Por François Silvestre
O Brasil não é a Pátria que as circunstâncias nos oferecem. O país existe, porém é órfão de pátria. A geografia exuberante e incomparável é única, embora pagando o preço da estupidez agressiva que a maltrata e a corrompe.
Mesmo que morram florestas, sequem rios, esmoreçam lagos, extingam-se viventes da fauna e da flora, até assim, a geografia do Brasil continua ímpar.
Porém, a pátria não é a mesma. Nunca, nem nos tempos sombrios e terríveis da Ditadura fascista, a pátria foi tão carente da letra maiúscula na sua denominação. Somos um país gigante gerido por uma pátria nanica. O que diria Rui Barbosa da sua definição, se pudesse ver a pátria de agora:
“A pátria não é ninguém: são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade”.
Se na Ditadura a liberdade foi sangrada, os lares violados, a vida em risco, o céu escuro, a consciência maculada, a ausência da lei, o povo ajoelhado, mesmo assim, a Pátria sobrevivia na esperança da resistência.
E a resistência se dava em cada local, da mais erma estepe até ao escancarado das praças maculadas. Do silêncio contestante ao berro da revolta.
Do sentido escondido do texto poético ao apelo codificado da canção de combate.
Da bruxuleante luz da lamparina ao raiar do Sol, num nascente de espera. Até nos porões, onde a Pátria emprestou vida ao útero fedido dos seus Cáceres. A espargir o miasma de sangue e sêmen.
E depois, no inventário das cicatrizes, o Poeta Polari de Alverga acusou: “Eles costuraram tua boca com o silêncio”. E mais: “As manchas de sangue, ressecadas nas vestes que sobraram, exalam um estranho cheiro de súplica”.
Nem assim, com toda essa desgraça pesada e sentida, A Pátria virou minúscula. Nem assim.
Foi preciso a mediocridade do presente para apequenar a Pátria da oração de Rui. O tempo de hoje achatou o “P” maiúsculo, numa pátria de fantoche. Fancaria de uma ópera bufa, burlesca encenação da patifaria.
Não há quase nada de uma pátria a exaltar. Apenas o belo país e a cultura de sua gente. A mesma cultura que o poder público trata como se tratavam as prostitutas velhas nos becos fedidos dos cabarés antigos.
E a política? Qualquer definição dessa atividade, hoje, nos leva à proibição etária da imoralidade. A Pátria que sobreviveu na escuridão, dilacerada, deixou-se assassinar na claridade. Saudade da penumbra? Não. Tristeza da clareza suja.
O Brasil é hoje um país à beira do suicídio institucional. Do alto do precipício, a mendigar socorro: “Minha geografia por uma Pátria”.
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.
François Silvestre é escritor, sabe usar as palavras corretas para a situação na qual nos encontramos. Na minha linguagem restrita, chamei-me de apátrida, dia desses, porque não reconhecia a pátria em que vivo e não tenho intenção de assumir outra.
Pois é, Naide. Dia desses, num Mirante de Martins, o assunto girou em torno da ausência de grandes nomes da nossa política. E Dix-Huit Rosado foi citado por todos os presentes como um símbolo dessa lembrança.
Obrigada, François Silvestre. Beleza ler isso escrito por sua inteligência que tanto admiro.