• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 05/04/2009 - 13:26h

A síndrome da cadeira

Rubem Alves, escritor e psicanalista, defende algumas teorias até certo ponto curiosas. Uma delas diz respeito ao nosso corpo – para ele o nosso corpo seria como um castelo de cem quartos. Sendo noventa e nove quartos abertos à visitação do público – ali, com os visitantes estranhos, tudo são sorrisos e conversa cordial.

Mas o último quarto é o quarto que odiamos; nele mora nossa parte monstruosa e gostaríamos de nunca visitá-lo.

O mais curioso é que não temos a chave para abri-lo: “Quem possui essa chave é sempre uma pessoa amada e mais intima”.  Concordo em parte com o Rubem Alves, entretanto, acho que tem, também, outra forma de abri o nosso “quarto do horror”: a cadeira. Mais precisamente, a cadeira do poder.

Quem não conhece alguém que ao ocupar um cargo público importante – a cadeira do poder – não se transforma, modificando-se a ponto de não mais o reconhecermos?  É sempre assim, ou não?  

Sófocles, um dos maiores poetas dramáticos da Grécia antiga, em seu livro “Antígona” já nos advertia: “Das incontáveis maravilhas da natureza, de todas a maior é o homem (…) Com inteligência e habilidade ele pode se inclinar, ora para o bem, ora para o mal. Quando no governo, freqüentemente se torna indigno, abjura as leis da natureza e as leis divinas a que jurou obedecer, e pratica o mal, audaciosamente!”.

É o mal ou a síndrome da cadeira… O fato é que essa peça do mobiliário, surgida desde a terceira dinastia egípcia – cerca de dois mil e quinhentos anos antes de Cristo – quando está vinculada ao poder, exerce um efeito colateral de tamanha magnitude em quem se dispõe a sentá-la, causando na maioria dos casos: cegueira, ambição, surdez e, principalmente, amnésia.

Há relatos também de “sintomas” de cinismo e desonestidade. Como explicar tudo isso? É fácil: “A cadeira tem os pés no chão, no mesmo prumo de modo a proporcionar a quem senta o necessário equilíbrio (…).

Em geral tem quatro pés, os da frente representam a experiência e a ciência; os de trás são os da consciência e do bom senso – caso venham com defeito: são geralmente fabricados na família e na comunidade, não têm conserto na imensa maioria dos casos”.

A cadeira do poder, portanto, além de vir com defeito de fábrica, seus pés não estão bem fixados no chão – por isso o seu ocupante vive no mundo da lua, achando que será eterno no cargo e que nunca deixará de ocupá-la.  Jânio Quadros, certa vez, tentou nos advertir sobre o efeito maléfico desse assento.

O ano era 1985. O Brasil todo comemorando a vitória do PMDB nas eleições para prefeitura das capitais, exceto, em São Paulo, onde o ex-presidente estava desinfetando a cadeira do prefeito, pois dias antes da eleição o seu concorrente maior – FHC – tinha sentado na cadeira já posando como ganhador da disputa.

Esse gesto (da desinfecção da cadeira) provocou a indignação em muitos, no entanto, ninguém percebeu a mensagem de Jânio: “Era ali que morava o perigo”. Nesse caso era até um perigo duplo: FHC e a cadeira. 

A questão é que o sujeito senta na cadeira do poder, deixa de ouvir os amigos; fica com a visão destorcida; esquece o seu passado e os princípios que tanto defenderam durante toda a sua vida – princípios esses, que o levaram a ocupar a cadeira do poder. 

Você, portanto, que se encontra muito bem sentado na cadeira do poder, que pensa que nunca mais voltará ao seu lugar de origem: cuidado com a síndrome da cadeira!… E não esqueça: “O poder é efêmero”.

Por isso, é melhor passar a ficar em pé ou quem sabe trocar (a cadeira) por um tamborete. Assim, você ficará menos confortável, porém mais sensível para resolver os problemas; ficará menos arrogante; ficará menos vaidoso e, pode acreditar, não correrá o risco de cair sentado! 

Ah, já ia esquecendo: sem a cadeira, o seu quarto do horror, também, não será visitado – Que alívio, hein…

Francisco Edilson Leite Pinto Júnior, professor, médico e escritor

(*) publicado originalmente em abril de 2004 e hoje resgatado, em face da atualidade do seu enfoque.

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Categoria(s): Fred Mercury

Comentários

  1. Ricardo Jose de ARRUDA Neto(ARRUDA NETO) diz:

    Muito sábio e realista o comentário acima. Serve para reflexão de todos nós.
    Parabens Caro Carlos Santos pela seleção de tão importante, pedagógico e educativo artigo.

  2. Ceiça Praxedes diz:

    Nessa armadilha muitos já caíram. Mas o encantamento é tão grande que, infelizmente, esses não servem de espelho para outros.

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