“O que é necessário para mudar uma pessoa é mudar sua consciência de si mesma.”
Abraham Maslow
Jornalismo com Opinião
“O que é necessário para mudar uma pessoa é mudar sua consciência de si mesma.”
Abraham Maslow
Neste domingo (1º) ocorreu a Corrida de Santa Luzia, que teve início às 5h30, com saída da Praça Pastor Manoel Nunes da Paz, em frente ao Museu Lauro da Escóssia.
Mais de mil pessoas participaram do evento que integra a programação da padroeira da Diocese e de Mossoró.
📷 @igormelo.imqf
Por Bruno Ernesto
Aviso ao eventual leitor desavisado que, antes que ele perceba, não me julgo tão religioso quanto você pensa. Todavia, tenho fé e não sou ateu, embora creia genuinamente em Deus.
Após minhas férias e, pois, retomar o rumo da vida terrena da minha insignificância que alguns tantos julgam ser – embora, íntima e nitidamente, tenham sentido minha ausência -, logo que coloquei os pés na minha amada cidade, rumei para o templo sagrado do elixir mais democrático que existe – mais até que as famosas “Landsgemeinde” dos Cantões suíços -, me pus a saborear um café espresso bem prensado, tão reconfortante, feito quem volta o berço em busca de afago materno.
Há três coisas que são excelentes, quando bem prensadas: café, livros e paçoca de carne seca.
Já registrei em outras oportunidades que as cafeterias são um mundo à parte e você, não raro, se depara com toda sorte de gente, assuntos e acontecimentos: ordinárias e extraordinários.
Lembro ao querido leitor que também já mencionei em outras crônicas, que há pessoas que não têm qualquer cerimônia ao conversar em viva-voz em ambientes públicos, de modo que, nos ternos das normas sociais e jurídicas, o que se fala passa a ser de domínio público. Ninguém pode obrigar o outro a desescutar. E digo, caro leitor: a maldade de gente boa é tão pior que a bondade de gente ruim.
Explico: tudo girava em torno de um portão quebrado. Não suportavam tanto descaso do condomínio com o portão de acesso dos veículos que ora quebrava, ora voltava a quebrar.
– É um absurdo! Total falta de absurdo! Diziam.
Pelo menos a reunião semanal no salão de festas do condomínio para mais um ciclo de orações estava mantida.
Vez ou outra, sussurravam contorcendo conto da boca, rogando a Deus que certos vizinhos não fossem orar dessa vez. Por fidelidade à informação, quase indaguei o motivo da insurgência. Por sorte, pontuaram que nem todos do ciclo, são tão fervorosos.
Foi aí, então, que avisaram no grupo de whatsapp do condomínio que o portão continuaria “enteditado” até o início da noite.
– Absurdo! Disseram.
– Faz dois anos que ele diz portão entedidato!
Quando falaram sobre a casinha do lixo, pelo fato de um dos sacos de lixo ter se rasgado acidentalmente no dia anterior e deixado cair seu conteúdo no chão da casinha, disseram que o lixo deveria ter caído bem no meio da sala do condômino, como castigo, ao invés de sujar a casinha do lixo do condomínio.
– Absurdo! Quem já se viu, sujar a casinha de lixo do condomínio! Que suje o seu apartamento como merecido! Multa! Deveriam olhar as câmeras!
A par da situação, ouvindo aquela destilação de ódio bem ali na minha frente, sem maior cerimônia, reverberava na minha mente o que o saudoso Rubem Alves dizia a respeito de religiosidade.
Dizia ele ninguém oferece à Deus algo de bom. As pessoas pensam que Deus é sádico. Sempre oferecem sofrimento em troca de uma bênção – subir quatrocentos degraus de joelhos se alcançar uma graça -, quando Deus – dizia Rubem Alves –, em verdade, quer apenas um jardim de delícias, e não sofrimento.
Ao que parece, ao invés de estar florido pelo ciclo de orações semanal, o jardim permanece verde, no que pertine à genuinidade religiosa de alguns de seus frequentadores mais fervorosos.
Vendo isso, apesar do medo escatológico, vejo que eu, que não participo de nenhum ciclo de orações, talvez escape do inferno.
Crer, orar e agradecer a Deus sozinho e sem alarde, dentro ou fora de um templo religioso, me parece mais genuíno.
Como Chico César canta: Deus me proteja de mim, e da maldade de gente boa. Da bondade da pessoa ruim. Deus me governe e guarde, ilumine e zele assim.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
Por Odemirton Filho
Nesses tempos de extremismo e pós-verdade, pensar fora da caixinha tornou-se um ato de rebeldia. É pecado ter uma opinião diversa daquelas que presidem o nosso dia a dia. O maniqueísmo, ou seja, a divisão entre o bem e o mal, é a regra nas discussões nos dias atuais.
