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domingo - 11/07/2021 - 07:34h

Ao mesmo tempo

Por Marcelo Alves

Estes dias, num papo sobre a mistura entre literatura e cinema, um amigo fez a seguinte observação: “eu mesmo li livros depois de ver o filme. É outra experiência”. “Experiência”, essa é a palavra. E ela me fez lembrar da ventura que tive, até mais imersiva, de ler um livro e ver a sua adaptação em filme (quase) ao mesmo tempo.

Bom, e antes que alguém me chame de mentiroso, rogo atenção para o “quase” acima, uma vez que ainda estou para conhecer alguém que consiga ler um livro, pelo menos daqueles que “ficam de pé”, em duas horas de filme, ainda mais ao mesmo tempo.o-nome-da-rosa-ogA coisa é mais sutil e gira em torno de “O nome da rosa”, de 1980, romance de Umberto Eco (1932-2016). Basicamente, li o dito cujo quase ao mesmo tempo em que assisti a cenas do filme homônimo, de 1986, dirigido por Jean-Jacques Annaud e estrelado por Sean Connery, Christian Slater e F. Murray Abraham.

Essa experiência visual, que muito indico, me fez enxergar, de uma maneira especial, ao percorrer o livro, o cenário onde se passam os sete dias de “crimes e castigos” imaginados por Eco, sobretudo a antiquíssima abadia da Itália Medieval e sua labiríntica biblioteca. Com a mistura livro e filme, sensorialmente vivi na abadia e na sua biblioteca. E mais: dei rostos às personagens.

O protagonista Guilherme de Baskerville virou Sean Connery; Adso de Melk, Christian Slate; o abade, Michael Lonsdale. E o inquisidor da Igreja, Bernardo Gui (1261-1331), figura histórica, virou F. Murray Abraham, assim como outros nomes do Medievo, como Michele de Cesena (1270-1342) e Ubertino de Casale (1259-1329), ganharam os rostos dos atores que os interpretaram. Foi aqui uma aventura sensorial nas vidas religiosa e ideológica do século XIV, com suas heresias e ortodoxias, que, a partir dali, passam a ter nomes, rostos e vozes.

Mas essa mistura livro e filme, apreciados ao mesmo tempo, é sempre possível? É factível se ler uma parte do livro, parar um instante e assistir a cenas da sua adaptação em filme, como fiz com “O nome da rosa”. As imagens enriquecerão as palavras a serem lidas. Mas acredito que em “O nome da rosa” isso foi ampliado, para mim, pelo caráter semiótico (cheia de signos) da obra de Eco, por sua vez famoso semiólogo.

De toda sorte, a partir da observação de outro amigo, acho que a mistura livros, imagens e sons, quase ao mesmo tempo, é perfeitamente factível em se tratando das franquias do cinema, compostas por vários filmes. Que tal intercalar as leituras de “Harry Potter” ou do “Senhor dos Anéis” com os seus filmes? O espaçamento entre os lançamentos permitiu isso a muita gente. Ou as aventuras do meu amigo James Bond com as suas dezenas de filmes. Que me perdoe Ian Fleming (1908-1964), mas quando o leio, Bond é para mim Sean Connery ou Roger Moore.

E isso se dá com mais razão com as séries de TV ou mesmo as nossas novelas. Elas se espalham num certo tempo. E a gente pode misturar tudo. Se não assisti à novela “O Bem-Amado”, de 1973, eu me deliciei com o seriado homônimo, da década de 1980. Dias Gomes (1922-1999), a quem devemos peça e roteiro, pode ter certeza: Odorico Paraguaçu será para mim sempre Paulo Gracindo; Zeca Diabo, Lima Duarte; Emiliano Queiroz, Dirceu Borboleta.

Já Gabriela, a novela de 1975, que assisti anos depois em reapresentação da TV Globo, me levou a ler concomitantemente “Gabriela, Cravo e Canela” (1958), de Jorge Amado (1912-2001). Para mim, Ilhéus e a cultura do cacau de Amado são, visualmente, o que eu vi nas telas da TV. Gabriela, seus coronéis e seus amantes, serão sempre Sônia Braga, Paulo Gracindo, Armando Bógus, José Wilker, Fúlvio Stefanini e outras estrelas da nossa melhor arte cênica.

Dito isso, encerro fazendo um convite. Vou ver a série “O nome da rosa”, de 2019, que é uma nova produção italiana, alemã e francesa. John Turturro faz o protagonista Guilherme de Baskerville. Soube que a série passa no Starzplay. Quem sabe se assistindo a um capítulo por dia dê tempo de eu reler “O nome da rosa”?

Topam viajar comigo?

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Fernando diz:

    Quem ler o blog de Carlos Santos aos domingos, tem a certeza que está fazendo a coisa certa, mil vezes melhor do que escutar um capeta conversando merda. Blog recheado de cultura com boas cronicas.

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