Por Honório de Medeiros
Seu Antônio de Luzia continua firme e forte no Sítio Canto, Serra da Conceição, como teima chamar sua Martins, onde nasceu, lá pelos idos de trinta para quarenta, ninguém sabe ao certo, e ele muda de assunto quando se toca no tema.
Fui vê-lo, era essa a intenção, quando resolvi passar uma semana no Sertão profundo, em busca do café coado na hora, adoçado com alfenim, o cheiro do orvalho nas caminhadas pelas madrugadas afora, ouvindo o canto dos sabiás, e a conversa boa de pé de calçada nos finais da tarde, onde todos os problemas são resolvidos, muito embora não saibam disso os homens que mandam neste mundo velho de Deus, Nosso Senhor, e meu Padrinho Padre Cícero do Juazeiro, primeiro e único.
Encontrei, para começo de assunto, uma cizânia danada quando tomei assento após cumprimentar o patriarca e engolir o primeiro gole de café depois de uma mordida em um pedaço de alfenim. Pediram logo minha opinião, esperando meu comprometimento com um lado ou com o outro.
Eu pulei fora quando disse que para onde seu Antônio encaminhasse a bengala, eu seguiria seus passos. O velho patriarca deu um sorriso de esguelha, mais rápido que imediatamente.
A discussão era acerca dos tempos de hoje e os de outrora. Uns diziam que antes tudo era melhor, outros negavam e defendiam a “modernidade”.
Como sempre, Seu Antônio escutava tudo calado, enquanto os contendores esbravejavam, mas eu sabia que, no final, ele daria sua opinião. Fiquei aguardando, enquanto o sol descambava lentamente no rumo da ribeira do Encanto, deixando a Lagoa dos Ingás saudosa, e na escuridão.
Lá para as tantas, quando os mosquitos começaram a aperrear, ele pigarreou e disse: “vivemos uma era em que o pouco que vale muito, vale pouco na frente do muito que não vale nada”. Depois, se levantou e tomou rumo.
O silêncio caiu na calçada tal qual jaca madura encontrando o chão. Seu Antônio foi para a cozinha, onde nos aguardava uma coalhada adoçada com raspa de rapadura, enquanto a roda de conversa de desfazia, e a cambada de conversadores caía no mundo, matutando acerca do dito.
Pelo meu lado, não tive dúvida, segui a bengala de Seu Antônio, pensando mesmo na coalhada e dizendo para João, seu filho, que resmungava ao meu lado reclamando que cada dia que passava ficava mais difícil entender o “velho”.
“Ora, ora, João, vamos à coalhada: estamos aqui para isso, para isso, estamos aqui”. Puxei o tamborete e acomodei as costelas, água na boca.
Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN
Beleza de crônica, meu caro Honório. Um deleite para um domingo com céu nublado e preguiçoso.
Abração!
Obrigado, amigo. Gentileza sua! Sou grato por receber um elogio seu.
Vossa crônica é um quadro, um poesia declamamada !
Um abraçaço
Obrigado, Amorim. Que bom que vc gostou. Um abração.
Obrigado, amigo. Gentileza sua! Sou grato por receber um elogio seu.
Que beleza!!!
Certa vez, altas horas, deitado numa rede e escutando dois velhos poetas que tomavam cachaça e contavam mentiras, perguntei a um deles (Zé Luiz Carlos de Lima) o que era poesia. Não disse o que era poesia, mas disse o que era um poeta: “é aquele que diz o que todos sabem, mas ninguém diz, só ele”. Quem sou eu para discordar?
Caro Honório, sua crônica é poesia pura. Parabéns!!! Me fez lembrar as conversas no alpendre da casa 10 da Vila Espírito Santo, na Serra do Mel, nos idos de 1990.
P.S.: O outro poeta era Zé Wellington Pinto Diógenes.
NOTA DO BLOG – Zé Luiz e Zé Wellington. Duas figuraças, que conheço muito bem. Valeu, doutor Vinícius. Por esse dias esbarro em sua sala e na de doutor Tarcísio Jerônimo.
Abraços.
Muito obrigado, Vinicius. Fico honrado e feliz com seu elogio. Um abração.