Por Odemirton Filho
“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.(Antoine de Saint Exupéry)
Quando era adolescente costumava ir à praça Bento Praxedes, por trás do antigo Cine Pax, pois era próximo a minha casa. Por lá, muitos jovens, como eu. Íamos brincar e jogar conversa fora.
A praça Bento Praxedes, para quem não sabe, é a Praça do Codó ou do Relógio. Para mim, sempre será a Praça do Codó.
Com o recente falecimento de Tarcísio Alves, lembrei-me de algumas pessoas. Tarcísio sempre “pintava” pela praça. Era bastante conhecido.
Além dele, vieram-me à mente outras figuras humanas que marcaram minha geração e, com certeza, a de outras pessoas.Era comum, após o término da sessão dos filmes de caratê, os meninos saírem dando “socos” no ar, imitando Bruce Lee. Comigo não foi diferente.
Lembro-me de “Shaolin” (acho que era esse o apelido) que trabalhava ou sempre ficava pelos arredores do Cine Pax. Um dia, “Shaolin” me deu um golpe nas costas, pois não era de aguentar brincadeira de menino metido a lutador.
Havia um senhor que sempre se fazia presente nas festas de aniversário ou casamento, muitas vezes sem ser convidado, e, ao chegar, dizia solenemente: “vim prestigiar”. Era William Gurgel, conhecido por todos e curtia a festa como os outros convidados
Me lembro, ainda, de Murilo Ludgero, sempre vestido com roupas brancas, homem fervoroso na fé, que sempre me perguntava se eu já tinha ido à missa e feito o sinal da cruz ao passar em frente à Catedral.
Zé Maria da banca de jornal, que adorava falar sobre política e futebol. Ele às vezes se exaltava, ficava “brabo”, mas logo a conversa continuava.
Tinha um rapaz que era apaixonado por fusca – César. Eu tive um fusca. Um dia, para meu azar, ele o “pegou”. Coitado do fusquinha.
Existia, de igual modo, um senhor que acompanhava todos os enterros da cidade. Morreu alguém? Podia apostar, o senhor estaria presente.
No dia de finados ou na procissão de Santa Luzia quem não ouviu a pregação de um senhor vestido com um hábito de Franciscano? Ou a voz de Monsenhor Américo: “Mossoró com alegria, saúda Santa Luzia”!
A hora da coalhada, programa de Seu Mané, na Rádio Rural, quem escutou? E Erasmo fotógrafo, quem bateu uma “chapa” com ele?
Após as festas, ir à Cobal lanchar em Zé Leão ou na lanchonete de Zecão, que ficava no alto de São Manoel. Comer uma panelada, lá em Neto, no Mercado Central.
Quem já não viu “Paulo doido” andando pra lá e pra cá pelas ruas de Mossoró?
Pois é. Toda cidade tem as suas figuras humanas. Pessoas simples que ilustram a cena urbana e que merecem respeito. As que mencionei são, apenas, algumas. O amigo leitor, sem dúvida, conhece outras que marcaram sua geração.
Enfim, não quis dizer que essas pessoas fazem parte da geografia humana e da história de Mossoró.
Seria um clichê.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça
Massa!
Parabéns, Professor, pelo texto como um todo. Mas quero “dar” algumas pinceladas.
A frase de Exupéry na abertura; perfeita para ilustrar o texto. O escritor e piloto da Força Aérea Francesa, que segundo os mais antigos, esteve em Natal e ficou encantado com duas coisas: Os Baobás espalhados pela capital do RN e, a receptividade do nosso povo; a forma calorosa como foi recebido, deixou-o encantado.
Importante também abordar figuras da nossa cidade, tive o prazer de conhecer Tarcísio Alves, falecido recentemente. “O homem que sabia a hora sem usar relógio ou celular”, se perguntassem: Tarcísio que horas? Na bucha, ele respondia: 3:15(15:15), podia conferir que estava certo, se errasse, seria por 1 ou 2 minutos. Conheci-o em 1998. Fiquei triste com sua morte.
Frequentei Zé Leão, na COBAL, e conheço Paulo Doido, duas grandes figuras, cada um com forma e ações diferentes.
Lá em ODB, onde morei até os 12 anos, também tinha essa galera que marcou época na história do município. Lembro de um Senhor, mas não lembro seu nome, que era conhecido por Galinha Choca. Um Septuagenário, isso em 88/89, não sei nem se ainda é vivo.
Pois bem. Os meninos da minha geração, juntos a outros mais velhos, ficávamos nas esquinas, escondidos, esperando o horário que ele ia comprar os pães – andava apoiado em uma bengala -, quando passava, era um grito só: GALINHA CHOCA. Ele, atordoado sem saber para onde olhar, pois os gritos vinham de várias partes, respondia: “Não devo a ninguém, até o Prefeito sabe disso, perguntem a ele”.
Depois, uma segunda onda de gritos, com a mesma frase: GALINHA CHOCA, o deixava mais perturbado. Aí ele, subindo o cargo, falava: “Não devo a ninguém, até o Governador sabe disso. Perguntem a Geraldo Melo, se devo a ele”. Na terceira vez, e com os gritos mais fortes, tonitruantes; o senhor, que realmente não sei o nome verdadeiro, ao ser chamado de Galinha Choca, antes de ir embora, falava: “Magote de fela da puta, já falei que não devo a ninguém. Até o Presidente sabe disso. Perguntem a Zé Sarney se devo a ele ou a qualquer corno dessa cidade”.