Entretanto, ao longo de nossas vidas inúmeras vezes mudamos de opinião acerca de alguém ou sobre algo. Se ontem pensávamos de uma forma, hoje, podemos pensar e entender o mundo de forma diferente, não constituindo, a meu ver, qualquer fraqueza, pois não devemos ter compromisso com o erro ou a mentira. Verdades postas como irrefutáveis podem, e devem ser analisadas. Porém, valores de vida são inegociáveis.
A dialética hegeliana, que se constitui na tese, antítese e síntese deve ser aplicada. Refletir e tirar as nossas conclusões nos torna diferentes, aguçando o nosso senso crítico. Não devemos concordar e aceitar tudo que nos é apresentado como verdade.
No decorrer do tempo, muitas vezes observamos a vida por ângulos diversos. Vemos um horizonte que, às vezes, pode estar nublado, outras, cristalino. Como disse linhas atrás, valores de nossas vidas não podem ser negociados. A ética, à guisa de exemplo, deve pautar as nossas relações, sejam pessoais ou profissionais.
A mudança é salutar, sempre. Mudar, amadurecer, crescer pessoal e profissionalmente deve ser continuamente perseguido. Atualmente, no tocante à política, vivemos no mundo do radicalismo. Somente o que vale é a nossa posição político-ideológica. Não paramos para ouvir a argumentação contrária. Contudo, mudar não é demérito. Aliás, pode ser uma virtude, mesmo porque não somos os donos da verdade (embora alguns acreditem que são).
Nessa toada, de um texto da escritora Martha Medeiros, extrai o seguinte fragmento:
“(…) Você vê um quadro hoje. Vê o quadro de novo daqui a dez anos, o revê daqui a vinte, trinta, quarenta … É o mesmo quadro com a mesma moldura, na mesma parede do mesmo museu, com a mesma luz, é você, mas cada vez será visto de outra forma. Cada vez ele nos conta uma história. O quadro não mudou. Já nós” …
Como diria o Maluco Beleza: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.
Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos
Por Marcelo Alves
Faz uns dias, eu escrevi aqui sobre o que denominei de “romances de adultério” (leia AQUI). Um certo tipo de ficção, cujo apelido dado já indica acerca do que os textos significativamente tratam, que exemplifiquei com duas obras-primas da literatura universal: “Madame Bovary” (1857), de Gustave Flaubert (1821-1880), e “Ana Karenina” (1878), de Leon Tolstói (1828-1910).
Entretanto, fui acusado, por um leitor indignado, mesmo tratando dos casos de Bovary e Karenina, de haver abandonado o direito e estar agora escrevendo fofocas.
Devo logo reiterar que, em termos de qualidade e legado para a cultura, os textos de Flaubert e Tolstói frequentam o pódio dos maiores de todos os tempos. “Todas as famílias felizes são parecidas. As infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”, de “Ana Karenina”, talvez seja a mais célebre primeira linha da literatura. E, para muitos, “Madame Bovary” é simplesmente o melhor romance jamais escrito. Se têm “fofocas”, elas são de altíssima qualidade.
Na verdade – e aqui já chego onde quero chegar –, se, num primeiro momento, “Madame Bovary” e “Ana Karenina” têm como temas principais a hipocrisia, a sociedade, a família, o casamento, o divórcio, a fidelidade, a paixão, o sexo e por aí vai, elas são sobretudo retratos históricos dos contextos social, político e também jurídico da França e da grande Rússia de então.
Grandes romancistas, com suas tocantes estórias, algumas vezes são ótimos historiadores, inclusive do direito. Seus textos literários testemunham a visão sobre o mundo jurídico existente em certa sociedade em determinada época, embora essa visão seja marcada pela ótica particular do autor. E esses testemunhos, em linguagem elegante, são bem mais acessíveis aos leitores (com ou sem formação jurídica), para fins de reconstrução da imagem que determinada sociedade tem do direito e de seus atores, que os áridos estudos jurídico-histórico-sociológicos de caráter estritamente científico.
Para além disso, os grandes romances, ao mesmo tempo em que reproduzem o direito posto e o imaginário popular acerca das diversas temáticas jusfilosóficas, também influenciam, em graus variados, a construção desse direito e, sobretudo, desse imaginário. Nesse ponto, como se dá com outras interfaces da literatura (com a religião, com os costumes, com a moda etc.), ela (a literatura) é subversiva, tanto para o direito positivo como para a filosofia do direito.
De fato, muitas das ideias inovadoras no direito, assim como boa parte das críticas à mentalidade jurídica consolidada, encontraram sua mais vívida expressão nesse popular e imaginativo meio de expressão, denominado por nós de romance, mas que, poeticamente, o mesmo William P. MacNeil chamou certa vez de “lex populi” (na obra “Lex Populi: The Jurisprudence of Popular Culture”, Stanford University Press, 2007).
