• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 04/08/2013 - 08:27h

A triste partida

Por Patativa do Assaré

Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.

A treze do mês ele fez a experiença,
Perdeu sua crença
Nas pedra de sá.
Mas nôta experiença com gosto se agarra,
Pensando na barra
Do alegre Natá.

Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,
O só, bem vermeio,
Nasceu munto além.
Na copa da mata, buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra,
Pois barra não tem.

Sem chuva na terra descamba janêro,
Depois, feverêro,
E o mêrmo verão
Entonce o rocêro, pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não!

Apela pra maço, que é o mês preferido
Do Santo querido,
Senhô São José.
Mas nada de chuva! tá tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.

Agora pensando segui ôtra tria,
Chamando a famia
Começa a dizê:
Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo,
Nós vamo a São Palo
Vivê ou morrê.

Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia;
Por terras aleia
Nós vamo vagá.
Se o nosso destino não fô tão mesquinho,
Pro mêrmo cantinho
Nós torna a vortá.

E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,
Inté mêrmo o galo
Vendêro também,
Pois logo aparece feliz fazendêro,
Por pôco dinhêro
Lhe compra o que tem.

Em riba do carro se junta a famia;
Chegou o triste dia,
Já vai viajá.
A seca terrive, que tudo devora,
Lhe bota pra fora
Da terra natá.

O carro já corre no topo da serra.
Oiando pra terra,
Seu berço, seu lá,
Aquele nortista, partido de pena,
De longe inda acena:
Adeus, Ceará!

No dia seguinte, já tudo enfadado,
E o carro embalado,
Veloz a corrê,
Tão triste, o coitado, falando saudoso,
Um fio choroso
Escrama, a dizê:

– De pena e sodade, papai, sei que morro!
Meu pobre cachorro,
Quem dá de comê?
Já ôto pergunta: – Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato,
Mimi vai morrê!

E a linda pequena, tremendo de medo:
– Mamãe, meus brinquedo!
Meu pé de fulô!
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!
E a minha boneca
Também lá ficou.

E assim vão dexando, com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.

Chegaro em São Paulo – sem cobre, quebrado.
O pobre, acanhado,
Percura um patrão.
Só vê cara estranha, da mais feia gente,
Tudo é diferente
Do caro torrão.

Trabaia dois ano, três ano e mais ano,
E sempre no prano
De um dia inda vim.
Mas nunca ele pode, só veve devendo,
E assim vai sofrendo
Tormento sem fim.

Se arguma notícia das banda do Norte
Tem ele por sorte
O gosto de uvi,
Lhe bate no peito sodade de móio,
E as água dos óio
Começa a caí.

Do mundo afastado, sofrendo desprezo,
Ali veve preso,
Devendo ao patrão.
O tempo rolando, vai dia vem dia,
E aquela famia
Não vorta mais não!

Distante da terra tão seca mas boa,
Exposto à garoa,
À lama e ao paú,
Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,
Vivê como escravo
Nas terra do su.

Patativa do Assaré – (1909-2002) – Poeta popular de origem cearense

 

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Categoria(s): Poesia

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Numa entrevista, falando sobre Luís Gonzaga, Dominguinhos disse:
    Não fosse pelo Luís Gonzaga e a Triste Partida até hoje estaria perdida num destes folhetins de feira de cidade do inteiror nordestino.
    E prosseguiu dizendo que a cultura do Nordeste devia mais a Luís Gonzagava do que muito gente podia imaginar.
    Em Dominguinhos eu via um valor hoje raríssimo de se encontrar.
    A GRATIDÃO.
    Nunca perdeu uma oportunidade de dizer que tudo que era devia ao Gonzagão
    E eu completo.
    Tudo o que o Dominguinhos conseguiu ser devia ao seu caráter, seu talento e ao apoio recebido de Luís Gonzaga.
    Sem a mão amiga, sem o amigo que ajude na partida, fica difícil a qualquer um vencer as barreiras.
    ///
    CUSCUZ COM OVO SEM CAFÉ É SERVIDO NA MERENDA ESCOLAR
    O UNIFORME ESCOLAR AINDA NÃO FOI DISTRIBUÍDO EM MOSSORÓ

  2. Toinho Dutra diz:

    A maioria quando sobe,esquece da escada.Dominguinho nunca esqueceu.

