“Inferno astral” envolve graves denúncias e até mesmo a morte de um irmão

Um brocardo popular diz que “desgraça nunca vem só”. Numa trajetória de muitas vitórias, a hoje senadora Rosalba Ciarlini (DEM) se pudesse riscaria determinado período de sua vida.

O marco “zero” é a derrota do seu vice-prefeito à sua sucessão no dia 3 de outubro de 1992, empresário Luiz Pinto (PFL). Até reconquistar a prefeitura nas eleições de 6 de outubro de 1996, ela viveu um inferno astral.

Sentiu e testemunhou um rol de contratempos.

Um de seus principais algozes foi justamente quem plasmou sua vitória em 1988 contra Laíre Rosado (PMDB): jornalista Canindé Queiroz. É a parte mais torpe desse enredo. Vamos à história.

A avalanche de problemas foi disparada pelo prefeito Dix-huit Rosado (PDT). Nos primeiros dias de governo em 1993, ele determinou auditoria nas contas da gestão de Rosalba (1989-2002). O “Relatório Marpe” chegou às suas mãos no dia 5 de março de 1993. Fora apresentado pela empresa que dá nome ao caso.  

Daí, Dix-huit encaminhou-o ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Procuradoria-Geral de Justiça do Estado (17 de março). Superfaturamentos, pagamento por obras não-realizadas, licitações supostamente viciadas, indícios de formação de quadrilha e associação para o crime foram expostos.

Para o prefeito, provas mais do que suficientes ao alijamento da antecessora da vida pública. Suas palavras iam além. Tinha expectativa também de punição penal.

Quando ainda tentava se situar diante da acusação, negando o que lhe era imputado, Rosalba recebe notícia pior. Seu irmão e colaborador estratégico no primeiro governo, engenheiro Pedro Ciarlini Neto, morre devido ataque cardíaco fulminante no dia 11 de junho.

Ele dirigia um modesto carro Fiat à saída para Governador Dix-sept Rosado, quando tivera o problema.

Candidatura

Resguardada e orientada por seu “criador”, Canindé Queiroz, a ex-prefeita mexia-se para não ser engolida pelo “Efeito Marpe” e outras dificuldades. Um dos antídotos era argüir que a contratação da empresa tinha sido de forma fraudulenta, em licitação dirigida.

Outra estratégia foi lançar balão de ensaio ao lado do cunhado Betinho Rosado, admitindo ser candidata em 1994. Cogitou até candidatura a deputado federal do marido, deputado estadual Carlos Augusto Rosado (PFL), numa entrevista ao lado do cunhado Betinho Rosado no dia 28 de maio.

Ele ficou indignado com a iniciativa dos dois. Reprovou-os. E tratou de evitar maior propagação do assunto. Ainda estava grogue com o resultado das urnas de 92. 

Nesse ínterim, Carlos começava a dar os primeiros sinais de depressão. Por maledicência ou puro boato, chegou a circular informação de sua morte por suicídio. Repetiu-se ciclicamente.

Noutra frente, o governador José Agripino (PFL) garantia um cargo de Assessoria Especial no governo para a ex-prefeita, em agosto de 1993. Seria uma forma de lhe assegurar um meio adicional de renda. Sem labuta. Os tempos eram outros.

Enquanto isso, o governo do prefeito Dix-huit Rosado mantinha progressiva deterioração interna, num choque de sua ala com o grupo da sobrinha e vice-prefeita Sandra Rosado. Os conflitos também ocorriam em relação à Câmara de Vereadores.

O ambiente ficou mais corrosivo em seguida.

Entrava no ar no dia 2 de dezembro de 1993, o programa “Passando a limpo”, pela Rádio Tapuyo (hoje RPC), comandado por Mário Rosado, filho de Dix-huit. Rosalba, o primo e aliado político Laíre Rosado, Sandra e o líder Vingt Rosado não escapam da língua afiada de Mário. Tudo com o silêncio cúmplice de Dix-huit.

– Mário meu filho – dizia em tom triunfal, de ouvido atento ao rádio.

No dia 19 de março de 1994, Rosalba lançou-se à Câmara Federal em entrevista à imprensa de Mossoró. Na verdade, um estratagema para negociar adiante o lugar para o cunhado Betinho.

No governismo municipal, bem antes, dia 12 de janeiro, o rosadismo (Vingt-Laíre-Sandra) tinha proclamado afastamento definitivo de Dix-huit. Ficara insustentável a coabitação após vários incidentes e demissões de secretários da confiança desse esquema.

Entretanto com a chegada das definições à campanha estadual, Rosalba assume o sacrifício em atendimento a apelo de Agripino. É homologada em convenção estadual como candidata a vice-governador.

