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domingo - 30/05/2021 - 07:30h

Velho tema

Por Marcos Ferreira

Sendo bastante franco, pois é bom que exercitemos a franqueza de vez em quando, há certos dias em que me sinto inseguro, sem confiança no meu próprio taco, e alimento dúvidas de que estes meus malabarismos com as palavras possam agradar às pessoas que me leem, ou lhes servirem para alguma coisa, na prática. Vou logo avisando que não se trata de falsa modéstia. Não, senhoras e senhores.livros, escritor,Falo assim porque a leitura de alguns autores e obras me faz conservar meus pés bem firmes no chão, impedindo-me de inflar, de sair por aí com aquele ego e jactância tão peculiares aos narcisistas do universo intelectual, daqui quanto alhures.

É preciso (ao menos é o que eu acho) que as páginas que escrevemos sejam proveitosas para quem as lê. Do contrário, ainda que o texto seja muito aprazível e comportadinho, o leitor não cairá na mesma armadilha ou tapeação. Cativar o leitor significa oferecer-lhe bem mais que palavras adocicadas. A depender do indivíduo, do seu paladar ou nível glicêmico, há circunstâncias em que uma boa caneca de café amargo pode fazer mais sucesso que um pudim de leite.

Com isto, à maneira de Jorge Luís Borges, quero dizer que me orgulho mais dos livros que li do que daquelas que escrevi. Então, a exemplo destas crônicas dominicais, que meu editor Carlos Santos tem a coragem de publicar em seu concorrido blogue, minha verve é mediana, palavrinha esta com que me esquivo do termo medíocre, cuja acepção de maior notoriedade é depreciativa.

Apesar dos pesares, sem melhor desempenho noutro ofício, noutro mister, noutro ramo de arte ou atividade remunerada, insisto no manejo do alfabeto. Persevero nesta solitária carpintaria do nosso idioma, nos arriscados malabares da língua portuguesa, sobre a corda bamba e sem rede de proteção.

Tornei-me escritor porque não consegui ser outra coisa na vida. Fui incompetente ou fracassei em tudo o mais que me dispus a realizar. A minha carteira de trabalho é prova do meu acanhado histórico profissional, onde meu vínculo com uma fabriqueta de calçados talvez seja a atividade de que mais eu me orgulhe.

Escrever é minha apoteose, é o meu barato, a minha praia, meu oceano, a minha onda, o meu habitat. Exceto isto, sou um peixe fora d’água, um estranho no ninho, impostor. Entre letras e palavras, ouso afirmar, eu me sinto em casa, são e salvo.

Nessas horas penso no quanto é necessário valorizarmos e respeitarmos o tempo que nossos supostos leitores dedicam às páginas que produzimos. Leitores são plateia fina, preciosa, artigo raro, quase um luxo. Valorizemos tal categoria, não desperdicemos o tempo daqueles que nos leem com sensaborias, nonadas, empulhações, mixórdias.

Há ensejos em que o estimado leitor e a gentil leitora têm outros afazeres e preferências para o momento, além destas linhas que ora cometo sem grandes expectativas de aplauso, e findam pausando tais prioridades para saber o que estamos contando numa crônica subnutrida e de curto fôlego como esta.

NÃO RARO eu tenho a forte sensação, ao ler ou reler grandes obras de autores vultosos, nacionais quanto estrangeiros, de que somos (falo por mim) o substrato do substrato da literatura. Pois é, bate esse complexo de inferioridade, como se o que escrevemos (escrevo) fosse a escumalha, a borra da arte escrita. Papel aguenta tudo, é depositório de gemas preciosas e de pedras falsas.

Compreendo, contudo, que os leitores também são outros, quiçá mais indulgentes, inclinados a perdoar e até bendizer uma literatura, digamos, de brilho e quilate menores. O padrão de excelência e êxito de um escritor como Machado de Assis, para nos atermos aqui às letras nacionais, é altíssimo, virou unanimidade e transcendeu o próprio tempo. Mas não só da obra do grande Machado vive e é feita a literatura brasileira.

Então, minhas senhoras e meus senhores, fiando-me na diversidade de gosto e de plateia, na subjetiva margem do que venha a ser literatura de boa qualidade, sigo com a minha luta neste obscuro ringue das palavras.

De um lado, de estatura intelectual franzina, este sapateiro das letras. Do outro, sempre favorita e imbatível, a Literatura com os seus punhos de ferro. Várias vezes fui derrotado por pontos; noutras ocasiões, por nocaute, e beijei a lona. Entretanto, eis-me de pé, embora ligeiramente grogue, oferecendo a cara à tapa, sujeito a novos golpes de infertilidade e a novo tombo. Mas, como Davi perante Golias, não fujo da raia. Não teme a derrota quem da derrota é produto.

