nos braços dela que eu voltei do Chile quando caiu o Governo Salvador Allende, Palácio La Moñeda bombardeado pelas forças satânicas de Pinochet. Meu pai, exilado polÃtico, nos mandou de volta para o Brasil. No avião , agentes disfarçados da Repressão prenderam minha mãe na escala no Rio de Janeiro. Queriam notÃcias do meu pai, queriam que ela dedurasse o homem que amou em toda a sua vida e até depois de morto.
Fizeram tortura psicológica. Ameaçaram me tomar. “Seu filho vai ser educado na Febem”, disse um lambaio dos repressores da época. Minha mãe teve um gesto só das mães. Fechou-me em seu peito e berrou, grávida da minha irmã Yasmine. “A minha vida vocês podem tirar, mas o meu filho vocês não tiram”. Estou vivo até hoje.
Esta semana eu não fui ver uma grande amiga da minha mãe, Dona Francisquinha Dias Leão. Assistiam missa juntas quase diariamente. Eram duas carolas. Duas não, três, porque a minha avó de 87 anos ia com elas aqui e acolá. Dona Francisquinha morreu de uma queda. Com a partida dela, subiu minha admiração no ateÃsmo. Deus, tão bom, tirou uma mulher que o amava de uma queda. O filho dela, médico Marcos Leão, é gente da melhor qualidade. Não quero imaginar o domingo dele.
Voltando à minha mãe, que se chama Isolda, católica de ler a BÃblia ao contrário ou de cabeça para baixo, é um exemplo de sofrimento e luta. Me criou e aos meus irmãos com a maior dignidade e um sacrifÃcio estóico . Nenhum saiu para mau caráter. Todas as mães são heroÃnas. Só lamento o amor duplicado que ela tem pelos meus filhos e sobrinhos. Besteira minha. Aliás, é ciúme.
Rubens Lemos Filho – Jornalista
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