Por Marcos Ferreira
Quem sabe amanhã (ou só depois de semanas) as luzes voltem. Hoje, porém, as sombras reinam em minha alma. Imagino como seria bom se tivéssemos dias seguidos de chuva, céu plúmbeo (perdoem o adjetivo) e um friozinho para atenuar a notória fornalha do nosso clima. Torço que chova. Chuva de fato torrencial, entremeada com raios e trovões. Suponho que assim o comércio de guarda-chuvas se aqueça. Pobres guarda-chuvas, encalhados nas seções dos magazines, apesar do Sol pungente que paira sobre as nossas cabeças tão habituadas aos rigores do astro-rei.
Almejo quietude, silêncio. Barulho apenas o da chuva, dos trovões, do vento. Telefone mudo, sem sinal, “sem rádio e sem notícia da terra civilizada”; do jeitinho da canção do Luiz Gonzaga e Zé Dantas. É isso. No momento preciso de um pouco de reclusão, de afastamento dessa roda-viva que é o mundo; a sociedade com os seus tentáculos, as suas engrenagens de moer carne e ossos. Não faço minhas as palavras de Florbela Espanca: “Tenho ódio à luz e raiva à claridade”. Não. Nem oito nem oitenta. Também não é culpa do psiquiatra ou dos psicofármacos se nesta circunstância me revelo dessa maneira, sem apetite para as trivialidades cotidianas.
Penso que existe (ao menos por um tempo) um certo benefício em desplugarmos nosso espírito da alta tensão da “vida em rebanho”, como no dizer de Antonio Alvino. Embora minha narrativa sugira melancolia, baixo astral, estou bem, estou deveras em paz e confortável. A velha rede e os surrados cobertores sabem que dentro em breve retornarei a eles. Não fazer nada, portanto, é o que planejo. Não me interessa, ao cabo destas linhas sem entusiasmo, qualquer tipo de compromisso.
Exceto, claro, as atividades da cozinha, que no mais das vezes se resumem a café e ovos mexidos na manteiga com uma banana em rodelas. Além do meu estômago, ouço agora a tropelia inconfundível dos gatos nas imediações. Há instantes em que a libidinagem dos felinos vem para o meu telhado. É o amor escandaloso dos bichanos, sem discrição nem pudores. Os cães se põem a latir nos quintais vizinhos, todavia os amantes de pezinhos acolchoados não dão a mínima para os cachorros. A mim, apesar da possibilidade de deslocamento das telhas, não incomodam muito. Após alguns minutos eles trocam de telhado, vão se amar em outros tetos.
Escrever é um osso que a gente não larga. Mesmo que se trate, em determinadas ocasiões, de um osso descarnado de inspiração e talento. O leitor que nos perdoe. Nem sempre as ideias, nem sempre o pensamento por escrito reúne as qualidades do que se possa classificar como um texto apreciável.
Segunda-feira passada (como se alguém houvesse perguntado) fui me consultar com um oftalmologista. Depois do colírio, das pupilas dilatadas e de levar muita luz nos olhos, o médico me disse o que eu já sabia: que estou enxergando muito mal para perto quanto para longe. Destacou que o meu caso não é simplesmente de troca de óculos. Solicitou uma tomografia. Não lhe foi possível identificar o problema com os aparelhos de seu consultório. Escrevo, pois, quase às cegas.
O homem recomendou até que eu evite dirigir. Desde então, por via das dúvidas, minha motocicleta está sem uso. A referida tomografia (desculpem o trocadilho) me custará os olhos da cara e será realizada na próxima quarta-feira, dia 18. O simples brilho das telas do computador e do celular já me causa desconforto. Em pouco tempo fico com os olhos cheios d’água, embaçados, ardendo.
Admito que estou apreensivo quanto ao resultado da tomografia. Um escritor cego, como diria Agripino Grieco, é tão útil quanto um tenor gripado. Ao longo dos próximos dias, na medida do possível e devido a esses incômodos oculares, buscarei as sombras, a penumbra.
É hora de apagar as luzes.
Marcos Ferreira é escritor
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