Por hoje, minhas senhoras e meus senhores, é só isto que lhes tenho a dizer. Perdoem a brevidade e a magreza deste velho tema: o ato de escrever, já tão batido, repisado e banal. Todavia não convém ficarmos aqui enchendo linguiça e a paciência do leitor. Até o próximo round. Isto é, domingo.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Odemirton Filho diz:

    Marcos Ferreira, seus textos são puro talento, sensibilidade, emoção.
    Continue lutando com as palavras. Você sempre ganha.
    Eu continuarei na plateia, aplaudindo. De pé.

    Forte abraço, meu dileto.

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado Odemirton,
      Como diria o professor e poeta Aluísio Barros, ganhei o meu dia com esse seu comentário. Espero continuar fazendo valer a pena o tempo que o amigo dedica à leitura dos meus textos.
      Grande abraço e um ótimo domingo para você e sua família.
      Marcos Ferreira.

  2. Francisco Amaral CAMPINA diz:

    Bom dia, ainda vou ler vc comentando política nacional e internacional. Um grande Abraço parabéns!

    • Marcos Ferreira diz:

      Querido amigo Francisco Amaral Campina,
      Boa tarde…
      Eu sabia que a qualquer momento essa cobrança ia bater à minha porta. Vinda da sua parte ou de qualquer outra pessoa. Pois se trata, claro, de um tema importantíssimo. A questão é que eu, de tanto que já bati nessa tecla da política, local quanto nacional, estou feito Teresa Batista, cansada de guerra. Cansado de me expor, de mostrar a cara, atrair a ira dos poderosos e ser perseguido, sabotado e depreciado sem que na hora H “ninguém” viesse em minha defesa. Tenho minha consciência e responsabilidade enquanto cidadão, porém hoje em dia estou evitando me intoxicar com tantas coisas nefastas que acontecem neste país e diante das quais me sinto impotente. Abandonei a guerrilha verbal e atualmente estou focado na minha literatura e no tratamento da minha saúde e higiene mental. Saí do varejo e concentrei minhas energias e opiniões acerca de política em livros que devo publicar em breve. Deixe estar.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  3. ROZILENE FERREIRA DA COSTA diz:

    Bom dia para tod@s!

    Bom dia meu caro escritor.
    Terei que me ” vestir” de um rico léxico e vocabulário para responder ou comentar à altura! Inspirar-me-ei para não escrever bobagens, porque esse texto é celestial. Como é de praxe…não é? Não tem jeito: a palavra é sua, você a tem, você a domina. Que texto belíssimo, meu Deus! Mais uma aula dominical. Obg, mestre.

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Amiga Rozilene,
      Boa tarde…
      Você, com a sua voz própria, peculiar, tocante, é uma fonte de inspiração a contribuir com minha atividade literária. É sempre uma grande alegria quando consulto este espaço reservado ao leitor e encontro uma mensagem sua sobre os meus escritos. Muitíssimo grato! Grande abraço para você e Edu.
      Marcos Ferreira.

  4. Rocha Neto diz:

    Sua rede de proteção, amigo Marcos, é sua inteligência referendada nas letras do nosso alfabeto e na maestria com que você faz a junção dos seus pensamentos, tenho certeza que você se sente realizado em fazer a oração cotidiana criando e montando crônicas perfeitas como a que estar na tela acima, os carnavalescos do Rio de Janeiro e São Paulo se realizam na apoteose do samba, você na nossa apoteose cultural, as duas fazem bem a alma de quem ama com irreverência àquilo que sabe fazer, e bem.
    Daqui do meu cantinho em um dos flancos que me abrigo, ficarei na arquibancada atento aguardando a sua entrada no próximo domingo para o aplauso devido ao grande cronista que reside em nossa amada terra de Santa Luzia. Inté lá.

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Prezado Rocha Neto,
      Boa tarde…
      Agradeço, mais uma vez, por sua participação neste espaço e pela leitura de minhas crônicas. Suas palavras, a exemplo das mensagens de outros leitores, representam um carinho especialíssimo na alma, um valioso incentivo a seguir com a minha prosa nesta vitrine dominical. Sim, você está absolutamente certo, eu me realizo a cada página escrita, a cada texto que exponho aqui ao crivo das pessoas que me leem e opinam sobre tais conteúdos. É um grande prazer e honra.
      Forte abraço e até domingo.
      Marcos Ferreira.

  5. Cristiane dos Reis Braga diz:

    Ousado, “Não teme a derrota quem da derrota é produto”. Nocaute! Ao menos esse round você ganhou. Força, outros virão! Ufa…

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Querida amiga Cristiane dos Reis,
      Você, em tão poucas palavras, sintetiza o que representa esta minha peleja com o bom combate da escrita. Uma escrita audaciosamente oferecida em forma de arte literária. Ao menos é isso o que tenho buscado ao longo destes muitos anos de minha atividade e trajetória enquanto homem de letras. Seguirei com a luta. Grato pela leitura e comentário.
      Grande abraço e até domingo.
      Marcos Ferreira.

