Por Inácio Augusto de Almeida
De dentro do ônibus, já quase noite, avista ao longe um avião que passa com destino ao Norte.
Talvez para Fortaleza ou Belém.
Olha para os passageiros e vê crianças comendo biscoitos baratos. Na parada para o almoço ficaram brincando com uma velha bola para passar o tempo e espantar a fome.
Olhou buscando o avião e só viu as luzes, azul e vermelha, na ponta de cada asa.
O sol, entre nuvens vermelhas, anunciava a chegada da noite.
A ponte, que separa Juazeiro de Petrolina, tinha ficado para trás e imaginava chegar a Fortaleza manhã cedo.
Sabia que o avião, se o destino fosse Fortaleza, logo estaria chegando.
Acomodou-se na cadeira do ônibus e disse para si que apenas mais uma noite e também estaria em Fortaleza.
Fechou os olhos, mesmo sabendo que não conseguiria dormir.
Conseguiu apenas um mergulho nas suas memórias.
E lembrou-se da concessionária de carros de propriedade do seu pai. Da grande festa na mansão, quando o irmão se elegeu deputado federal. Era ainda um meninote…
Nunca se esqueceu da chegada das novas marcas de carros e de concessionárias mais amplas e modernas. Seu pai falava de uma tal concorrência, mas naquela idade não compreendia o que aquelas mudanças iriam significar na vida de toda a família.
Não conseguia dormir. Chegava mesmo a ouvir o choro do pai, da mãe e do irmão, principalmente do irmão, no dia que não conseguiu renovar o mandato de deputado federal. Recordações…
Do avião conseguiu ver o ônibus e lembrou-se da escola pública onde estudava no período noturno após deixar o trabalho de ajudante de pedreiro na construção de uma ponte. E da caminhada da ponte até a escola, por não ter dinheiro para pagar a passagem do ônibus, não tinha como esquecer.
Estudava depois que chegava da escola e, já quase 10 horas da noite, para vencer o sono e o cansaço, colocava os pés dentro de uma bacia com água.
O belo sorriso da aeromoça, a lhe perguntar se preferia camarão à francesa ou escalopinho, para o jantar, e se desejava vinho ou cerveja, o libertou daquelas tristes lembranças.
A noite caiu e trouxe a escuridão. Os meninos já tinham acabado as bolachas e perguntavam se estava perto do ônibus parar.
Lembrou-se da mesa sempre farta do seu tempo de garoto e dos bons restaurantes onde seu pai parava quando das viagens de puro lazer.
Não sentia fome. Aquele avião que passou lhe trouxe saudades da melhor fase da sua vida. Uma época onde tudo era lindo e maravilhoso. Tempo em que para passar de ano no colégio nem precisava estudar. Escola de mensalidade caríssima e de professores compreensivos.
Riu quando lembrou-se de como conseguiu driblar o vestibular com um outro estudante, já no último ano do curso, fazendo as provas em troca de um dinheirinho.
As crianças faziam uma festa porque o ônibus parou.
Desceu, só para estirar as pernas. E olhou para o lindo céu estrelado. Não sentia a menor vontade de comer. As emoções…
Voltou ao ônibus e finalmente conseguiu dormir um pouco.
Ao descer na rodoviária, em Fortaleza, toma um susto.
Dá de cara com o estudante que fizera o vestibular por ele.
– Antônio, quanto tempo?
– Francisco, você aqui, nesta rodoviária?
– Estou indo para Uruoca. Lá tenho uma rede de supermercados. Larguei o direito e me dediquei ao comércio.
Antônio conhecia Uruoca com seus 11 mil habitantes e disse que tinha chegado ontem a Fortaleza, vindo de Brasília. Como não tinha avião para Massapé, ia ter que encarar o ônibus. Era dono de uma fábrica de calçados etc.
Francisco lembrou-se do avião que avistara de dentro do ônibus.
Antônio reclamava do ar condicionado do hotel onde dormiu.
No Whatsapp de um velho, que também esperava um ônibus, uma música que falava ter a vida duas escadas…
Francisco e Antônio despediram-se com um abraço e cada um pegou seu ônibus.
Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista
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