• Cachaça San Valle - Topo do Blog - 01-12-2024
domingo - 17/01/2016 - 09:20h

A maldição da escrita

Por François Silvestre

Ou a “dura escritura” a que se referia Clarice Lispector. É certo que ninguém, do ramo de mesmo, escapa impune dessa maldição.

Tranquilizem-se os que fazem da escrita apenas um exercício de redação, principalmente na internet, onde todas as línguas são maceradas pelas penas infames dos redatores de shoppings. Nós não seremos alcançados pela maldição.

Aliás, nesse caso a maldição atinge o leitor. O coitado pune os olhos e ainda maltrata a escassa instrução. São leitores de copistas que nem sabem de onde vem o palimpsesto. Nem pra onde vai.

Mas essa não é a maldição de que trata o presente texto. Aqui eu quero cuidar da real escrita, maldita e carcereira que mantém sob cadeados os que a usaram ao longo da vida sem perceber que é ela a usá-los e não o contrário.

E quando percebem, já nada podem fazer. Apenas esperneiam, deprimidos e angustiados. Sentindo os grilhões que lhes aprisionam o juízo.

Foi assim com Manoel de Barros. Poeta da desfeitura, do desaprender para atingir o miolo do desconhecimento. Da inutilidade mais útil que do que todas as utilidades práticas. Essa inutilidade a que se refere Kerubino Procópio, como exercício do envelhecer.

E o castigo foi a morte do riso do poeta, ainda em vida. Abatido pela depressão que não perdoa nem a poesia.

Com Câmara Cascudo. Escreveu mais livros do que os leitores que tem. Escreveu mais do que a maioria lê durante toda a vida. Também viveu, e o fez intensamente. Mas não se livrou da maldição, ao pronunciar uma única vez a amargura provinciana. “Não consagra”…

Com José Lins do Rego. Sua escrita é a tentativa frustrada de espantar o fantasma de um garoto a cuja morte lhe deu causa.

Com Ariano Suassuna. A tragédia que abateu sua família, quando um parente seu matou João Pessoa. E o resultado mais brutal foi o assassinato do próprio pai. Diniz Quaderna, d’A pedra do Reino, confirma o revelado. Que nem Sinésio, o alumioso, conseguiu alumiar.

Com Drummond de Andrade. A poesia mais chafurdada por críticos e acadêmicos. O esplendor poético na pele de um funcionário tímido, da burocracia oficial.

Com João Cabral de Melo Neto. A poesia de pedra a ser jogada secamente na cara dos sentimentos, para negá-los. E a rendição final, ante a fraqueza física que não se nivelou à fortaleza poética.

Com Mário de Andrade. Angústia antropofágica e partida precoce. As letras e a música modelaram a maldição íntima de um homem além do tempo.

Com Clarice Lispector. “Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome”. A dor invisível e presente. Ou presentemente visível. Em Manoel Bandeira, Oswaldo Lamartine e Zila Mamede.

E assim é com quem paga o preço dessa maldição. Da palavra escrita com jeito novo mesmo sendo palavra velha. Do espanto que causa a cópula das palavras a embuchar a frase e parir o rebento.

mais.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Gilmar H diz:

    Infelizmente, aqui no Brasil, a Faculdade que lida com a Ciência da Linguagem tem o nome de Letras.

  2. naide maria rosado de souza diz:

    Uma aula. Grande aula, François Silvestre.

  3. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Em tempos de escassa leitura de qualidade e, põe escassa nisso, assim como raras penas a não malferir a qualidade da tão malbaratada e maltratada escrita, sobretudo da lingua de de Camões. Vem o mestre François Silvestre e nos brinda com mais uma aula nos ensinando conhecimento, sabedoria, simplicidade e sinceridade.

    A esse respeito, entendo que de um modo geral não há como dissociar escrita, leitura e cultura, e, nesse particular o mundo digital em que domina o internetês que digamos é a “magistral” escrita legado dessa era que torna o mundo dia-adia ao mesmo tempo menor e mais superficial no preclaro autorama da cultura de massas.

    No caso, o bicho homem, ainda não podendo deter, conhecer e possuir a maquina do tempo, por via de consequencia, não há alternativa outra que não vivenciar e tentar administrar esse verdadeiro apagão cultural como muito bem cognominou Harold Bloom, crítico inglês que entende vivenciarmos nas últimas (03) (Três) décadas, verdadeiro apagão cultural uqe bem demonstra uma depirmetne onda de mediocridade no campo da criação e da arte, seja na musica, na pintura, nas artes plásticas e na arte de um modo geral.

    Voltando aos desígnios da era da escrita legada pelo internetês, alguns críticos entendem que do mesmo modo que a oralidade intervém na norma culta do idioma, e que foi uma das bandeiras dos modernistas brasileiros na Semana de 1922, a linguagem “ligeira”, às vezes cifrada e só para iniciados, também afeta a modalidade culta, e o resultado nem sempre é positivo .

    Nesse contexto, não obstante a maioria dos tradicionalistas sejam pessimistas, ao mesmo tem quem afirme que sempre é possível a diversidade na literatura. Assim, citam dois exemplos de autores que escreviam dessa forma muito antes da internet: William Faulkner, mais “oral”, e Marcel Proust, mais “literário” -explica e escritro Michel Laub.

    Pessoalmente, entendo que as transformações advindas desse novo modo escrevr e, sobreudo dessa oprunização de novo modo leitura e, por via de consequencia um sem número de oportunidades para ler sobre os mais variados assuntos, porém sem um mínimo de profundidade, talvez nos tenha legado uma sub-literatura, digo mais, menos literatura e mais coloquialismos.

    Muitos críticos e especialistas, entendem que, muito embora não se possa afirmar categoricamente que a internet favoreceu o desenvolvimento de uma “cultura letrada”, com ênfase em informações profundas e relevantes, ela reforçou o peso da palavra escrita no cotidiano das pessoas. Mais do que gírias e jargões, como o famigerado “internetês”, as transformações pelas quais passam a escrita e a leitura estão por ser dimensionadas.

    A dimensão e, sobretudo a velocidade com que vivenciamos os tempos atuais nesse novo e avassalador modo ler e de escrever, inevitavelmente nos trazendo mais perguntas que respostas e, sobretudo nos fazendo mergulhar no além mar do inarredável saudosismo da escrita e da leitura clássica, que não voltam mais.

    O fato incontroverso é que, independente de enxergamos a escrita e a leitura de modo clássico ou não, inarredavelmente a roda História se move. Para adiante.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  4. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Caro Jornalista Carlos Santos, tinha um comentário meu a respeitodo Texto de François Silvestre na fila do moderador esperando sua análise e, por conseguinte, sua pulicação, não mais existe e nem foi publicado, o que houve?

    Um baraço

    RANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO
    OAB/RN. 7318.

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.