  6. Fabiano diz:

    Continuo e continuarei a admirar sua escrita e sua transparência. Que você possa continuar abusando desse velho tema. Seu texto “é um deboche!”, como costuma dizer um narrador esportivo ao tratar de uma jogada majestosa. Parabéns!

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Meu caro Fabiano Souza,
      Adorei essa comparação: “Seu texto ‘é um deboche!'”. Senti-me, para driblar minha timidez e entrar no clima futebolístico, um craque. (Rsrs) Muitíssimo obrigado pela leitura e comentário.
      Forte abraço,
      Marcos Ferreira.

  7. David Leite diz:

    Parabéns Poeta!!!
    Abraços
    David Leite

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Prezado David Leite,
      Fico feliz que tenha lido e gostado deste “Velho tema”.
      Abraço forte,
      Marcos Ferreira.

  8. Marcos diz:

    Caro Francisco Amaral, conhecendo esse meu amigo Marcão “pois é assim que costumo chama-lo” falar de política como sugeriu costuma ser épico kkkkkk. Para o leitor que acompanha o escritor Marcos Ferreira saibam que além de sapateiro ele era “ou ainda é” um bom jogador de Vôlei……. Lanço aqui o desafio ao meu velho amigo. Que tal algumas palavras desse tempo FELIZ.
    Deixo aqui o meu abraço a você meu amigo, e o aguardo para o nosso cafezinho de sempre.

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Caro amigo Marcos Rebouças,
      Você agora mexeu nas minhas saudades, nos meus bons tempos de voleibol. Aceito, sim, a sua dica para qualquer dia desses trazer tal assunto para cá. Será um prazer. Estou me organizando, fazendo uns reparos na saúde física e mental, de modo que em breve eu possa recuperar aquela minha impulsão de quase um metro e retornar às quadras de voleibol. Notou como falo sobre isso com orgulho? Pois é. Grato pela leitura e depoimento.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  9. Valdemar Siqueira Filho diz:

    Querido Marcos Ferreira,
    Gosto do texto sobre o narrador de Walter Benjamin, sei que precisamos de narradores que falem e escrevam sobre nossos lugares. Vivemos em uma sociedade que não deu certo, sua direção é em sentido direto ao final do planeta, tudo destruímos e ser bem sucedido neste contexto não parece ser coisa boa.
    Na literatura, fora o genial Machado, adoro o Barroco brasileiro e latinoamericano, enviei para vc um vídeo do poeta Amálio Pinheiro que lê um poema de Nicolás Guillén. Tudo isto para dizer que a literatura pertence a um espaço, gosto da ideia que o nosso espaço é barroco, tem duplo centro, é exagerado, sensual, já o Europeu é clássico, simétrico, ordenado.
    Me identifico plenamente com sua inadequação, na verdade, não tenho respeito pelos bem sucedidos, acredito que a vida só respeita o amor e ele na sua generosidade não permite sucesso. Adorei seu texto, parabéns

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Caro amigo Valdemar Siqueira,
      Boa tarde…
      Antes de mais nada, muito obrigado por sua leitura e seu ilustrado comentário sobre este velho tema que é a literatura desterrada, a exemplo do que foi a vida (como decerto a obra) do grande Walter Benjamin, alemão com alma de judeu. Quanto à minha inadequação à vida em rebanho, como diria o nosso querido amigo Antônio Alvino da Silva Filho, admito que isso é algo patente na minha escrita. Tento, porém, e sem autocomiseração, sobreviver ao rolo compressor da sociedade, que a tudo processa e encaixota para o consumo fast-food do nosso cotidiano imediatista e varejista, estado de coisas em que o poético barroco inexiste. Quanto ao longo e interessante vídeo do poeta Amálio Pinheiro, que lê um poema do cubano Nicolás Guillén, considero como uma aula riquíssima. No mais, meu caro, sinto-me honrado por sua leitura e presença neste ambiente de informação e cultura.
      Abraço forte,
      Marcos Ferreira.

  10. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Encantadora Crônica. Vem, o escritor do texto, nos mostrar o que é a simplicidade naqueles dotados com o privilégio da escrita. Vem fazer-nos torcer para que chegue o próximo domingo.
    Parabéns, amei!

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Prezada Q1naide Maria Rosado de Souza,
      Boa tarde…
      Muito obrigado por suas precisas e carinhosas palavras sobre a minha atividade literária, em particular acerca deste velho tema que é o ato de escrever ou, em algumas circunstâncias, sobre a falta do que escrever. Espero, sim, contar com a sua preciosa leitura no domingo que vem. Um grande abraço e uma ótima semana para você. Saúde e paz.
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

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