domingo - 23/03/2014 - 07:20h

À memória de Vivaldo Dantas de Farias

Por Odemirton Filho

O Senhor Vivaldo Dantas de Farias está? Sim, respondeu, ingenuamente a sua esposa, Dona Placinda.

Era o Exército que adentrava a residência do proprietário da fábrica de redes e o levava embora, preso, sob o olhar choroso de sua mulher e seus treze filhos. Começa um calvário que se estendeu por quarenta e cinco dias, recheado de dúvidas e sofrimento familiar.

A falta de informação e o medo constante que pairavam naquela família deixaram marcas indeléveis na alma de cada um. Ver o seu pai ser retirado, à força, de casa, foi um baque para seus filhos, a maioria pequenos.

Dona Placinda, evangélica, de hábito simples, precisou de toda sua fé para conduzir a família e aplacar a tristeza de seus filhos. Precisava se manter firme, mesmo que dilacerada por dentro.

Com a ajuda de um amigo, encheu uma carroça com livros comunistas e foi enterrá-los distante de sua casa, para não se formar o libelo crime acusatório contra seu marido. Mas, qual o crime cometido? Era comunista.

Juntamente com amigos que compartilhavam do mesmo ideal, era um perigo para o Estado ditatorial que acabara de ser implantado no país. Seu Vivaldo promovia em sua residência encontros “secretos” para discutir o futuro da nação brasileira.

Como em todo o país, em Mossoró, a chama do comunismo estava acesa, ou melhor, a busca de um Brasil livre da opressão que iria perdurar por vinte anos.

Mas pensar contra o Estado era algo inadmissível, pois a tomada do poder seria temporária, até se ajeitar o país e afastá-lo do perigo comunista que o rondava. As informações junto ao Comando da Capital eram desencontradas, não se sabia ao certo onde Seu Vivaldo estava, e a família viveu por eternos quarenta e cinco dias esse martírio para obter informação.

Contudo, as orações de Dona Placinda e seus filhos foram ouvidas. Após todo esse tempo, o velho comunista retornou para o seio de sua família.

Abatido, cansado, não quis entrar em detalhes sobre o sofrimento que padeceu. Queria preservar os filhos.

Uma única vez confidenciou à sua filha mais velha, minha mãe, que fora colocado em um quarto escuro, sem sandálias, repleto de formigas vermelhas. Talvez tenha contado o mínimo em respeito à dor de sua filha.

Portanto, há cinquenta anos, um homem de bem que ousou pensar diferente dos mandatários do país, sofreu profundas torturas em seu corpo e, sobretudo, na sua alma. Na realidade, não importa se era comunista ou não, o que se almejava era um país livre.

Hoje, apesar de tudo, foi resgatada a democracia e o povo pode se manifestar sem as amarras da ditadura.

Seu Vivaldo, onde quer que esteja, deve estar feliz e em paz, ciente de que seu sofrimento, de sua família e de milhares de brasileiros, não foi em vão.

Odemirton Filho é oficial de Justiça e professor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. IVAN NOGUEIRA DE MORAIS diz:

    Quem faz política lutando por um ideal, certamente, consegue escrever seu nome na História. Justíssima homenagem a esse grande Brasileiro. O Companheiro, Camarada Vivaldo Dantas, se constituiu em grande referência para a esquerda de Mossoró. Seu nome faz parte de uma luta em prol da liberdade, em defesa dos excluídos e sobretudo da DEMOCRACIA. Viva Vivaldo Dantas !!!
    Respeitosamente,
    Ivan Nogueira de Morais.

    • Odemirton Filho diz:

      Obrigado pela lembrança ao meu saudoso avô, caro Ivan Nogueira, tenho certeza que compartilhas do mesmo ideal. Forte abraço.

