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domingo - 26/03/2023 - 10:38h
Série Acervo

A morte de Elizeu Ventania

Internado no Hospital Tancredo Neves, repentista sofreu parada cardiorrespiratória às 11h30

Por William Robson

O cantador Elizeu Ventania morreu teve fim de vida em condições precárias, praticamente abandonado pelo meio (Foto: reprodução)

O violeiro Elizeu Ventania morreu teve fim de vida em condições precárias, praticamente abandonado pelo meio (Foto: reprodução)

O violeiro Elizeu Elias da Silva, o Elizeu Ventania, 74, morreu ontem às 11h30 no Hospital Regional Tancredo Neves. Segundo o atestado de óbito, o artista sofreu uma parada cardiorrespiratória. Elizeu há um mês se internou no hospital por causa de deficiência pulmonar obstrutiva crônica ­­– um problema que atinge principalmente as pessoas que fumam.

A mulher de Elizeu, Benedita Neuma de Sena, muito abalada, disse que Elizeu era um fumante inveterado, mas que havia largado o fumo há alguns meses por recomendação médica. O corpo do mais conhecido repentista mossoroense ficou no velório do hospital até às 15h, quando foi transferido para a casa de seus filhos na Avenida Alberto Maranhão, bairro Bom Jardim, onde está sendo velado.

A previsão é de sepultamento por volta das 10h de hoje, no Cemitério São Sebastião.

Elizeu Ventania sentiu cansaço na noite do dia 6 de setembro e foi levado para o Hospital Tancredo Neves. Como seu quadro clínico se agravava, teve de ficar sob cuidados constantes na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Em entrevista à GAZETA, o médico Palmério Rabelo havia explicado que o caso de Elizeu era complicado. “Ele pode ter uma melhora agora, mas pode piorar imediatamente. Por isso, dele ficar na UTI”, disse.

O violeiro ficou durante uma semana no hospital. “Ele foi para casa, mas teve de voltar para o hospital com pouco tempo depois”, disse Benedita de Sena. Elizeu voltou a apresentar deficiência respiratória. Segundo o atestado de óbito, a parada cardio-respiratória foi provocada por enfisema pulmonar. Da segunda vez, o músico estava no hospital desde o dia 4.

Amigos e admiradores de Ventania ainda organizaram um evento para angariar fundos para o tratamento, bem como cestas básicas, já que, apesar do seu talento, era pobre e vivia somente de uma aposentadoria de R$ 130,00.

Sem reconhecimento

“Tenho vontade de mostrar minhas músicas novas em público, mas falta oportunidade”. Na entrevista que deu à GAZETA  no dia 19 de julho, Elizeu Ventania estava disposto a dar uma reviravolta em sua carreira. Decepcionado pela falta de reconhecimento por tudo que tinha feito pela cantoria em Mossoró, e por estar cego, Elizeu também mostrava-se revoltado com as brigas envolvendo repentistas mossoroenses.

LP de Elizeu, com apoio do Café Kimimo (Foto: Reprodução)

LP de Elizeu, com apoio do Café Kimimo (Foto: Reprodução)

Atualmente, o repente mossoroense é dividido em dois: o movimento encabeçado pelo presidente da Casa do Cantador, Luiz Antônio, e outra vertente mais moderna liderada pelo professor Aldacir de França. Elizeu achava-se excluído e ultrapassado, sem chance de mostrar o seu trabalho.

“O congresso de repentistas (organizado pela Casa do Cantador) só se preocupa em mostrar os violeiros atuais e esquece os antigos”, disse Elizeu, revoltado, na edição de julho. Esse congresso, considerado o evento mais importante da cantoria em Mossoró, reúne anualmente várias duplas de violeiros do Rio Grande do Norte e de outros Estados.

Só que, aos poucos, vem perdendo prestígio merecido, por falta de um bom gerenciamento. O congresso, que chegou a reunir um público superior a 700 pessoas no passado, não passou de cem na edição de 98.

