Por Bruno Ernesto
Da sala do apartamento do casal de grandes amigos, Franklin e Marcele, pude observar algumas vezes a Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, ou, simplesmente, Igreja da Glória, localizada no bairro carioca de mesmo nome.
Foram eles que me levaram lá pela primeira vez. Inclusive, Marcele já compartilhou inúmeros registros fotográficos dela: na chuva, no sol e à noite. Cada um mais belo que o outro.
E é com essa visão que eles esperam o primogênito, que, em breve, também porá os olhos nela.
É um privilégio poder contemplá-la diariamente, essa que é considerada umas das joias da arquitetura colonial barroca, vista por quem percorre todo o aterro do Flamengo.
Embora pareça uma igreja sem tanta expressão para os desavisados, inaugurada em 1730, foi a igreja frequentada pela família imperial quando de sua chegada em 1808, após a famosa fuga da corte portuguesa, temendo Napoleão Bonaparte.
Foi lá que o imperador Dom Pedro I e sua consorte, Dona Leopoldina, ávidos frequentadores da então igrejinha, batizaram não apenas a primogênita do casal, a princesa Maria da Glória – futura Rainha Maria II de Portugal-, no ano de 1819, como também foram batizados Dom Pedro II e a Princesa Isabel, que aboliu a escravidão no Brasil, e era esposa do famoso Conde d’Eu.
Como todo bom devoto, no ano de 1839, Dom Pedro II – talvez como gratidão por tantas glórias alcançadas -, outorgou à irmandade da igreja o título Imperial Irmandade da Nossa Senhora da Glória do Outeiro, o qual ostenta até a presente data, embora nenhum imperador ou família real ali mais faça suas orações, como nos áureos tempos.
Curiosamente, embora faça um certo tempo que não passe próximo da Igreja da Glória, a história de um outro casal também convergiu para ela.
Recentemente tive a oportunidade de conhecer a história do casal franco-brasileiro, Maria Helena e Jacques Boulieu, que ao longo da vida formaram um gigantesco acervo de 1200 peças de arte barroca – Notadamente arte sacra produzida nas colônias europeias entre os séculos XVI e XVIII, desde esculturas, resplendores, instrumentos musicais, a telas -, e que, visando preservá-lo e instigar as pessoas a refletirem sobre a religiosidade, idealizaram o Museu Boulieu, doando todo o seu acervo à Diocese de Mariana no ano de 2014, o qual foi reunido durante décadas, em assim, deixaram-no como legado para amplo e total acesso do público.
Localizado na cidade mineira de Ouro Preto, num casarão totalmente restaurado e modernizado, dividido em várias salas temáticas, com destaque para as salas Brasil Minas Gerais, Brasil Nordeste, América Hispânica e América Latina; foi inaugurado em 14 abril de 2022, e cujo acervo é simplesmente inacreditável. Até quem não tem fé, intimamente, vai agradecer à Deus pelo empenho do casal.
Em sua entrada, antes da escada de acesso às salas, um painel com a foto do casal Boulieu sorrindo, e um breve resumo de sua história, dava as boas-vindas aos visitantes – Ao final da visita, soube que Jacques Boulieu falecera há uns quatro meses. Entretanto, nada mais havia sobre a história do casal, senão um cravo- instrumento tocado por Helena- e uma pequena placa com a certidão de casamento deles, realizado no final dos anos 1950.
Duas coisas me chamaram a atenção naquela certidão de casamento: um dos padrinhos foi o presidente Juscelino Kubitschek, e a cerimônia foi realizada na Igreja da Glória.
Apesar de, talvez, para a maioria das pessoas, esse detalhe passe despercebido, percebi que aquela igreja de estilo barroco, despretensiosamente erguida naquele longínquo outeiro, foi o palco de encontro não apenas dos fiéis, como também de figuras históricas. Cada uma em seu tempo e sua importância.
Entretanto, as que destaco, coincidentemente, são todas amantes das artes e, aparentemente, de fé.
Decerto que arte sacra tem seu lugar em qualquer lugar que a encontremos. Porém, necessariamente, não tem correlação com a fé individual, uma vez que é muito comum vermos as pessoas desconhecerem totalmente o significado de certas representações religiosas e, terem, de fato, fé.
Até porque, normalmente, rezamos de olhos fechados.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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