Candidato a governador do Rio Grande do Norte em 1960, o deputado federal Djalma Marinho (UDN) estufou o peito para bradar em seu primeiro comício: "Natal não é de ninguém. Natal é da liberdade!" Assim começava sua campanha.
Passados 50 anos, cortada sinuosamente pelo Potengi e ancorada no Atlântico, Natal não mudou em espírito e mentalidade. A frase de Djalma Aranha Marinho não teve um caráter premonitório. Lavrou-se uma constatação que se pereniza e ganha elasticidade a cada década.
Apesar de derrotado nas urnas por Aluízio Alves (UDN), o "doutor" Djalma, como era solenemente tratado por todos, não erigiu para si nenhum enredo de vítima ou mártir. Além de diplomaticamente escrever mensagem de cumprimento ao vitorioso, instruiu seus áulicos e aliados para que não houvesse qualquer vindita. Nem admitiu questionamento judicial à vitória.
Natal não é de ninguém! Quem quiser que se iluda incensando falsos rubís, líderes fugazes ou poderosos com prazo de validade vencido.
Essa consciência coletiva plasma uma vontade de consagrar, entre as suas escolhas, aquelas que sintetizem sua vontade livre e soberana. Não prevalece a força da "máquina" pública, do cabresto de mandarins ou de mitos de ocasião.
Foi assim em 1992, por exemplo, quando o deputado federal Henrique Alves (PMDB) dormiu prefeito e acordou derrotado por menos de mil votos, pelo engenheiro sanitarista Aldo Tinoco (PDT);
Foi assim com os números que definiam o senador Fernando Bezerra (PTB) como o mais votado em 2006, mas deixado para trás pela ex-prefeita mossoroense Rosalba Ciarlini (DEM);
Foi assim em 2008, quando a "borboleta" Micarla de Sousa (PV) atropelou ainda no primeiro turno o presidente Lula (PT)-União, grupo Alves, a governadora Wilma de Faria (PSB)-Estado e o prefeito Carlos Eduardo Alves (PSB)-Prefeitura, que apoiavam a deputada federal Fátima Bezerra (PT);
Não foi diferente de 1985, no desabrochar desse simulacro de Nova República em que vivemos, com o deputado estadual Garibaldi Alves Filho (PMDB) vencendo Wilma "Maia" à prefeitura, numa batalha épica.
É a mesma Natal do prefeito Djalma Maranhão. Exilado no Uruguai em plena perseguição do regime militar que o apeou da prefeitura, Maranhão caiu em melancolia. Era o banzo do escravo trazido da África, que também o alcançou longe de casa.
– (…) Ele morreu de tristeza – narrou em um de seus livros o ex-senador e etnólogo Darcy Ribeiro.
Para 2010, a leitura sobre o mais confuso pleito da história política do Rio Grande do Norte, não separa a capital dos norte-riograndenses de seu pedestal. Natal continua impávida, inexpugnável e de cada um. Não é Alves, não é Maia, não é de Wilma ou muito menos de Micarla.
Quem a quiser, que a fertilize. Faça como doutor Djalma.
Nascido em 1908 em São José de Campestre, então distrito de Nova Cruz, o deputado recebeu título de cidadania natalense somente em 1981, pouco antes de falecer. O reconhecimento chegou a tempo.
– (…) Nesta cidade fiz o sítio dos meus sonhos, construí minha casa e cultivei cajueiros – definiu seu bem-querer.
Talvez, Natal seja isso, na tradução metafórica de Djalma Marinho: um sítio – nunca um curral.
Foto – Djalma Marinho (Acervo Blog do Carlos Santos)