Dois grandes exemplos disso são precisamente os casos de Bovary e Karenina, como anota Antonio Padoa Schioppa em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea” (edição da WMF Martins Fontes, 2014): “Um primeiro setor de inovações legislativas diz respeito à família. Na França, a Restauração havia abolido o divórcio admitido no Código Napoleônico. A crescente consciência das consequências não raro dramáticas, sobretudo para a mulher, de uniões irremediavelmente viciadas – uma consciência exaltada com muita eficácia também pela literatura: pense-se em Madame Bovary de Flaubert ou em Anna Karenina de Tolstoi – levou em 1884, após longas batalhas parlamentares e de opinião, à reintrodução do divórcio na França, limitado contudo a poucas causas específicas (rapto, estupro, sevícias, condenação penal) e com a exclusão do consentimento mútuo como causa de dissolução do vínculo. Ainda na França, muito gradualmente se impôs também a proteção da mulher: à esposa é reconhecida uma pequena capacidade de agir, bem como o usufruto de uma parcela dos bens do cônjuge falecido, a mulher separada foi subtraída ao poder marital, concedeu-se à mulher trabalhadora a possibilidade de dispor livremente de seu salário”.
No mais, definitivamente não somos fofoqueiros. Nem eu nem muito menos Flaubert ou Tolstói.
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
Por Marcos Ferreira
Naquele fim de tarde a senhora Dolores, jornalista ainda em atividade com um blogue que discorre principalmente sobre política, dispensou a empregada uma hora mais cedo. Disse à jovem serviçal que ela própria (Dolores) cuidaria do jantar, pois se tratava do aniversário de casamento dela com o senhor Tibério (desembargador aposentado) e que eles fariam uma comemoração muito íntima, visto que ambos não conceberam filhos em virtude da esterilidade da senhora Dolores.
Tinham adotado duas crianças, um menino e uma menina de três e dois anos, respectivamente, mas estes hoje são adultos, foram estudar nos Estados Unidos e por lá ficaram. Dolores e Tibério estão casados há cinquenta anos. Ele já ronda as portas dos oitenta, a completar-se em dezembro, enquanto que Dolores (oito anos mais nova) conta setenta e dois. Havia bastante tempo que os consortes não sabiam mais o que era um momento de relação sexual. Sobretudo o senhor Tibério, que guarda quanto a isso apenas uma vaga lembrança. Nesse dia, porém, a senhora Dolores estava disposta a reacender a cama gloriosa de que eles gozaram no passado.
— Olha, eu estou muito a fim, querido.
— Hum. Até posso imaginar o que seja.
— Pois é. Você não tem escapatória.
O jantar não teve nada de muito especial, quando degustaram uma boa garrafa de vinho de cinco mil reais. O detalhe que se destacou na refeição foi uma considerável quantidade de castanhas-de-caju salgadinhas e amendoim torrado. Isso, no entendimento da senhora Dolores, em harmonia com o vinho fino e caro, possivelmente ressuscitaria a libido há muito adormecida do senhor Tibério.
Sim, o homem apreciava castanhas e amendoim. Em particular castanhas-de-caju. Mas essas angiospermas devem ser consumidas com moderação, ainda mais quando falamos de um indivíduo com quase oito décadas.
Na cama, durante umas massagens e outros estímulos, parecia que o senhor Tibério readquirira as forças abaixo da linha da cintura. A senhora Dolores, trajando uma minúscula camisola vermelha, como era apropriado naquela ocasião, animou-se com os discretos sinais, os sutis espasmos eréteis do marido.
Completamente nu e de papo para cima, a barriga branca e avantajada se destacando na penumbra, até mesmo o próprio senhor Tibério empregou um tanto de fé no seu hipotético desempenho ali, entre quatro paredes. Enfim, após um jejum de anos a fio, ele estava prestes a cumprir com sua obrigação de virilidade. A senhora Dolores caprichava na massagem daquele membro invertebrado.
— Está gostando, meu Alain Delon?
— Sim, sim, minha Afrodite. Muito.
— Que bom! Hoje, então, dará certo.
Eis, todavia, que o excesso de castanhas e amendoim com vinho surtiu um efeito desastroso. A vaga lembrança da cama gloriosa deu lugar a cólicas repentinas e o senhor Tibério mal teve tempo de chegar ao banheiro. A senhora Dolores pôde ouvir os estampidos. Após uns trinta minutos, lavado e enrolado em um roupão de banho, o Alain Delon voltou para a cama com um aspecto de morto-vivo. A tórrida noite de amor do casal foi pelo ralo. Frustrada, ela indagou baixinho:
— Como você está? O que houve?
— O tiro saiu pela culatra. Foi isso.
Marcos Ferreira é escritor