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domingo - 14/10/2012 - 08:53h

Brasileiro não gosta de ler?

Por Lya Luft

Não é a primeira vez que falo nesse assunto, o da quantidade assustadora de analfabetos deste nosso Brasil. Não sei bem a cifra oficial, e não acredito muito em cifras oficiais.

Primeiro, precisa ser esclarecida a questão do que é analfabetismo. E, para mim, alfabetizado não é quem assina o nome, talvez embaixo de um documento, mas quem assina um documento que conseguiu ler e… entender.

A imensa maioria dos ditos meramente alfabetizados não está nessa lista, portanto são analfabetos – um dado melancólico para qualquer país civilizado. Nem sempre um povo leitor interessa a um governo (falo de algum país ficcional), pois quem lê é informado, e vai votar com relativa lucidez. Ler e escrever faz parte de ser gente.

Sempre fui de muito ler, não por virtude, mas porque em nossa casa livro era um objeto cotidiano, como o pão e o leite.

Lembro de minhas avós de livro na mão quando não estavam lidando na casa. Minha cama de menina e mocinha era embutida em prateleiras. Criança insone, meu conforto nas noites intermináveis era acender o abajur, estender a mão, e ali estavam os meus amigos.

Algumas vezes acordei minha mãe esquecendo a hora e dando risadas com a boneca Emília, de Monteiro Lobato, meu ídolo em criança: fazia mil artes e todo mundo achava graça.

E a escola não conseguiu estragar esse meu amor pelas histórias e pelas palavras. Digo isso com um pouco de ironia, mas sem nenhuma depreciação ao excelente colégio onde estudei, quando criança e adolescente, que muito me preparou para o mundo maior que eu conheceria saindo de minha cidadezinha aos 18 anos.

Falo da impropriedade, que talvez exista até hoje (e que não era culpa das escolas, mas dos programas educacionais), de fazer adolescentes ler os clássicos brasileiros, os românticos, seja o que for, quando eles ainda nem têm o prazer da leitura. Qualquer menino ou menina se assusta ao ler Macedo, Alencar e outros: vai achar enfadonho, não vai entender, não vai se entusiasmar. Para mim esses programas cometem um pecado básico e fatal, afastando da leitura estudantes ainda imaturos.

Como ler é um hábito raro entre nós, e a meninada chega ao colégio achando livro uma coisa quase esquisita, e leitura uma chatice, talvez ela precise ser seduzida: percebendo que ler pode ser divertido, interessante, pode entusiasmar, distrair, dar prazer. Eu sugiro crônicas, pois temos grandes cronistas no Brasil, a começar por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, além dos vivos como Verissimo e outros tantos.

Além disso, cada um deve descobrir o que gosta de ler, e vai gostar, talvez, pela vida afora. Não é preciso que todos amem os clássicos nem apreciem romance ou poesia. Há quem goste de ler sobre esportes, explorações, viagens, astronáutica ou astronomia, história, artes, computação, seja o que for.

O que é preciso é ler.

Revista serve, jornal é ótimo, qualquer coisa que nos faça exercitar esse órgão tão esquecido: o cérebro. Lendo a gente aprende até sem sentir, cresce, fica mais poderoso e mais forte como indivíduo, mais integrado no mundo, mais curioso, mais ligado. Mas para isso é preciso, primeiro, alfabetizar-se, e não só lá pelo ensino médio, como ainda ocorre.

Os primeiros anos são fundamentais não apenas por serem os primeiros, mas por construírem a base do que seremos, faremos e aprenderemos depois. Ali nasce a atitude em relação ao nosso lugar no mundo, escolhas pessoais e profissionais, pela vida afora.

Por isso, esses primeiros anos, em que se aprende a ler e a escrever, deviam ser estimulantes, firmes, fortes e eficientes (não perversamente severos). Já se faz um grande trabalho de leitura em muitas escolas. Mas, naquelas em que com 9 ou 10 anos o aluno ainda não usa com naturalidade a língua materna, pouco se pode esperar. E não há como se queixar depois, com a eterna reclamação de que brasileiro não gosta de ler: essa porta nem lhe foi aberta.

Lya Luft é escritora, tradutora e cronista

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Categoria(s): Crônica / Grandes Autores e Pensadores

Comentários

  1. Jean Torquto diz:

    Uma de minhas frustrações é não ser um leitor assíduo. Sou daqueles que acha o máximo comprar um livro, colocar na estante, mas o essêncial que é ler ainda não me abtuei.

