Por Odemirton Filho
Nos últimos tempos o debate sobre as terras dos povos originários tem ganhado destaque nas discussões jurídicas. O Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Carta Maior, debruça-se sobre a temática, com o objetivo de encontrar uma solução para o caso. Na verdade, não é uma discussão simples, pois envolvem questões culturais, sociais e econômicas.
Desse modo, suscita-se a tese jurídica chamada de marco temporal, a qual pretende modificar a forma da demarcação de terras ocupadas pelos indígenas. De acordo com a tese, somente os grupos indígenas que ocupassem as terras no momento da promulgação da Constituição Republicana de 1988, cinco de outubro, teriam direito de reivindicar a posse das terras.
Conforme o Art. 231 da Constituição Federal são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Sobre o mencionado Artigo, ensina o professor José Afonso da Silva: “O tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem a terra, e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outra menos estáveis (…).
Pois bem. O caso sob julgamento perante a Corte Maior, diz respeito à reintegração de posse, requerida pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação indígena.
Em setembro de 2021, o relator da ação, ministro Edson Fachin, asseverou que o direito à terra pelas comunidades indígenas deve prevalecer, ainda que elas não estivessem no local na data de promulgação da Constituição. Em sentido contrário, o ministro Nunes Marques entendeu que essa data deve prevalecer.
O julgamento do Recurso Extraordinário n. 1017365 foi suspenso, em razão de um pedido de vista do ministro André Mendonça. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “é uma questão que vem afetando a paz social por séculos sem que haja, até hoje, um bom e efetivo modelo a ser seguido”. Há de se levar em conta a segurança jurídica, sem dúvida.
É inegável que existem sensíveis interesses sociais e econômicos em questão. De um lado, os povos originários, de outro, há aqueles produtores rurais que adquiriram as terras de boa-fé, produzindo e gerando riqueza. Segundo Moraes, nesse caso, comprovando-se que os proprietários adquiriram legalmente as terras, a União deveria indenizá-los.
Entretanto, no julgamento do marco temporal não pode esquecer que os povos originários já ocupavam o território brasileiro antes, muito antes, da promulgação da Constituição. Delimitar uma data, seria, como dizem alguns, apagar a história dos silvícolas que aqui já viviam. Por outro lado, sempre há grupo de pessoas, de lado a lado, utilizando-se de má-fé. É fato.
Portanto, o julgamento do marco temporal é uma questão que envolve valores culturais e sociais, além de impactos econômicos, devendo o Supremo Tribunal Federal julgar o caso com razoabilidade, compatibilizando os relevantes interesses em disputa, preservando-se direitos históricos, sem esquecer o desenvolvimento do país.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça