• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 17/02/2008 - 02:45h

A leitora escritora


“O melhor não está escrito. Está nas entrelinhas…” (Clarice Lispector)

Einstein tinha razão, quando disse: “a imaginação é mais importante do que o conhecimento”. Foi, pois, essa imaginação que fez com que os cientistas, no início do século passado, revelassem ao mundo a espantosa teoria da física quântica, segundo a qual as coisas podem se comportarem tanto em forma de ondas, como também de partículas, e estas últimas poderão estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. A física quântica é algo tão maravilhoso, que vem mostrar que o observador pode modificar o observado.

Difícil de entender? Pois calma, que vou explicar!

Não com as teorias quânticas, mas com algo que aconteceu comigo, logo após escrever o artigo “Desejo de Status”. Encontrei, sem querer, uma amiga que há muito tempo que não a via. E antes até de nos saudarmos, ela logo veio com essa: “Aquele seu último artigo foi para fulano, não foi?”.

Fiquei extremamente surpreso com a indagação, pois essa pessoa a quem ela se referia, para mim, só sabe ler revistas caras: jornais, nunca! Então, como poderia escrever algo para alguém que não ler jornais? Como? Seria um trabalho em vão.

Não minha amiga, não foi para essa pessoa que eu escrevi o artigo. Até porque considero um artigo – o texto -, como um filho, e nenhum filho mereceria ter sido gerado para essa pessoa a que a minha amiga gostaria que o meu texto se referisse… (outro dia, quis explicar isso a um “intelectual” da assessoria de comunicação de uma revista e ele não entendeu nada:

– “Eu pensei que filho só fosse o ser gerado no ventre materno”, disse ele cheio de empáfia.

Pois bem, vamos voltar à estória do artigo ser um filho. Quem escreve, sabe que para gerar um texto é preciso o processo de fecundação, gestação e as dores do parto… a coisa é trabalhosa. Sabedor disso, o prêmio Nobel de Literatura, Orhan Pamuk, brilhantemente, afirmou: “O escritor é uma pessoa que fecha a porta, senta-se diante da mesa e, sozinha, volta-se para dentro; cercada pelas suas sombras, constrói um mundo novo com as palavras”. E veja só, ao tentar construir esse novo mundo, com o texto “Desejo de Status”, este terminou sendo inteiramente modificado (o observador modifica o observado) pela interpretação da minha amiga leitora.

Então, tem razão quem disse que o leitor é quem é o escritor…" Pensando eu que tinha esclarecido a questão com a minha amiga leitora – e agora também escritora –, chego em casa e encontro o seguinte e-mail, de outro amigo: “Já li umas três vezes o seu texto, para ver se era comigo a coisa… só acho que estou inserido, quando você fala das piadas de mau gosto”.

Agora, danou-se, todo mundo quer “o meu filho” – o texto –, para si.

De pronto, respondi: “Meu caro amigo, desde quando as suas piadas são de mau gosto? Elas são inoportunas como também de um péssimo, repito: de um péssimo, mau gosto. Fique tranqüilo, portanto, o texto não era para você”.

Guimarães Rosa ainda dizia que viver é negócio muito perigoso. Perigoso é escrever. E eu não sei por que estou estranhando isso, pois num passado, não tão distante, quando fiz outro artigo denominado “O pecado da gula”, soube que uma especialidade médica ficou indignada, pois achava que eu estava me referindo a ela. Impossível! Pois, nesta especialidade, de tanto os médicos viverem correndo de um hospital para outro, não têm tempo de comer nada: que dirá de ter gula… vá entender o leitor?"

Termino, tendo que reconhecer que tanto Kant como Demócrito tinham razão. O primeiro por afirmar: “Nunca poderemos conhecer a natureza da realidade como ela é”; o segundo, pela brilhante percepção, ao dizer que “não existe nada, exceto átomos. Todo o resto é apenas opinião”.

Francisco Edilson Leite Pinto Júnior
, professor, médico e escritor – edilsonpinto@uol.com.br

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Categoria(s): Fred Mercury

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