• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 20/10/2013 - 07:48h

A esposa

Por Vinícius de Moraes

Às vezes, nessas noites frias e enevoadas
Onde o silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos
Essa estranha visão de mulher calma
Surgindo do vazio dos meus olhos parados
Vem espiar minha imobilidade.

E ela fica horas longas, horas silenciosas
Somente movendo os olhos serenos no meu rosto
Atenta, à espera do sono que virá e me levará com ele.
Nada diz, nada pensa, apenas olha — e o seu olhar é como a luz
De uma estrela velada pela bruma.
Nada diz. Olha apenas as minhas pálpebras que descem
Mas que não vencem o olhar perdido longe.
Nada pensa.
Virá e agasalhará minhas mãos frias
Se sentir frias suas mãos.

Quando a porta ranger e a cabecinha de criança
Aparecer curiosa e a voz clara chamá-la num reclamo
Ela apontará para mim pondo o dedo nos lábios
Sorrindo de um sorriso misterioso
E se irá num passo leve
Após o beijo leve e roçagante…

Eu só verei a porta que se vai fechando brandamente…
Ela terá ido, a esposa amiga, a esposa que eu nunca terei.

Vinícius de Morais (1913-1980) – Foi diplomata, compositor, poeta e amante da vida.

Veja AQUI sua biografia numa singela homenagem por passagem de seu 100º ano de nascimento.

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Categoria(s): Grandes Autores e Pensadores / Poesia

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