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – Leitura é hábito, Jean. Comece lendo sobre o que você gosta, sem preocupação em ser “intelectual”< mas a leitura por prazer. Se gosta de futebol, leia sobre futebol, revistas, livros. Tem um de Tostão, que é excelente. Uma aula de crônicas sobre esporte e a própria vida desse médico e ex-jogador de futebol, que se transformou em cronista esportivo. Boa leitura

    • CALIBRE 50 diz:

      Ser intelctual não é primordial,é fato que quem ler e se intera de alguns fatos pelo menos evita tragédias eleitorais!É só!

  2. Francy Granjeiro diz:

    Por isso que é burro idiota e analfa

  3. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Caro Jean, não desanime, mesmo porque vossa senhoria é mais uma vítima do processo da cultura da não leitura que de há muito faz com que muitos brasileiros, que, inobstante serem alfabetizado, foram e são tragados por um processo educacional falho e com metodos prá lá viciados, o que torna o aluno um mero repetidor de fórmulas e exercícios já ultrapassados no tempo e no tempo.

    Infelizmente temos esse traço cultural do não apego a leitura e, consequentemente a reflexão crítica, que não necessariamente está vinculado apenas e tão somente a questão da educação formal.

    à meu ver há uma série de fatores que ao logo do tempo determinaram, essa verdadeira aversão ao hábito da leitura. Na atualidade, acreddito que um deles seja processo de tecnologização do ensino, ensino esse que ao longo da nossa história sempre olvidou qualquer vinculo construtivista e filosófico ao metodo de aplicação do ensino e da educação como um todo.

    Como sabemos, leitura tem a ver com o despertar da criança e do adulto para novas descobertas e aventuras lúdicas aventuras, novos mundos, inclusive o mundo da arte.

    Como dito, além das tradicionais mazelas que históricamente impediram o acesso de grande parte dos brasileiros à educação formal, e mais ainda não oportunizou àqueles que lograram se alfabetizar, um mínimo que fosse oportunizar uma leitura cotidiana e crítica, que a torna-se o ha´bito de ler tão imprescindível quanto o oxigêncio que diariamente respiramos.

    Costumo dizer que o último momento em que a criança tem favorável à arte é no pré-primário. Depois disso vem o massacre imbecil protagonizado pelas mídias, fadado ao fracasso, de instrumentalizar a criança. Ruína total. E essa ruína chega às universidades – às melhores universidades. A educação no Brasil é a mais desculturalizada que conheço. Todo mundo ri do americano porque ele não sabe onde fica Brasília. E daí? Melhor é saber como o americano cuida de seus universitários. O ideal do humanismo desapareceu totalmente. Não estou dizendo que deva haver formação em filosofia para todos. Mas hoje o jovem entra na universidade e vê que a universidade é mais do mesmo. Um fracasso enorme.

    A esse respeito…. trancrevo.

    O Insituto Pró-Livro divulgou nesta quarta-feira (28/3) a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. De acordo com o estudo, o brasileiro lê em média quatro livros por ano, sendo que, destes, lê integralmente apenas 2,1 livros. Metade da população do país não pode ser considerada leitora. A pesquisa foi realizada entre junho e julho do ano passado e entrevistou mais de 5 mil pessoas, em 315 municípios.

    Na categoria de leitores, enquadram-se aqueles que leram pelo menos um livro nos últimos três meses, inteiro ou em partes. Entre os que leem, as mulheres são a maioria: representam 53% do total.

    Já os que não têm o hábito de ler encontram-se na base da pirâmide social: são pessoas de idade mais avançada e têm como principais entraves à leitura a alfabetização precária, o desinteresse e a falta de tempo.

    A pesquisa ainda apontou que 75% dos brasileiros nunca foram a uma biblioteca. A frequência nesses espaços caiu de 10% para 7% entre 2007 e 2011. Além de não ir à biblioteca, a maioria dos brasileiros (33%) disse que não tem motivação para passar a frequentá-las.

    Durante a cerimônia de apresentação das estatísticas, a ministra Ana de Hollanda afirmou que os dados serão utilizados para direcionar as políticas públicas do Ministério da Cultura na área do Livro, Leitura e Literatura e que já vão ser inseridos no próximo edital a ser lançado pelo MinC, que envolve a presença da Cultura nas escolas, principalmente nas de tempo integral.

    Umbaraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA D ERAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

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