A chapa é encabeçada pelo senador Lavoisier Maia. Era o dia 28 de maio. 

Vitória em Mossoró

Nas urnas eles perdem a disputa para o senador Garibaldi Filho (PMDB) e o deputado federal Fernando Freire (PMDB). Mesmo assim, Rosalba consegue ajudar na vitória de sua chapa em Mossoró com 32.673 votos, contra 25.640 do oponente direto.

Fernando Mineiro (PT) foi o terceiro com 5.170 votos e Wilma de Faria (PSB) – ex-prefeita de Natal – na última posição com 1.920 votos.

A eleição de Betinho Rosado (PFL) acabou sendo a mais importante vitória de Rosalba em meio a tantas dificuldades. Ele foi o segundo mais votado em Mossoró, com 13.379 votos. O primo Laíre (PMDB) obteve 17.969, no primeiro lugar. Mário Rosado (PL) alcançou 9.946. Carlos Augusto não concorreu à reeleição.

Poderia ser o começo da reviravolta política e na vida de Rosalba. Ledo engano. Pelo menos não seria esse o ponto de partida.

Em 1995 ela esteve às voltas com o Tribunal de Contas da União (TCU), contínuo e irreversível afastamento da influência de Canindé Queiroz, além de assistir deterioração na saúde do marido. Chegou a ponto de dividir o endereço dos quatro filhos, gerenciando a educação com a mãe Conchecita.

No TCU, o Ministro Iram Saraiva foi relator de um processo, em que sua gestão aparecia em delicado embaraço. “Não se pode afirmar que a realização de compras sem licitação, quando a mesma é exigível, não tenha causado prejuízo ao erário, como quer a requerente (Rosalba)”, dizia o relator em voto publicado no dia 19 de outubro de 1995.

Enquanto isso, um pouco antes, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) fazia o normal: aprovava suas contas em abril deste mesmo ano e a Câmara de Vereadores rejeitava proposta de uma CPI, em agosto, renegando o Relatório Marpe.

Quanto ao ano seguinte, 1996, ele seria de uma atmosfera ambivalente. Novas eleições municipais, em que enfrentaria tudo e todos, mas principalmente a ira insana de Canindé Queiroz, além da metralhadora verbal de Mário Rosado.

* Aguarde a seguir essa nova postagem, que complementa essa reportagem especial de hoje:

– A fúria de Canindé Queiroz e a vitória arrasadora.

Foto – Carlos Augusto, Rosalba e Conchecita (Acervo do Blog do Carlos Santos).

Arrogância, vaidade e soberba levam Dix-huit a vencer o grupo rosalbista

– A besta não vai voltar!

A frase, acrescida de um sorriso sarcástico, era lugar-comum do então deputado estadual Carlos Augusto Rosado (PFL) em 1992. Fazia alusão ao tio, ex-prefeito Dix-huit Rosado (PDT).

Preconizava entre asseclas que esmagaria de vez o experimentado político, que fora deputado estadual constituinte, prefeito duas vezes (1972 e 1982) e até senador.

Dix-huit apoiara Rosalba Ciarlini em 1988 à prefeitura, mas fora descartado no curso da gestão. Já Carlos teve que engolir em 1990 a candidatura a deputado federal de Mário, filho do ex-prefeito, quando tinha tudo preparado para ser ele o disputante. Era seu sonho acalentado há tempos. Não esqueceu nem digeriu a estocada.

Veio daí o recrudescimento do mal-estar na convivência entre eles.

Dix-huit enfrentaria o vice-prefeito da “Rosa”, empresário Luiz Pinto (PFL), além do professor João Batista Xavier (PCB) como vice. João tinha sido candidato a prefeito em 1982, pelo PMDB, derrotado pelo próprio Dix-huit.

Com mais de 74% em aprovação administrativa, governo que apostava num conceito de gestão baseada em obras de visibilidade e promoção personalista, Rosalba estava também empavonada. Era a prefeita de direito, o marido o gestor de fato. Governavam a quatro mãos.

Era difícil encontrar um correligionário capaz de pensar em resultado diferente: seria um passeio no “Velho”, epíteto repetido pela oposição para dar sentido de maturidade, experiência e biografia a Dix-huit. Falava-se em 20 ou 25 mil de maioria.

Luiz Pinto foi anunciado como candidato no dia 19 de junho. No dia seguinte (20), a convenção partidária sacramentou a postulação. Ele tinha passado meses sendo potencializado na mídia para tal.  João Batista seria um meio de dar aura menos conservadora à chapa, que a princípio teria o empresário Manoel Barreto (também do PFL) como ungido a esse espaço.

