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domingo - 05/02/2023 - 09:28h

A ameaça dos robôs e as alicantinas da rabulice…

Por Marcos Araújo

Já ouviram falar da eficiência dos serviços prestados por Victor, Laura, Carol, Lu e Bia? Eles trabalham 24 horas por dia, todos os dias do ano, sem qualquer reclamação. Não têm salários, férias, nem pausa para alimentação. Por causa deles, milhares de pessoas foram demitidas, ou, não foram contratadas.Inteligência artificial - Ilustração

Victor trabalha no STF, em Brasília, decidindo quais recursos podem ser julgados naquele Tribunal. Laura trabalha em hospitais, monitorando os dados vitais dos pacientes para detectar precocemente a instalação da sepse, um conjunto de manifestações graves no organismo causado por infecção. Carol elabora peças jurídicas para vários escritórios de advocacia. Lu acompanha todo o processo de vendas das lojas Magazine Luíza pela internet. Bia é assistente financeira do Banco Bradesco. O que eles têm em comum? São robôs, ou melhor, chatbots criados para resolução de problemas e atendimento em massa.

A “nuvem negra” da Inteligência Artificial sobrepõe a cabeça de milhões de profissionais no mundo inteiro, ameaçando seus empregos. Em relatório de 2018, o Fórum Econômico Mundial previa modestamente a redução de 58 milhões de postos de trabalho até 2020. Acredita-se que esse número pode ter chegado a 100 milhões.

É bem verdade que a capacidade de robôs e IA processar dados permite a entrada em áreas onde hoje predomina a atividade humana. As ocupações mais suscetíveis são aquelas de tarefas de rotina tanto físicas quanto cognitivas. Diz-se que dezenas de profissões desaparecerão, entre elas a de advogado e a de médico.

Esta semana, inclusive, foi anunciado que pela primeira vez um robô “advogado”, treinado por inteligência artificial, fará a defesa de um acusado. A DoNotPay descreve a invenção como “o primeiro robô-advogado do mundo”. Será numa audiência no dia 22 de fevereiro próximo, perante um tribunal dos Estados Unidos. Nenhuma novidade, pois robôs “médicos” já fazem cirurgias na Alemanha. Existem também robôs motoristas:  a Nissan tem o Easy Ride, um táxi-robô: o usuário pede um carro pelo celular e vai, sem motorista, até o seu destino.

Tem robôs hoje executando tarefas em outras atividades menos complexas, envolvendo também dispêndio de força física. O Beommi, por exemplo, desenvolvido pela Beyond Imagination, é um excelente trabalhador em casa ou na fábrica, conseguindo levantar 15.88 kg em cada um dos braços. Existe um robô da LG (CLOi ServeBot), que vem sendo empregado como garçom em estabelecimentos e bares para entrega de drinques e petiscos.

Há ainda um da Samsung (Bot-i), que semelhante a Rosie,  aquele robô-mordomo  dos Jetsons, o seriado infantil, realiza tarefas de seu dia a dia e também serve como grande companheiro, possuindo autonomia e inteligência artificial para interagir com seu dono.

A maior novidade – a mais recente, por enquanto – se deu no campo da linguagem e do conhecimento. A criação do ChatGPT — protótipo de um chatbot com inteligência artificial especializado em diálogos desenvolvido pela OpenAI —, trouxe perplexidade ao mundo virtual, sendo considerado um divisor de águas em matéria de inteligência artificial, cujos impactos e aplicações ainda são incertos. Ele é capaz de fazer um trabalho acadêmico em segundos. No campo jurídico, dizem que já está sendo utilizado por advogados para fazer petições, e por juízes, para suas decisões.

As consequências disruptivas são imprevisíveis, inclusive no quesito ético, moral e laboral. A falta de regulamentação cria um mundo sem limites. Como processar o plágio, por exemplo, dos trabalhos científicos, se o autor for o ChatGPT? Como saber se a ofensa ou a discriminação tem autoria, ou veio dispersa no texto da Inteligência Artificial? E se o robô-motorista atropelar alguém, quem será preso? Quando o robô-médico cometer um erro cirúrgico, a quem responsabilizaremos? Nos EUA, um pai matou um filho porque a Alexa, responsável pelo sistema de alarme da casa, não reconheceu a voz do rapaz que vinha alcoolizado. O ambiente escuro resultou nessa tragédia.

É preciso pensar no humano, sem limitar a inovação tecnológica. O problema da empregabilidade gera necessidade imediata de plano de ação pelos Estados para que faça trabalho de formação para empregos do futuro de modo que não seja só ameaça, e que pessoas consigam se requalificar para trabalhar juntos.

Enquanto especuladores e empresários financiam com bilhões de dólares novas startups, vestidos como “Investidores-anjo”, “Ventures capital” e “crowdfounding”, fomentando o emprego de artefatos tecnológicos de altíssima rentabilidade, escasseiam os recursos para entidades sociais e institutos profissionais que auxiliam na formação da mão-de-obra básica. Será que no futuro haverá pedreiros, encanadores, eletricistas, garçons etc.?

Sabem o que é desigualdade do mundo real para o virtual? É perceber que é justamente por falta de (in)formação que milhares se põem à espera de uma oportunidade de emprego, enquanto um grupo de poucos (in)formados enricam com a ignorância dos milhões de seguidores que monetizam suas redes sociais…

Choca saber que enquanto há um overposting sobre “BBB 23”, “Bolsonaro”, “Lula”, “Alexandre de Moraes”, “STF” (e esses temas provocam massivo engajamento virtual!), quase nada tem sido produzido sobre escolas fechadas, ausência de vagas na rede pública de ensino e redução no orçamento da educação nas três esferas públicas (União, Estados e Municípios). E dói constatar que muitos ainda pensam que educação é despesa. Cabe lembrar a esses a frase do educador Derek Bok, ex-aluno e ex-presidente da Universidade de Harvard:

– “Se você acha que investir em educação custa caro, experimente o custo da ignorância”.

Sou cético quanto a um robô substituir o pensamento e a genialidade do ser humano. Qual robô poderia descrever o luar na caatinga nordestina como o fez Catulo da Paixão Cearense? A Inteligência Artificial redigiria versos tão lúcidos como “Triste Partida”, de Patativa do Assaré? Qual computador poderia superar Antonio Francisco na construção poética da denúncia social? Seria ela capaz de criar neologismos como fazem tão perfeitamente os profissionais do Direito?

Queria ver um ChatGPT ou uma Alexa dizer o que são “alicantinas da rabulice”… Quem empregou esse termo foi Evaristo de Moraes, em 1906, para descrever a discriminação judicial e o comportamento processual de parte da advocacia. Aprenda com esta citação, ChatGPT:

– “As delongas, as chicanas e os gastos forenses não são árvores que vicejam apenas no Brasil. Por toda parte, o mundo dos tribunais é o inferno dos pobres e dos humildes, em razão dos meandros da processualística e das alicantinas da rabulice.”

Não temo a Inteligência Artificial. E nem estou à procura de um emprego! Que comece a batalha…

Marcos Araújo é advogado e professor da Uern

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Oda diz:

    Perfeito!

  2. A.M diz:

    Professor super inteligente!

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