    • Inácio Augusto de Almeida diz:

      Caro Toínho
      Esquece?
      A quase totalidade destrói a escada.
      Isto é próprio do ser humano.
      Confúcio, certa vez, sentado num banquinho na porta do que hoje chamamos de bar, é agredido violentamente por um brutamontes a quem antes nunca tinha visto.
      Ainda caído, Confúcio pergunta ao agressor:
      -Por que me bates se eu nunca te fiz o bem?
      Madre Teresa de Calcutá disse:
      Se queres fazer o bem prepara-te para o sofrimento.
      Eu sempre digo que nunca devemos esperar dos amigos gratidão.
      Somente os dotados de um grande caráter conseguem ser gratos.
      Dominguinhos era um deles.
      ///
      SALÁRIO DA PREFEITA DE MOSSORÓ É DE R$ 23.550,00.
      O SALÁRIO DO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE MOSSORÓ É DE R$ 15.000,00.

  3. Demostenes diz:

    Lindo poema , toda que leio ou ouço na voz de Luiz Gonzaga , nao tem jeito “ar lagrima desce dos ois “.

  4. Maria diz:

    Fico emocionada e com lágrimas nos olhos sempre que ouço essa música/poesia. Cantada nas vozes de Luís Gonzaga e de Dominguinhos então… Na minha infância, o meu avô paterno ouvia essa música e até hoje eu lembro do seu semblante triste pois, ele guardava saudades de muitos amigos que partiram para o sudeste para nunca mais voltar. Só quem é nordestino e enfrenta uma seca tirana sabe o que essa música representa. Obrigada Patativa, Luís, Dominguinhos e a todos os que cantam pelo mundo a fora a cultura do nosso nordeste brasileiro.

  5. Herbênia diz:

    Considero essa uma das músicas mais tocantes, que retrata a vida e a luta do sertanejo,povo forte,sofrido,mas, que não perde as esperanças! Bravo luiz gonzaga,bravo dominguinhos!!!

  6. Inácio Augusto de Almeida diz:

    De um tipo que a sociedade chama de vencedor ouvi:
    A GRATIDÃO É UM DEFEITO COMUM A TODOS OS FRACOS.
    Faz parte da filosfia dos “vencedores” a ingratidão.
    Observe os jabutis que são colocados nas copas das mangueiras.
    Daí eu sempre dizer que ninguém faça nada por alguém esperando receber algo em troca.
    Faça e reze para receber apenas a indiferença.
    Jesus Cristo é o maior exemplo disto.
    ///
    CUSCUZ COM OVO SEM CAFÉ É SERVIDO NA MERENDA ESCOLAR
    O UNIFORME ESCOLAR AINDA NÃO FOI DISTRIBUÍDO EM MOSSORÓ

  7. Gilmar diz:

    Tinha mais ou menos uns 7 anos de idade quando escutei essa música pela primeira vez. O som vinha do rádio da casa de um vizinho. Era um “raidão” (enorme) de madeira. A música e letra me chamaram atenção, então parei e fiquei escutando até terminar – estava comovido. Até hoje tenho aquele momento muito bem guardado na memória. Ao ler essa postagem dei vazão também a emoções nostálgicas do meu saudoso Doze Anos de outrora.

    Luiz Gonzaga compõe a lista das personalidades que admiro.

    //www.youtube.com/watch?v=r-8rsqTJi-0

  8. Gilmar Henrique diz:

    Caro Inácio, pessoa que semmpre contribui com seus comentários. Compõe a lista dos poucos que admiro. Meu caríssimo, vou copiar esse seu comentário.
    Pra ilustrar a ingratidão humana trago, de longa data, duas ilustrações. Uma é a aquela famosa fábula do escorpião e o sapo. A outra é uma parábola do Altíssimo Jesus Cristo quando narra que o Pai havia curado 10 cegos e apenas um retornou para agradecer. Concluímos, INDUBITAVELMENTE, que a grande maioria é INGRATA. Porém, não se surpreendam.

    • Inácio Augusto de Almeida diz:

      Obrigado pelo elogio.
      Você está por mim autorizado a copiar e a divulgar onde achar mais conveniente qualquer comentário meu.
      Um abraço

  9. Nonato Pereira diz:

    Existem duas musicas que me fazem chorar.
    Uma é o hino nacional que me faz chorar duas vezes, uma pela emoção e a outra quando escuto cantores desqualificados interpretando nosso sagrado hino: é uma lastima.
    A outra musica também é um hino. O hino do sertanejo. Lembro quando morava no sertão e a chuva chegou no final de abril e meu pai (que Deus o tenha) falava em levar a família para São Paulo (exatamente no ano do lançamento da musica). Graças a Deus que a Chuva chegou (atrasada, mas chegou) mas a musica ficou nas nossas lembranças. Adoro esta musica (faz parte da minha historia).

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