Por Honório de Medeiros
“As palavras valem também para isso, dar alguma existência aos nossos delírios”, disse Raduam Nassar em Cantigas d’amigos (Cadernos de Literatura Brasileira, Ariano Suassuna).
Ariano, entrevistado pelo “Cadernos”, em certo momento lembrou: “não sou um escritor de muitos leitores; costumo dizer que sou um autor de poucos livros e poucos leitores -, (…) Mesmo que eu não publique, tem um círculo de leitores que sempre lê o que escrevo”.
Retruca o “Cadernos”: “Este é um circuito antimoderno, o circuito da comunidade interessada”.
Qual uma confraria de amigos, na Idade Média, digo eu, onde foi iniciada essa tradição. Montaigne e Boétié, por exemplo.
Assim é, assim será o caráter dos tempos atuais e futuros, no qual a imagem evanescente e superficial é tudo, e as palavras, mesmo quando amalgamando belos e profundos textos, manjar para poucos.
A palavra é arte, arte fugidia, de domínio difícil e angustiante.
Relendo “O Crime do Padre Amaro” do imenso Eça, lá encontro essa ideia pela voz do seco Padre Notário:
– “Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou um pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que é um meio de persuasão, de saber o que será que passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali… E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é – a absolvição é uma arma”.
A palavra é uma arma.
Recordo-me que dizia para meus alunos de Filosofia do Direito ser a confissão um inteligente serviço secreto, à serviço da aristocracia, para a manutenção dos interesses da elite dominante, nos tempos medievais.
A palavra: arte ou instrumento. Às vezes ambos ao mesmo tempo.
Não somente a palavra escrita, mas também a falada, mesmo aquela que suscita nossos delírios: arma com a qual nos ferimos.
Natal, em 7 de março de 2015
Honório de Medeiros é ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN, professor e escritor
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