Pesquisa encomendada por Carlos apontou seu nome. Mas terminou descartado, sob promessa de que adiante ganharia oportunidade de candidatura eletiva. O que nunca ocorreu.

Vingt Rosado

Na oposição acontecia o que muitos viam como improvável. Dix-huit queria retomar “sua” prefeitura. Mas sabia que o projeto precisava do endosso do irmão Vingt Rosado (PMDB), com quem brigara em 1988, ao apoiar Rosalba. Ainda ecoava em seus tímpanos os berros de Vingt, no rádio e em comícios, o tratando por “traidor” e “safado”.

Aboletado no PDT, que dera legenda a Rosalba em 1988, mas fora vomitado pela prefeita eleita em retorno ao PFL (hoje DEM), Dix-huit insistia com seus interlocutores partidários:

– Só ganhamos com Sandra (a hoje deputada federal Sandra Rosado-PSB, filha de Vingt). Ninguém avalizava a escolha. Era voz isolada.

Argumentava que se Sandra reforçasse sua chapa, Vingt daria o beneplácito. Seria a “isca”, a quebrar o jeito turrão do seu ex-líder. PDT e PMDB unidos.

No dia 22 de fevereiro o peemedebismo proclamou apoio à candidatura de Dix-huit e em 20 de junho a chapa estava homologada em convenção. Tio e sobrinha, que apenas se aturavam, partiam com uma idéia fixa: derrotar Carlos e Rosalba.

No governismo, autoconfiante, Carlos repetia o que dissera pela primeira vez à imprensa, no mês de fevereiro daquele ano: sua chapa não tinha qualquer Rosado. Bastava a “força da Rosa”.

Implicitamente ficava claro que ele, de novo, governaria. Luiz e João entrariam com o nome.

A campanha é recheada de incidentes. Há uma luta paralela na guerra entre emissoras de rádio pertencentes aos grupos envolvidos, além de uma enxurrada de ações no campo judicial.

Nas ruas, o retrato inicial mostra a previsível polarização entre as coligações “Força do Povo” (Luiz Pinto) e o “Vitória do Povo” (Dix-huit). Eclipsa os candidatos Paulo Linhares (PSB) e Luiz Carlos Martins (PT) da “Frente Popular”. Possuem o ex-vereador Herbert Mota (PSB) e o sindicalista Celeste Guimarães como vice, respectivamente. Todos coadjuvantes, apesar da boa biografia de todos.

– Cuidem das campanhas de vocês que a de prefeito está ganha – recomenda Carlos distribuindo dinheiro, em espécie, para vários candidatos a vereador à sua frente, narra um circunstante ouvido pelo Blog.

Bengala

No alto comando da Vitória do Povo, o moral não parecia elevado. Sem mobilidade, o quase octogenário Dix-huit era substituído no corpo a corpo pela vice Sandra. Em muitos momentos aparecia somente para encerrar uma mobilização.

Em certa ocasião, apoiado numa bengala e sentado numa cadeira, em carroceria de caminhão improvisada como palanque, Dix-huit foi flagrado de longe por Carlos Augusto, no bairro Teimosos. Esse – sem ser notado no interior do veículo – apenas sorriu diante da cena, que parecia confirmar a derrota que previa para o tio.

Na Força do Povo, acontecia algo inverso, mas intrigante. A euforia destinava-se à presença de Rosalba. Os candidatos majoritários às vezes sequer eram notados.

Luiz Pinto terminou a campanha sem conseguir erguer os dedos para formação do “V” da vitória.

Em sua retaguarda, Dix-huit contava com o deputado federal Laíre Rosado (marido de Sandra), professor Anchieta Alves (dirigente do PDT), professor Pedro Almeida Duarte, vereador Pedro Fernandes, engenheiro Valtércio Silveira, além do publicitário Phabiano Santos. Procuravam alterar o cenário desfavorável.

Foram reforçados pelo Instituto Gama (pesquisa) de Wandenberg Pinto e o marqueteiro Aldemir Sobreira, ambos cearenses.

Faltando pouco mais de 30 dias para o fim da campanha, pesquisas internas de lado a lado apontavam números da ordem de 20 a 22 por cento de maioria, em favor de Luiz Pinto. Gradualmente a distância foi diminuindo.

Com cerca de uma semana para o pleito, havia quase empate numérico. Uma das sondagens do Gama dá Dix-huit somente um ponto percentual atrás. Seria prefeito pela terceira vez. Carlos e seus "generais", entre eles de novo o jornalista Canindé Queiroz, estavam diante de uma derrota demolidora.