  2. naide maria rosado de souza diz:

    Meu Deus. Prof. Odemirton fez-me viajar no tempo. Fez-me recordar algo que me magoa por mais que eu tente me perdoar. É que o meu pai , Jerônimo Dix-huit Rosado Maia, recebeu um livro de presente de Mao-Tse-Tung, seu autor. Havia nele uma dedicatória, em nada comprometedora, escrita pelo líder chinês, em espanhol, elogiando a inteligência de meu pai. Não havia conotação política. Mas eu ouvia no colégio o que estava acontecendo com outras famílias e fiquei com muito medo . Então, peguei o livro e tentei escondê-lo sob os tacos da sala, atividade parecida com a de D. Placinda. Não consegui…ficou alto. Dava para ver que havia algo ali. Então, cometi um sacrilégio. Rasguei a primeira página, a da dedicatória e queimei-a. Depois, escondi o livro. Tudo de forma muito precária pois se o livro fosse encontrado havia o sinal da ausência de página. Foi o máximo que a minha pouca idade me mandou fazer. Aquela página teria apenas um valor histórico…ter o livro não quer dizer que a pessoa siga a ideologia de seu escritor. Quer dizer que a pessoa é culta, estudiosa.
    Pois bem, o meu pai procurou muito aquele livro…falei sobre isso no centenário dele. Não tive coragem de contar-lhe o que fizera. Não por medo. Sei que ele entenderia meu receio de jovem e jamais me puniria. Entendi que era melhor ter a esperança de achar do que saber de sua inexistência.
    Imagino o sofrimento da família de Vivaldo Dantas de Farias. D. Placinda foi uma heroína conduzindo a família.
    Lindo texto, Prof. Odemirton. Continuo sem me perdoar por ter arrancado aquela página.

    • Odemirton Filho diz:

      Naide Maria, tens razão, às vezes, no calor do momento tomamos atitudes que nos arrependemos depois. Mas as circunstâncias da vida nos fazem adotar certos procedimentos. Não devemos nos culpar, pois em ambos os casos, você em sua tenra infância e minha avó Placinda queriam preservar pessoas queridas. Fizeram o certo naquele momento, Tenho certeza que Vivaldo Dantas e o velho alcaide entenderiam a atitude. Forte abraço.

  3. JULIO CESAR SOARES diz:

    Inadmissível! Ainda tem gente que tem saudade disso.

  4. naide maria rosado de souza diz:

    Obrigada, Prof. Odemirton. O sr. fez um afago em minha consciência. Deus lhe abençoe.
    Naide Maria

  5. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Caro Odemirton Filho, parabéns pela simplicidade, objetividade e verdade histórica tão indeléveis com que nos brindou em seu texto.

    A leitura do seu texto caro Odemiton Filho , nos traz a lembrança dos que viveram e intentaram com sua luta, seu amor e destemor político, plantar a semente de uma nova pátria e nação renascida na esperança das transformações , as quais se não foram de todo recompostas em sua teia de amplas liberdades, pelo menos reacendeu sob as bênçãos da democracia representativa.

    A esse respeito, em homenagem ao Sr. Vivaldo Dantas e a tantos outros que lutaram bravamente, sobretudo pelo direito dos brasileiros em pensar diferente sem ser molestado pelos reacionários de plantão, transcrevo poemas de outros brasileiros, os quais igualmente intentaram demandas em favor das liberdades.

    Quero dizer teu nome, Liberdade,
    quero aprender teu nome novamente
    e para que sejas sempre em meu amor
    e te confundas ao meu próprio nome.
    Deixa eu dizer teu nome,
    Liberdade,
    irmã do povo,
    noiva dos rebeldes,
    companheira dos homens,
    Liberdade,

    teu nome em minha pátria é uma palavra
    que amanhece de luto nas paredes.
    Deixa eu cantar teu nome,
    Liberdade,
    que estou cantando em nome do meu povo.
    Thiago de Mello
    1966

    Sobrevivi.
    Levarei na pele,
    na alma,
    o nome de meus mortos.
    Pedro Tierra

    “Este tempo de divisas,
    tempo de gente cortada…
    É tempo de meio silêncio,
    de boca gelada e murmúrio,
    palavra indireta,
    aviso na esquina.”
    Carlos Drummond de Andrade

    Um abraço

    FRANSUÊLDO VIERIA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  6. Jorge de Castro diz:

    No nosso tempo de estudante começando a militância política. Quem nos “curava” das crises ideológicas era o “velho” Vivaldo. Uma lenda ainda viva em nossas memórias.

  7. Pedro Moreno Dantas de Farias diz:

    Oloko, eu n tenho o Dantas, mas as vezes assino com ele, pela memória do meu avô, que veio de Mossoró, e se chamava Otonio Dantas de Farias, queria saber se eram parentes, ele e filho de Manoel Dantas de Farias originários de assú mas q se mudou para Mossoró, os irmão dele continuaram lá mas só lembro o nome de um dos meus tios avós Orial Dantas de Farias

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