Por Bruno Ernesto
Nos últimos meses o café tem sido o centro de muitas notÃcias, desde questões relacionadas aos benefÃcios de sua ingestão, estilo de vida, tradição e, em especial, as questões relacionadas ao declÃnio de sua produção, aumento da demanda e a consequente disparada nos preços desse elixir que o mundo inteiro aprecia.
Tudo, absolutamente tudo, gira em torno dele. Se não concorda, é melhor sentarmos e discutirmos a questão enquanto tomamos um cafezinho.
Abstraindo todas essas questões, aproveitando o feriado do Dia do Trabalhador, juntei minha famÃlia e fomos conhecer a Fazenda Rio Grande, onde fica o cafezal mais antigo e ainda ativo do estado do Rio Grande do Norte, e que está encravado a 670 metros de altitude no municÃpio de Jaçanã, bem no topo da serra do Cuité, na divisa com o estado da ParaÃba.
Durante o trajeto, percorremos o estado de uma ponta a outra, subindo serras e rasgando o sertão, que está verdinho e exuberante.
Após a calorosa recepção, e já deliciando um saboroso café mais que especial, recém-torrado, moÃdo e preparado ali mesmo na entrada, rumamos para o cafezal e fomos conhecer aquele paraÃso.
Conhecendo um pouco da história da fazenda, o seu responsável, Diogo Jeremias, nos contou que o plantio do cafezal teve inÃcio em 1981, e que após mais de duas décadas, houve um perÃodo de letargia em sua produção, só tendo sido efetivamente retomada com a eclosão da pandemia da Covid-19, época que retraçou os planos de muitas pessoas no mundo inteiro e o local, além de refúgio para a famÃlia, serviu como recomeço da atividade cafeeira.
Enquanto caminhávamos no cafezal, Diogo falava todos os detalhes da produção do café, bem como as técnicas de manejo, detalhes com microclima, em especial a necessidade de sombreamento do cafezal para proporcionar uma produção de excelência e consistente do café arábica lá produzido.
Ele me mostrou a enorme diferença no desenvolvimento dos pés de café que crescem sombreados por enormes cajueiros e os que não são, ainda que a temperatura local se mantenha em agradáveis 25 ou 26 graus Célsius em pleno meio dia.
Também notei que alguns bois e vacas bem nutridos e vistosos, ao longe, descansavam calmamente debaixo das copas dos enormes cajueiros em meio ao cafezal.
Por um instante – talvez pelo adiantado da hora e a fome já dando notÃcias – fiquei curioso para saber se eles comiam os frutos doces de café ali fartamente disponÃveis, o que seria interessante, pois – imaginei -, quem sabe, o café desse um sabor especial à carne deles, tal qual os famosos porcos ibéricos têm a carne com sabor das bolotas (frutos do carvalho) que eles comem em abundância e que produzem o famosÃssimo Jamón Pata Negra.
Seguindo, ao nos mostrar um outro talhão de café, percebi que esse aparentava ser bem mais jovem que os demais, e, por curiosidade, perguntei a respeito da irrigação, manejo e adubação do solo do cafezal.
Ele nos falou da necessidade de investimentos frequentes para a manutenção, melhoria e ampliação do cafezal, o que representa um enorme um desafio para quem produz cafés especiais.
Enquanto olhávamos para esse talhão jovem, ele contou que, para viabilizá-lo, precisou rifar um boi de estimação da fazenda.
Como sou apaixonado e apegado aos animais – não considere tanto o episódio do Jamón Pata Negra -, e sei que quando alguém fala que é de estimação, ainda que se trate de um boi, imaginei o quão doloroso deve ter sido desfazer dele para poder dar seguimento ao cafezal.
– E o destino do boi, Diogo?
Ele sorriu um tanto sem graça e disse que o arrematante não tinha estima pelo boi e selou o seu destino como se fosse um qualquer.
Seguimos o passo e, por breves três ou quatro segundos, perguntei a ele qual era o nome do boi de estimação.
E ele olhou sério para mim e falou seco:
– Boi Café.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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