A presença de Vingt na campanha em palanque (madrugada do dia 27 de setembro); a força do aluizismo assentado no PMDB; a marca de administrador competente do “Velho” e a presença envolvente do ex-governador Geraldo Melo (PMDB) na reta final (22,23 e 24 de setembro) em corpo a corpo fecharam a vitória. Complementaram-na.

Ganhou eco o bordão “Chame o Velho”, além da anticampanha que atribuía a Luiz Pinto o hábito de jogar baralho e a João Batista o ateísmo numa afronta à padroeira Santa Luzia.

Contudo foram a arrogância, soberba e vaidade que entorpeceram Carlos, Rosalba e sua equipe. Formam matriz do ocaso governista. Contaminaram a militância.

Só nos últimos dias perceberam que era tarde para tantos remendos.

Veja abaixo os números finais das eleições de 1992, no dia 3 de outubro:

– Dix-huit Rosado – 37.188 (47.79%);
– Luiz Pinto – 32.795 (42.15%);
– Luiz Carlos Martins – 6.557 (8.43%);
– Paulo Linhares – 1.273 (1.64%);
– Brancos – 5.669 (6.49%);
– Nulos – 3.913 (4.48%);
– Maioria pró-Dix-huit Rosado – 4.393 (5.64%)

O eleitorado cadastrado à época era de 99.623. Compareceram 87.395, as abstenções chegaram a 11.381 e os votos nominais atingiram 77.813.

* Leia amanhã, na terceira parte desta série, o “inferno astral” do rosalbismo que parecia sinalizar para seu fim.

Foto – Acervo do Blog do Carlos Santos.

P.S (14h de 19-09-09) – Com a ajuda do internauta Valtércio Silveira, citado nessa matéria, reparo um equívoco. Em vez de Aluízio Sobreira, já alterei para "Aldemir" Sobreira, menção a integrante de equipe do candidato Dix-huit Rosado. 

O "freio de arrumação" que a chamada Unidade Potiguar afirmou ter dado na política do RN, não é de todo exagero. Tem efeitos colaterais.

É possível enxergar que seu maior efeito é no governismo. A governadora Wilma de Faria (PSB), apesar de emparedada, sabe que pode tirar proveito.

Ao final pode ter toda sua base preservada e ampliada, em torno de um candidato único.

Como efeito colateral, é possível notar que o DEM parece decidido a apostar de vez em Rosalba Ciarlini (DEM) ao governo. Não está assegurada ou cristalizada. Porém revela fôlego.

Apesar da prioridade partidária ser a reeleição do senador José Agripino (DEM) ao Senado, a candidatura de Rosalba não ofusca esse projeto. Pode potencializá-lo.

O governismo, com ou sem o suporte da Unidade Potiguar, onde estão PMDB, PR, PP e PMN, é que precisa se ajustar. O excesso de caciques atordoa a taba.

O freio de arrumação, em seguida, exigirá uma arrancada decisiva.

Volto ao tema. 

Recebo um e-mail simpático do advogado Paulo Fernandes. Recentemente pregou um susto nos amigos e familiares.

Ele está recuperado e trabalhando, o que é ótimo. Saúde retomada.

Mas leia-o abaixo:

Grato pela referência carinhosa sobre seu amigo caridopata totalmente restabelecido, inclusive com algumas horinhas, já, de trabalho no escritório.

Grande abraço.

Paulo Fernandes.

Recebi um telefonema muito interessante à manhã de hoje. Do outro lado, o professor Pedro Almeida Duarte.

Falou com nítida empolgação sobre a série de reportagens "Rosalba – Política e Poder", que o Blog apresenta desde segunda (17).

– Estou copando e guardando – salientou.

Ele viveu no epicentro dos acontecimento narrados, acrescentando alguns detalhes e retocando outros. Em essência afirmou que o material está muito interessante.

– Você está fazendo um grande trabalho; meus parabéns.

Obrigado, professor.

Claro que sua colaboração (e de tantos outros internautas) ajuda à montagem desse documento à história.

Pedro foi secretário do prefeito Dix-huit Rosado.

Parte do noticiário de hoje foi ocupado com o lengalenga Lina Vieira X Dilma Roussef. Sofrível a cobertura da mídia, na maioria do que vi.

Como eu já tinha escrito aqui e no Twitter (www.twitter.com/bcarlossantos), é a palavra de uma contra a outra. Um tititi dispensável.

Com todo o respeito às senhoras envolvidas, mas se assemelha a arenga entre comadres.

Esse país precisa ser mais levado a sério. E nós nos darmos ao respeito. Preferi manter distância desse tema.

Fiz muito bem.