"A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro".
(John Lennon)
“Em um certo estado é indecente continuar vivendo por mais tempo. O prosseguir vegetando em uma dependência covarde de médicos e práticas, depois que o sentido da vida, o direito à vida se dissipou, deveria receber da sociedade um profundo desprezo”.
(Friedrich Nietzsche)
“Não quero a mão da medicina /alterando a alegria/ com que chafurdo o meu destino”.
(François Silvestre)
Ultimamente, sempre que recebo algum elogio, com relação aos meus artigos, estou tendo a mesma sensação do escritor Kahlil Gibran: “Eu costumava ter prazer ao ver as pessoas elogiando meu trabalho – mas agora isto me entristece, porque cada elogio me recorda aquilo que ainda não fiz…”.
E o que eu ainda não fiz – e já deveria ter feito – era ter abordado esse, não só complicado, mas também polêmico tema sobre o tratamento de um doente terminal. Esse assunto tem cada vez mais me incomodado e, por isso, coloquei-o como tema, em uma das aulas da disciplina de Oncologia, que é proferido, com muita propriedade, pelo professor e filósofo Pablo Capistrano.
Além disso, assistimos, eu e a turma, ao filme “Uma lição de vida”, que conta a estória da Professora universitária de poesia, Vivian Bearing (interpretado brilhantemente pela atriz Emma Thompson), portadora de um tumor maligno de ovário, em estádio avançado.
O filme é envolvente, comovente e emocionante, apesar de mostrar um lado sombrio da medicina: a falta de calor humano, tão necessário para um doente – independente de ter câncer ou não.
O que importa para os médicos do filme “Uma lição de vida” é o resultado – digo, os dados estatísticos – do tratamento radical quimioterápico, empregado na paciente Vivian.
Eles não levam em conta os efeitos colaterais inúmeros – queda de cabelo, náuseas, vômitos, febre, diarréia, diminuição das células de defesa, etc, etc-, causados pelas drogas (quimioterápico). O que importa para esses médicos – mesmo sabendo que não há nenhuma possibilidade de cura – é aumentar a sobrevida da paciente: aumentar o número de dias de vida, sem oferecer VIDA a esses dias…
Aprendi, na Faculdade de Medicina, que o maior objetivo do médico é salvar vidas e evitar o sofrimento dos seus pacientes. Então eu me pergunto: quando não há mais possibilidade nenhuma de cura – quando o tumor já se expandiu para os diversos órgãos -, é lícito continuar a utilizar drogas, ou até mesmo submeter esse paciente a uma cirurgia, sabendo que esses procedimentos causarão um sofrimento até maior do que a própria doença em questão?
Não sei até que ponto é ético esse questionamento. Todavia, o que sei mesmo é que o princípio ético universal que diz: “não fazer ao outro o que não gostaria que fosse feito a si mesmo”, me ajuda a seguir um caminho. Caminho esse que, graças a Deus, é seguido, também, por muitos oncologistas.
E espero, caro leitor, que você não pense que estou defendendo a prática da eutanásia, pois concordo, plenamente, com o Guia Europeu de Ética que diz: “Recorrer ao médico significa, em primeiro lugar, pôr-se em suas mãos. Essa ação, que domina toda a ética médica, proíbe, conseqüentemente, ações contrárias a ela. Assim, o médico não pode proceder à eutanásia. Ele deve esforçar-se por suavizar os sofrimentos de seu paciente, mas não tem o direito de provocar deliberadamente sua morte (…). Essa regra, conhecida de todos e respeitada pelos médicos, deve ser a razão e a justificação da confiança neles posta. Nenhum doente, ao ver o médico chamado à sua cabeceira, deve ter dúvida a esse respeito”.
No entanto, estou sim, mesmo, é abominando a prática da distanásia (aumentar a duração da vida quando ela já não tem mais sentido). Pois essa “obstinação terapêutica” só conduz a “uma soma indizível de sofrimentos gratuitos, tanto para o paciente que está morrendo, quanto para seus familiares". Além de que, esse praticar da distanásia, na maioria das vezes, está relacionado com o sentimento absurdo de “enquanto há dinheiro, há esperança”. Isto, sim, é abominável!
É abominável, essa situação – como bem lembra o Dr. Márcio Palis Horta, ex-presidente do CRM de Brasília – em que “centenas ou talvez milhares de doentes estejam hoje jogados a um sofrimento sem perspectiva em hospitais, sobretudo nas suas terapias intensivas e emergências. E não raramente, se acham submetidos a uma parafernália tecnológica que não só não consegue minorar-lhes a dor e o sofrer, como ainda os prolonga e os acrescenta, inutilmente”.
O escritor Rubem Alves preocupado, também, com esse delicado tema, sugeriu que fosse criada uma disciplina (a Morienterapia), nos cursos médicos, que ensinasse os cuidados com aqueles que estão morrendo. O médico morienterapeuta que, segundo o Rubem Alves, entraria em cena quando as esperanças já tiverem partido e quando a despedida for certa -, deveria ser um sujeito “tranqüilo, em paz com o fim, com o fim dos outros de quem ele cuida, em paz com seu próprio fim, quando os outros cuidarão dele”.
Desse médico, “não se espera nem milagres nem recursos heróicos para obrigar o débil coração a bater por mais um dia. Dele se espera apenas os cuidados com o corpo – pois é preciso que a despedida seja mansa e sem dor-, e também com a alma”.
Portanto, o doente terminal deverá ser “cuidado” até sempre: tanto na vida, quanto no seu processo de morte. Afinal, “vida e morte não são inimigas. São irmãs… pois, sem a frase que a encerra a canção não existiria. Sem a morte, a vida também não existiria, pois a vida é, precisamente, uma permanente despedida…”.
Francisco Edilson Pinto Leite Pinto Júnior é professor, escritor e médico
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