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domingo - 30/06/2024 - 10:26h

Aquela senhora

Por Bruno Ernesto

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Recentemente voltei à ilha da Sardenha, na Itália, para rever meu amigo Armando Paolo e matar um pouco a saudade daquela ilha paradisíaca localizada no mar Mediterrâneo e ao Sul da Córsega, com uma história de mais de cento e cinquenta mil anos de atividade humana, sendo a ilha toda um um sítio arqueológico a céu aberto.

Lá podemos ver estradas e construções romanas, torres mouras e o mais interessante, os gigantescos nuraghes, que são torres circulares de pedras sobrepostas, erguidas há mais de cinco mil anos.

Essas construções são muito parecidas com uma gigantesca chaminé, algumas chegando a ter trinta metros de altura e com muitas derivações com torres menores, como se fossem uma pequena cidade medieval ou uma pequena vila fortificada, e que vistas de cima, parecem uma grande colmeia. São imensas, e até hoje são um verdadeiro mistério como foram construídas, pois para quem põe os olhos nelas e pode explorá-las, numa caminhada um tanto difícil, facilmente constata que seria muito complicado de erguê-las com a tecnologia que apenas hoje dispomos, imagine há cinco mil anos.

É tão impressionante e misterioso, que até o famoso escritor e teórico de civilizações antigas, o suíço Erich von Däniken, registrou no seu célebre livro, “Eram os Deuses Astronautas?”, o grande mistério da civilização nurágica o que, de fato, é muito intrigante, pois quando tive a primeira oportunidade de entrar num desses nuraghes, simplesmente não acreditei que pudesse ter sido erguido por mãos humanas há mais de cinco mil anos. E toda vez que vejo um deles fico impressionado.

Dessa vez fomos ao Su Nuraxi, que é um sítio arqueológico nurágico localizado em Barumini, e que foi descoberto pelo arqueólogo Giovanni Lilliu na década de 1950, e que foi eleito patrimônio mundial da UNESCO no ano1997.

Realmente, de todos nuraghes que vi e entrei, esse era, de longe, o mais impressionante e bem preservado. Simplesmente gigantesco.

Por ser um sítio arqueológico muito conhecido, a prefeitura local criou um centro turístico muito bem organizado, contando, inclusive, com guias profissionais que percorrem todo o sítio arqueológico com os visitantes, explicando detalhadamente todos os locais que acessamos, inclusive a gigantesca torre principal, cujo acesso é uma verdadeira aventura, e quem tem medo de altura ou claustrofobia, certamente terá dificuldade.

Uma coisa que me chamou bastante atenção quando nos dirigíamos para o portão de acesso ao sítio arqueológico, foi que no nosso grupo de visitantes formado naquele horário, havia uma família de pessoas de meia idade que pareciam há muito tempo não se verem e estavam ali a passeio; talvez visitando parentes na cidade ou região.

Dentre eles, uma senhora muito bem agasalha – fazia uns oito graus -, com uma roupa de lã preta, usando uma bengala e que andava com uma certa dificuldade, e a considerar que na ilha da Sardenha há a característica de grande longevidade dos moradores, inclusive com um grande número de pessoas centenárias, aquela senhora aparentava noventa anos de idade, ou mais.

Quando a guia convidou a todos para seguí-la, o grupo, formado por umas dez ou doze pessoas, iniciou a caminhada em direção ao sítio arqueológico que ficava à uns duzentos, metros do portão de entrada, momento em que percebi que duas das mulheres que acompanhavam aquela senhora conversavam um tanto apreensivas com ela, dizendo que era perigoso para ela e que ela não conseguiria entrar no nuraghe, pois precisava subir uma grande e estreita escada para acessar o interior da torre e do complexo de câmeras principal.

Ao tempo que passava por elas, pude ver que aquela senhora tentava convencê-las de que tinha plena capacidade física para acompanhá-las, e vez ou outra apontava para o gigantesco nuraghe e mostrava a sua bengala para as mulheres, que calmamente diziam que era melhor ela aguardar sentada num banquinho que fica à beira da estrada de acesso ao complexo arqueológico, em baixo de uma oliveira que balançava com aquelas rajadas de vento congelante.

Quando vi que ela não tinha mais argumentos, calou-se e, pude perceber, nitidamente, sua impotência e resignação, e com um semblante de tristeza, umas daquelas mulheres que a acompanhava a levou gentilmente para o banco, onde sentou com uma certa dificuldade e ficou nos olhando impotente.

De fato, não havia a mínima possibilidade daquela senhora nos acompanhar. A verdade é que até eu tive uma certa dificuldade para subir as escadas e andar por entre as câmaras do complexo das torres principais.

Antes de subirmos a torre principal, a guia nos levou para uma caminhada por entre o complexo, que consistia em pequenas ruínas das torres menores, e após uns trinta ou quarenta minutos de explicações e caminhadas, nos dirigimos à torre principal, que devia ter quase trinta metros de altura, e lá de cima, ao longe, pude ver aquela senhora sentada sozinha no banco, olhando para nós.

Achei tão triste aquela cena, que a filmei. E durante todo o restante do passeio fiquei imaginando o que se passou na vida daquela senhora. Há quanto tempo aquelas mulheres que a acompanhavam não a viam. Será que eram as suas filhas? Talvez sobrinhas? Netas?

Após o passeio no interior da torre principal, rumamos para a saída do complexo e novamente fiquei fitando aquela senhora que continuava ali sentada e só se levantou quando aquelas mulheres se aproximaram novamente dela.

Como estavam a uma certa distância de onde estava parado vendo aquela cena, apenas pude ver que conversaram efusivamente, erguendo os braços e gesticulando, enquanto apontam para o nuraghe sorrindo. Não pudemos escutar o diálogo delas.

Após alguns instantes, deixamos o local e, desde então, a imagem daquela senhora sentada sozinha naquele banco ficou na minha mente, e fiquei a me perguntar: quem seria aquela senhora?

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica

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