Por Bruno Ernesto
Maior que a fé, só o desejo do título de maior estátua de santa católica do mundo, que foi alimentado em Santa Cruz do Inharé durante os anos de construção da estátua de Santa Rita de Cássia.
Nesse período, precisei me deslocar de Natal para as cidades de Currais Novos e Caicó muitas vezes, em razão de compromissos profissionais, o que me permitiu observar a sua construção desde o início.
Da BR-226, a cada passagem por Santa Cruz, olhava para o Monte Carmelo, e pude observar a evolução da obra, que na maioria do tempo estava envolta por andaimes, permitindo observar apenas sua silhueta enquanto ganhava os céus pelas mãos de Alexandre Azedo, que é filho do escultor que ergueu a famosa imagem de Padre Cícero, no Juazeiro do Norte/CE, juntamente com sua habilidosa equipe.
Na região não se falava de outra coisa a não ser do orgulho e empenho do prefeito da cidade, que ia muito além da fé naquele monumento, uma santa que teria quarenta e dois metros de altura e estaria postada sobre um pedestal de seis metros de altura, o que lhe garantiria uma altura total de quarenta e oito metros e o título de maior estátua de um santo católico do mundo.
Ano após ano, a construção avançava sob a expectativa de que logo seria laureada com o glorioso título, sempre, porém, com a possibilidade de perdê-lo antes da conclusão ou, quem sabe, pouco tempo após, o que seria terrível e feriria de morte o orgulho dos fiéis e das autoridades locais envolvidas no projeto. Afinal, há gente de fé católica no mundo inteiro disposta a arrebatar tal título e, nem sempre, a fé é o mais importante nessas situações. Dizem.
Isso, segundo contam, era um pesadelo para todos da cidade e, decerto, muito mais para o prefeito, pois aquela obra seria um marco histórico para a cidade e seu nome certamente seria eternizado nos anais da cidade, talvez, digno de registro pelo Sumo Pontífice em plena Praça São Pedro, no Vaticano, na audiência semanal que ocorre toda quarta-feira, ou registrado por ele, tal qual os registros existentes nos monumentos históricos de Roma, desde a colina do Vaticano, até o Foro Romano, onde podemos ver inúmeras placas esculpidas no famoso mármore de Carrara, alusivas àqueles monumentos, como a que está no Anfiteatro Flávio, o famoso Coliseu, com os seguintes dizeres: “Amphitheatrum Flavium, triumphis spectaculisq insigne diis gentium ímpio cultu dicatum martyrum criuore ab impura superstitione expiatum ne fortitudinis eorum excideret memoria monumentum a Clemente X P M an jub MDCLXXV, parietinis dealbatis depictum, temporum injuria deletum. Benedictus XIV Pont M. Marmoreum reddi curavit, na jub MDCCL, Pont M.”
Essa expectativa acompanhou a todos durante toda a construção, até que, já bem próximo de finalizar a obra e, enfim, ser inaugurada, chegou a notícia mais temida por todos: em Aparecida/SP, seria erguida uma estátua colossal de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, e que teria 50 metros de altura, o que retiraria o tão sonhado título de maior estátua de santo católico do mundo da cidade de Santa Cruz, pois, mesmo o Monte Carmelo tendo trezentos metros de altura, os quarenta e oito metros de Santa Rita de Cássia seriam superados em dois metros.
Dois metros separariam a glória do ocaso e não haveria comemoração como as do Arco de Constantino, em Roma.
O sonho de tantos anos parecia se esvair por entre os dedos de todos.
Foi um balde de agua fria nos sonhos dos fiéis e a comoção foi generalizada, imperando na cidade o clima de tragédia.
Alguém, num típico arroubo do fervor cristão, quase que de antigamente, bradou que a velha lenda do inharé havia despertado, para a desgraça de todos.
A respeito dessa lenda, consta nos registros históricos da cidade de Santa Cruz que onde hoje é a cidade, havia abundância de inharé, uma árvore que, mesmo tida como sagrada, também poderia ocasionar malefícios, como secas, epidemias e toda sorte de mazela, toda vez que alguém lhe quebrasse um de seus galhos.
Diz-se que um missionário católico, ao saber de tal fato, dirigiu-se ao local e, em desafio, cortou alguns galhos de um inharé e com eles ergueu uma cruz na localidade e, como um milagre, pôs fim aos malefícios no povoado. Daí o nome Santa Cruz do Inharé.
Não tardou para que a notícia da construção de Nossa Senhora Parecida chegasse aos ouvidos do prefeito, que era muito querido na cidade e muito prático nas resoluções dos problemas que lhe eram apresentados.
Dizem que ele perguntou qual a era a diferença de altura entre as duas estátuas.
Alguém sussurrou, decerto com receio da reação do prefeito: dois metros!
Ao ouvir, o prefeito se espraiou na cadeira do seu gabinete e, em profundo silêncio, permaneceu imóvel e com olhar distante por alguns minutos.
O silêncio era ensurdecedor dentro do gabinete. Todos os presentes se entreolhavam num desespero crescente.
Dizem que após uns minutos, o prefeito se levantou da cadeira e foi em direção da janela do seu gabinete, de onde tinha uma visão privilegiada da estátua de Santa Rita de Cássia que estava erguida lá no Monte Carmelo, lá permaneceu outro tanto de tempo em silêncio, estático; apenas fitando Santa Rita de Cássia.
De repente, voltou-se para os presentes em seu gabinete e disse: – A data da inauguração está mantida.
Todos saíram sem entender muito, e os preparativos para a inauguração continuaram normalmente até a inauguração da estátua de Santa Rita de Cássia, no dia 26 de junho de 2010.
Para a surpresa de todos, um resplendor medindo oito metros de altura foi fixado na cabeça da estátua, como uma espécie de coroa, que, ao final, fez com que a altura dela passasse de quarenta e oito para cinquenta e seis metros, superando em seis metros a altura da estátua de Nossa Senhora Aparecida, e que só foi inaugurada em outubro de 2023, garantindo o título de maior estátua de santo católica do mundo até a presente data para Santa Rida de Cássia, ao que se tem notícia.
Ao que parece, o prefeito teve a solução mais prática possível para garantir o título, e ainda garantiu uma maior santidade e divindade à estátua de Santa Rita de Cássia com a instalação do resplendor, que abençoa a cidade de Santa Cruz lá do Monte Carmelo, e enche de orgulho os fiéis, de modo que, de fato, nada mais justo que se esculpa em mármore de Carrara tal façanha, pois solucionou um gigantesco quiproquó. Literalmente.
Ora, pelo visto, os papados dos Papas Bento, por obra do acaso, trouxeram sorte para a estátua, pois a maioria das placas que estão afixadas nos monumentos históricos de Roma, a Cidade Eterna, foram colocadas por ordem do Sumo Pontífice reinante da época, que era Bento XIV (1740-1758); sendo que, ao tempo da inauguração da estátua de Santa Rita de Cássia, no ano de 2010, estávamos sob o Papado de Bento XVI (2005-2013).
Talvez, a lenda do inharé tenha se repetido, merecendo uma placa, quem sabe, esculpida em latim, tal qual as de Roma.
Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor
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