Por Odemirton Filho
O nosso conterrâneo Luís da Câmara Cascudo escreveu um livro sobre a rede. Segundo o folclorista, “a rede toma o nosso feitio, contamina-se com os nossos hábitos, repete, dócil e macia, a forma do nosso corpo. A rede é acolhedora, compreensiva, acompanhando, tépida e brandamente, todos os caprichos da nossa fadiga e as novidades imprevistas do nosso sossego”. Sim, a rede embala os nossos sonhos. Deixa-nos sem pressa do amanhã. Nessa vida corrida, na qual o ter é mais importante do que o ser, como é bom uma rede para espichar o corpo, descansando das batalhas do cotidiano. Uma rede no alpendre de uma casa de praia, vendo o mar e a lua se beijando, não tem “pareia”. A rede balança, gostosamente, um chamego.
Meu avô materno era proprietário de uma fábrica de redes. Talvez, daí a minha paixão por uma rede. Lembro-me muito bem do barulho dos teares. Eu brincava na velha fábrica, no meio dos rolos de fio, mesmo espirrando pra valer.
A rede faz parte de nossa cultura. É tão nordestina. Aliás, segundo Câmara Cascudo, quem primeiro denominou a rede foi Pero Vaz de Caminha, em 27 de abril de 1500, é o padrinho da rede de dormir. Batizou-a pela semelhança das malhas com a rede de pescar.
Quem mora em sítio ou fazenda gosta de se deitar em uma rede, sentindo o sereno ou aliviando-se do mormaço. À noite, quem sabe, acende uma fogueira e toma uns goles, tocando um violão com saudade de alguém.
Aos domingos, deitar-se numa rede no alpendre de uma casa de praia, no “terreno” ou no quarto, e viajar em uma boa leitura, faz um bem danado ao corpo e a alma.
Aliás, em uma de suas belas crônicas, a escritora Rachel de Queiroz também fala sobre a rede armada num alpendre: “Só a paz, o silêncio, a preguiça. O ar fino da manhã, o café ralo, a perspectiva do dia inteiro sem compromisso nem pressa. Vez por outra um conhecido que chega, conta as novidades, bebe um caneco de água, ganha de novo a estrada”.
Pois é. Carecemos, aqui ou acolá, de uma rede, sem pressa.
“Afinal de contas só do chão precisa o homem, para sobre ele andar enquanto vivo e no seu seio repousar depois de morto”.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça
Eu gosto tanto de rede que imagino ser enterrado numa rede completamente nu.
Quero voltar do jeito que cheguei.
Parabéns pela belíssima crónica.
Passa do tempo da Secretaria de Cultura de Mossoró publicar CRÔNICAS DOMINICAIS.
Não para ser comercializado, mas para ser distribuído aos alunos das nossas escolas.
Despertar o gosto pela leitura nas nossas crianças é de uma importância incomensurável.
Odemirton, nesta e em diversas crônicas já publicadas, nos mostra o quanto de qualidade literária existe em Mossoró.
A literatura em Mossoró me lembra um vulcão prestes a explodir.
Que a Secretaria de Cultura pense nisso.
Fazer igual a o matuto:
É bom demais, homi…
Esta peça denominada de rede, continua sendo uma das melhores heranças que os nossos irmãos índios nos deu, pois esta peça que une dois polos para receber o peso do nosso corpo para uma acomodação perfeita, além de nos fazer sonhar, também nos conforta em horas difíceis da vida, nela derrama-se prantos, encontra-se conforto e também se faz amor (dá trabalho, mais fazer o quê, né Odemirton?), já fiz e assisti também muitas coisas dentro de uma rede, desde o nascimento de crianças, e até defuntos ser enterrados em uma rede, pois lá no meu torrão berço Portalegre, antigamente na década de 50, não existia caixão de defuntos, morreu… vamos enterrar na rede, a qual era estendida em um pau para ser carregada pelos ombros de duas pessoas.
Pior de tudo… foi devido ver defunto balançando em uma rêde que descobri ter medo de alma!!!
Caro Odemirton, crônica perfeita.
P.S. Você falou de uma peça útil para todas as classes sociais aqui do nordeste velho de guerra.