Aí não falava mais nada. Soltava a bengala, arrumava prumo nas paredes e voltava pra casa. Alguma pessoa, depois ia até sua residência entregar seu arrimo. Foi assim muito tempo, quase toda tarde, só parei, quando meu Pai juntamente com os Pais de outros confrades descobriram e nos proibiram de sair de casa alguns meses. Levei uma surra de cinturão de Seu Edmilson(PAI), que até hoje sinto dores só em lembrar!
Valeu!
Bom Dia dos Pais para todos.
* FICAVAM nas esquinas – corrigindo.
Leitura que nos faz “ver” o que acontecia.
Parabéns.
Conheceu Chico Cabeção, vivia no mercado Central, gostava de andar nos ônibus e, dizia sempre “é doido”! Era meu tio!
Parabéns, Prof. Odemirton. Que texto agradável, de boas lembranças! Retratos de nossa cidade!
Mais um retalho da história pretérita de nossa Mossoró, conheci todas as figuras que você descreveu com seus comportamentos pessoais, na maioria com problemas de saúde mental, mais inofenciveis aos seus semelhantes, muito pelo contrário eram até úteis na prestação de serviços. O franciscano que ao qual você se refere chamava-se Ribamar, convivi com ele em minhas atividades políticas, queria de qualquer maneira ser candidato a vereador, em uma de suas empreitadas tive que comunica-lo que o partido estava com a nominata estourada e não tinha como registrar seu nome, fui a residência dele no bairro Boa Vista, quase que apanho, os elogios a minha saudosa mãe dona Conceição, oriundos de Ribamar, não posso registrar aqui! Com relação ao frequentador dos sepultamento o senhor chamava -se Geraldo Couto, morava no bairro Paredões, ele ficava atento às emissoras de rádio esperando as tradicionais “notas de falecimentos “, quando não sabia do endereço do defunto, ele se dirigia a emissora de rádio pra saber aonde era o velório, de tanto de pessoas conhecidas por ele ou não, mais com certeza pro sepultamento ele iria com certeza. Outra observação que faço é inerente à Wiliam Gurgel, pois ele foi o maior entregador de convite para as festas tradicionais de Mossoró, e ai de quem precisasse deste seu trabalho e não entregasse o convite à ele mesmo, virava uma fera, foi tão útil a nós que fazíamos rádio em Mossoró que colocamos um apelido para ele que passou a ser denominado como repórter W.G. no dia do aniversário dele tinha-nos por obrigação fazer o registro, pois se não fizéssemos a briga era grande.
Amigo, mais uma vez, grato pelas reminiscências do cotidiano histórico pretérito inerente a nossa Mossoró de boas memórias.
Conheci Miguel Couto. Figura importantíssima do cenário mórbido local. Era uma grande personalidade. Boncahão, disposto, apesar de um ferimento que tinha na perna. Ia para os velórios de que tinha conhecimento. Era frequentador assíduo dessas cerimônias. No dia de sua morte, não pude ir. Ele, pela última vez que me viu, pediu para que eu deixasse recomendado que, caso morresse – eu – minha família o avisasse. Miguel Couto pegou a barca da travessia, e nunca mais nos vimos. Foi sem mim e espero que fique também sem por longos e longos e longos dias. Miguel cumpriu sua missão: missão de simplicidade e humanismo vitoriano. Era um lorde da última hora.
Enquanto esses meninos brincavam na Praça do Codó, eu tomava cerveja Antarctica ‘casco verde’ no Bar Pinguim, do saudoso Manel Capé.
Quer saber mais? jogando conversa fora com os também saudosos, Quincas Bem, Freirinho e Dr. Zé Leão.
Vez por outra, Raimundo Sacristão chegava ao pedaço, sempre aos finais de tarde, carregando um guarda-chuva preto. Dava uma paradinha na calçada, jogava a cabeça careca em direção a nós e dizia a uma só voz:
-Aaaaff!!!! Vão rezar, meu povo.
Em seguida, puxava uma cadeira, sentava-se à uma mesa, cruzava as pernas à lá ’20 para o meio-dia’, batia palmas e falava em voz alta:
– Manél, traga uma Antarctica casco verde bem gelada. Tô com as mãos moooortas de tanto badalar o sino. Homi, se não bastasse as badaladas de hora em hora, hoje morreram dois. Tô morta!
Raimundo só tomava uma garrafa, no máximo duas. Ia pra casa em seguida.
Eita tempo bom que não volta mais.
Ah, eu deixei de andar no interior do cemitério.
É que, olhando as fotos nos túmulos, percebi que todos os meus amigos de infância e de farra já estão lá, e cheguei a conclusão de que, entre todas as fotos, só falta a minha. Daí, eu só vou até o portão.
Sabe cumé, né? Quem tem ( * ) tem medo e não que ver a sua própria foto sendo vista em cemitério.
Né não????
Escrevi esse comentário tomando uma cerveja Antatctica (que não é mais engarrafada em ‘casco verde’) ao som de ‘African Beat’, by Bert Kaempfert.
Agradeço a todos pelos comentários. Ainda faltaram algumas figuras,
como lembrou Dr. Roncalli, através de sua mãe. Em uma próxima vou
acrescentar outras. “O homem do carneiro verde” será uma delas.