Fim pobre e no abandono

Uma das figuras mais importantes da música em Mossoró morreu pobre, morando numa casa modesta na zona norte de Mossoró. Sobrevivendo com uma aposentadoria de um salário mínimo (R$ 130,00), foi desprezado pela sociedade e até mesmo pelos seus companheiros repentistas. Alguns ainda se manifestaram, organizando um show beneficente para conseguir cestas básicas, mas não passou disso. Cinco destas feiras foram doadas pela Petrobras.

 

A situação em que Elizeu Ventania vivia era um reflexo exato da decadência da cantoria no Brasil. O gênero perdeu a referência com o público e, portanto, tem de se satisfazer com pequenas pontas na programação da Rádio Rural.

No Hospital Tancredo Neves, momentos antes do velório, o corpo de Elizeu Ventania estava na pedra ao lado de um caixão simples. Somente a família foi vê-lo. No velório na casa dos filhos (Elizeu deixou cinco), foram poucas as  pessoas que foram dar o último adeus ao mais importante violeiro mossoroense.

Reportagem especial do Gazeta do Oeste em 20 de outubro de 1998 (Reprodução)

Reportagem especial do Gazeta do Oeste em 20 de outubro de 1998 (Reprodução)

Elizeu Ventania talvez seja o último poeta popular que levou o repente para os ouvidos das grandes gravadoras. Dos três LPs que lançou – nenhum remasterizado em CD –, o álbum “Canções de Amor” teve a melhor repercussão. Com o selo da Continental – hoje subsidiária da Warner Music –, Elizeu Ventania vendeu rapidinho 30 mil cópias. A música “A Voz do Prisioneiro” foi o hit entre os repentistas.

Adepto de um estilo tradicional de cantoria desde os 18 anos, Elizeu enfrentou a tempestade depois da bonança. Para melhorar o rendimento doméstico, montou uma banquinha no Mercado Público e começou a vender fitas com músicas novas e reproduzidas de maneira primitiva. Mas, a decadência da cantoria em toda a região o obrigou a fechar seu negócio e viver recluso em casa.

Cem músicas inéditas

Decepcionado com a falta de reconhecimento, o violeiro buscou isolamento do público desde que ficou cego há 13 anos, em consequência de conjuntivite. Porém mantinha a esperança de que voltaria a enxergar, embora não tivesse condições de custear a cirurgia.

Velório de Elizeu em sua casa, no Bom Jardim (Foto: Carlos Costa - Reprodução)

Velório de Elizeu em sua casa, no Bom Jardim (Foto: Carlos Costa – Reprodução)

Mesmo assim, não parava de compor. Estava com repertório de cem músicas inéditas, todas registradas em seu gravador, mas que não foram lançadas porque Elizeu mantinha uma certa decepção ao movimento repentista local. O momento que tinha era ideal para compor porque dizia que a tristeza atualmente era a sua única forma de inspiração.

“Depois que fiquei cego, larguei tudo na vida. Ela só é boa quando nós enxergamos, vemos o mundo. O mundo é uma inspiração para o poeta. Quando não vê, vive nas trevas”, disse em entrevista à GAZETA do dia 19 de julho.

*Reportagem especial publicada no jornal Gazeta do Oeste em 20 de outubro de 1998, assinada pelo jornalista William Robson, que agora em blog com seu nome reproduz série de matérias diferenciadas que produziu ao longo de décadas de profissão. Essa série tem o nome de “Acervo” (veja AQUI).

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Categoria(s): Reportagem Especial

Comentários

  1. Marcos Ferreira diz:

    Louvável neste espaço o resgate da memória e arte do poeta cantador Elizeu Ventania. Lamentável, porém, que a homenagem ao artista só tenha surgido no pós-morte. É dessa forma: raramente as flores são ofertadas em vida.

  2. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Triste história, poderia ser outro o final.

  3. Francisco Pereira Sobrinho diz:

    Para.mim foi uns dos maiores repentista que conheci entre eles Ecilo Pinheiro , Chico Pedra e Eliseu Ventania quando cheguei em Mossoró janeiro de 1961 escutava está dupla na Rádio Difusora era um delírio

  4. Ivan Bezerra diz:

    Assisti muito esse gênio do repente na minha juventude, ele fez muitas cantorias no Vale do Assu. Uma dupla muito valorosa Elizeu Ventania X João Liberalino.

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