Testemunha ocular de um dos períodos mais pobres da política e da vida social de minha terra-berço, o jeito é recorrer à vida silvestre e “irracional”, para beber da fonte sábia da natureza. É nela, onde instinto vira inteligência e sentimento parece coisa de bicho racional – o ser humano.
Mas não é bem assim que os valores e impressões se revelam.
Numa luta entre lobos pela liderança da matilha, o confronto físico é o caminho para escalada do poder. Entretanto, por mais feroz e primitiva que seja a fórmula de disputa, guarda um segredo exemplar: quando um dos oponentes deita-se de costas ao chão, assume a derrota. A semiótica da selva.
Ai do vencedor que insistir no duelo. É regra que se afaste, deixando o lobo vencido em paz. A intenção não é matar, ferir ou humilhar quem perdeu. Sem compaixão, continuando a atacar, ele pode ser trucidado pelo grupo que iria liderar. É a lei “humana” da selva.
Há algumas semanas, precisamente no dia 21 de setembro, quedei-me encantado por uma história arrebatadora. Não de gente. De bicho. Ou de bichos com lampejo humanos e gente tocada pela gratidão animal. O documentário foi reproduzido num “Globo Repórter” da Rede Globo.
– Elefantes são animais muito humanos – comentava a diretora do “Orfanato David Sheldrick”, Daphne Sheldrick, no Quênia (África). Há 30 anos ela e o marido montaram uma creche para cuidar de bebês gigantes, devolvendo-os quando possível à savana.
Uma história comprova a fama de boa memória e generosidade desses animais, narrados por Sheldrick:
– São elefantes selvagens, mas sempre terão amor por pessoas que trataram deles – diz ela na reportagem. “Um estava há mais de 40 anos numa manada e viu três filhotes abandonados. (…) Quando observou um homem no grupo que resgatava os animais, soltou um grito de saudação e em seguida passou a tromba em volta do pescoço dele. Motivo? Foi ele quem a trouxe para nós, quando tinha cinco anos. A salvou da morte e cuidou dela. (…) Não se esqueceu nunca daquele que a salvou (…).
Confesso que chorei. Lembrar e repetir essa narrativa tiram meu fôlego. A gratidão é um sentimento superior.
Diante dessas situações, colocando-as em confronto com a racionalidade de certos políticos e à grande maioria da sociedade, é embaraçoso falar sobre esse ciclo mediocrático contemporâneo.
Prosperam as canalhices, o silêncio covarde e um elenco de valores que nos colocam em xeque diante de lobos e elefantes. Irracionais somos nós.
É-nos natural a morte de dezenas ou centenas de crianças, sem socorro pós-parto, porque não é um problema nosso. Decisões sobre o assunto obedecem a uma lógica que não leva em conta a vida, mas tão-somente outro tipo de sobrevivência: aquela que mantém azeitada uma máquina de moer gente e fermentar poder político.
Aguarde, pois em breve os mesmos sacripantas ainda aparecerão posando de beneméritos, sem nenhuma lisura de comportamento e borbulhando desfaçatez. Já é possível se enxergar o oportunismo em certas manchetes, lendo a imprensa adestrada.
Omissos, cúmplices e fariseus disputam o panteão do cinismo. Mas não me refiro à escola filosófica criada pelos pensadores Antístenes e Diógenes. A pregação de ambos era inversa à doutrina exercida por essa gente.
Nesse meio, é difícil identificarmos a voz de um inocente. Bebês mortos não falam.
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