Por Paulo Menezes
Há 18 anos, Antônio Menezes, o Tota, meu querido pai, partiu desta para outra dimensão. Nesse sábado (7 de março de 2020), completaria 102 anos. Viveu 84, bem vividos, com grande intensidade.
Feneceu deixando um legado aos 7 filhos, qual seja, um pai à toda hora presente, criando sua prole com a dificuldade de um orçamento apertado, mas dando aos filhos a educação necessária e um exemplo de vida.
Dele, guardo inúmeras e boas recordações, pois além do convívio doméstico, foi com ele que a partir dos 14 anos iniciei minha vida laboral na empresa “Menezes & Irmão”. Depois, o auxiliei como motorista do Jeep Toyota em nossas viagens semanais à salina de Jorge Moyse França, que ele gerenciava.
O ajudei também na loja “A Preferida”, tendo sido ele o primeiro agente da Loteria Federal e Esportiva da cidade.
Nas férias escolares, conduzia toda a família para a encantadora praia de Tibau. Ali, no fulgor da juventude, vivi um período mágico de minha vida, construindo memórias afetivas tão profundas que nem o tempo conseguiu apagar.
O Tota, era amante das vaquejadas, e eu, pra variar, apesar de não gostar do esporte, estava sempre ao seu lado. Fui também seu companheiro das inenarráveis caçadas de nambu e avoete. Na verdade, nosso passatempo era mais um acampamento de amigos do que a caça propriamente dita.
Para ser franco, deixamos poucas nambus e avoetes viúvas em nossos finais de semana em que passávamos arranchados por esses sertões afora, sempre protegidos pela sombra de um juazeiro copado, uma catingueira florida ou uma oiticica de folhas largas e fria.
Chegávamos sábado à tarde, armávamos nosso rancho, uma lona de 10 x 8 metros, banheiro adaptado numa lata de querosene Jacaré, com direito a chuveiro e a um banho frio e reparador, após a caminhada matinal na caatinga verdejante e esplendorosa com o início da quadra chuvosa.
Estirávamos as redes, abríamos a garrafa de um bom vinho e o papo rolava noite adentro numa confraria em que limpávamos nossa mente do estresse da cidade grande, conturbada e violenta. Manhãzinha cedo, parafraseando o poeta e repentista Ivanildo Vila Nova, acordávamos com a natureza em festa, “pois no sertão quando rompe a alvorada, na floresta desperta a passarada, canta uma canção tão afinada que parece uma orquestra universal, num concerto de música diferente da orquestra sinfônica que Deus fez”.
Tendo como componentes o pio admirável das inhambus xintã e chororó, o canto sonoro das sabiás, galos de campina e corrupiões, o arrulho soturno da juriti, o cantar melancólico do anu-branco, cadenciado da rolinha fogo-apagou, belo e estridente da seriema, deixando a todos nós extasiados com tanta beleza.
Entre os participantes do lazer semanal havia um pescador arremessando a tarrafa e trazendo para a margem, do açude, curimatã, piau, tilápia e tucanaré, que cozidos ou fritos no fogo de chão, faziam parte do cardápio do almoço dominical. Final da tarde, hora de desarmar a barraca e regressar para nos prepararmos para a nova jornada na semana seguinte.
Dezoito anos se passaram de sua partida e em mim sua lembrança continua forte e muito presente.
Agora, com a chegada das chuvas e o prenúncio de um bom inverno, o vejo na calçada, início da noite, cadeira de balanço, rádio sobre o colo, olhar atento para os últimos raios do sol poente em fogo, afirmando:
– Hoje só me recolho quando o relâmpago “cortar” o céu do sertão.
Tempos bons. Saudades. Muita.
Paulo Menezes é apicultor
Beleza de texto. Conheci a figura!
Bonito texto amigo. Escreve como contista dos bons
Parabéns pelo belo texto Seu Paulo Menezes, lembrei do meu pai!
Que texto maravilhoso. Deu saudade do meu velho….
Que lembranças maravilhosas ! Bela crônica. Parabéns, Paulo Menezes.
Bela crônica. Toca a alma. Parabéns.