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domingo - 14/09/2014 - 11:33h

Autocrítica

Por François Silvestre

Marx dizia que “o papel da crítica não é enfeitar as grades com rosas para atenuar a feiura do cárcere, mas quebrá-las para a colheita da flor viva”.

Certa vez, num papo com Ariano Suassuna, ele disse não identificar beleza literária na obra de Marx. E fez algumas críticas a outros ensaístas alemães. Discordei e citei, naquele momento, duas passagens de Marx, no “Dezoito Brumário”, que considero um dos livros mais bem escritos da literatura universal. Essa conversa foi testemunhada por Racine Santos e Vicente Serejo.

Na primeira citação, referi-me à abertura do belo livro, quando o pensador refere-se a Hegel e o acrescenta. “A tradição de todas as gerações dos mortos oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”.

E continua: “Hegel afirmou que os fatos marcantes da História, assim como os grandes nomes são condenados à repetição. Mas esqueceu de informar que ao repetir-se, tanto o fato quanto o personagem, não o fazem sem alteração. O primeiro evento é a tragédia e sua repetição é a farsa”. É de bom alvitre informar que as citações aqui referidas não estão exatamente nessa ordem, nem a tradução é rigorosamente uma cópia.

Daí, ele enumera alguns exemplos. “Caussidière por Danton, Louis Blanc por Robespierre, A Montanha de 1845-51 pela montanha de 1793-95, o sobrinho pelo tio”. O tio e o sobrinho aqui referidos são Napoleão e Luis Bonaparte.

E fecha a obra com uma sentença histórica em forma de verso. “E quando finalmente o manto imperial cair sobre os ombros de Luis Bonaparte, a estátua de Napoleão ruirá do alto do Vendôme”.

Ariano ouviu atentamente e comentou: “Não conhecia esse texto. É realmente belo e me dou por convencido”.

Mas esse rodeio de carrossel foi para chegar ao ponto objeto do presente texto, que é a crítica. Ou mais precisamente a autocrítica.

A única autocrítica condenável ou, pelo menos, dispensável, é aquela feita pelo criador artístico. Também chamada de autocensura. Essa é uma castração do momento criativo. Como decepar os testículos de criação.

No resto, não. Só não faz autocrítica quem faz “da sua opinião o seu tirano”, como ensinou Stendhal.

Na vida social, tanto pela alteração das circunstâncias, quanto pela mudança dos tempos, a autocrítica é o estuário da honestidade política. Ou então a tirania da opinião, como um dogma, alimento do fanatismo, com o argumento falacioso da coerência.

Defender a tirania sino-soviética, as ditaduras latino-americanas, o peleguismo sindical, a eternização do poder nas mãos dos mesmos, seja partido ou pessoas, tudo isso é resultado da desonestidade filosófica. Da ausência de autocrítica.

Onde houver honestidade política, filosófica ou científica, aí residirá sempre um lugar reservado para a hospedagem da autocrítica. Nem que seja uma tipoia de rede velha e limpa, armada num canto de latada.

mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Artigo

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