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domingo - 12/06/2022 - 10:30h

Cabra marcado para morrer

Por Marcos Pinto

(Em memória do coronel Lucas Pinto).

A história é a mestra da vida, aludindo personagens em seu tempo e em lugar determinado. Patenteia rumos e prumos, alinhando-os com as forças presentes nos sustentáculos do Universo. O título que encima este despretensioso artigo vincula-se à icônica figura do coronel Lucas Pinto, do Apodi-RN (11.10.1899/ 06.02.1981).

Coronel Lucas Pinto ao lado do presidente Juscelino Kubitschek (Foto: cedida)

Coronel Lucas Pinto ao lado do presidente Juscelino Kubitschek (Foto: cedida)

Jovem ainda, participou da eleição do ano de 1922, em que o seu fantástico irmão coronel Francisco Ferreira Pinto (1895-1934)  disputou e foi eleito o Intendente municipal mais votado, o que o fez também eleito para ocupar a Presidência da Intendência, cargo que em Agosto de 1926 passou a denominação  de Prefeito Municipal.

Sempre pautou a sua vida cultuando a honestidade e o trabalho como elementos dignificantes da trajetória traçada pelo Supremo Arquiteto do Universo. Foi o único apodiense a participar ativamente da Revolução Constitucionalista de 1932.

De estatura mediana, físico raquítico, contrastava com a sua extraordinária capacidade de trabalho e a grandeza dos seus triunfos nas atividades que abraçou. Aprendeu as envolventes nuances da política sertaneja na velha escola do seu primo, o famigerado e respeitado coronel João Jázimo Pinto, sogro do seu irmão coronel Francisco Pinto.

Era articulado, manso e meticuloso no trato com os seus humildes e laboriosos conterrâneos. Trazia no sangue o determinismo e a pujança do seu bisavô paterno o capitão Vicente Ferreira Pinto (primeiro deste nome), que no ano de 1817 já comandava os destinos do Partido Conservador em Apodi (Vide Livro “A Zona do Por do Sol” – Raimundo Nonato).

Como magnânimo benfeitor, o coronel Lucas Pinto foi o único apodiense a comandar os destinos do município por quatro gestões.

Com o advento do Golpe Getulista de Outubro de 1930,  a oligárquica família Pinto perdeu o mando e o comando administrativo do Apodi. Os antigos opositores Tilon Gurgel, Juvêncio Barreto e Martiniano Porto, acumpliciados pelos bandoleiros e irmãos Quincas e Benedito Saldanha  galgaram o poder.

Já em 30 de Outubro de 1930, o truculento Tilon Gurgel foi nomeado prefeito-Interventor, o que  para ele representou uma espécie de desforra política, haja vista ter perdido  fragorosamente a eleição do ano de 1928 para a Presidência da Intendência do Apodi para o seu  figadal adversário político coronel Francisco Pinto.

A gestão de Tilon não teve nenhum fato administrativo digno de nota, gestão que durou apenas sete meses e cinco dias. Era tenaz e truculenta a oposição política à família Pinto, sendo certo que já no ano de 1922, o desembargador Felipe Guerra traficou influência para nomear um Juiz de Direito estritamente vinculado a ele, por estreita amizade, com objetivo único de perseguir os coronéis João Jázimo Pinto e seu primo e genro o coronel Francisco Pinto.

Este  tendencioso Juiz de Direito atendia pelo nome de João Francisco Dantas Sales, cuja atuação durou o período de 1922 a  1925, tempo em que hospedava ostensivamente em sua residência o famoso chefe de cangaceiros Benedito Saldanha, que inclusive foi nomeado Prefeito-Interventor do Apodi  em 10 de Janeiro de 1933, tendo sido demitido em 23 de Julho de 1933.

Ocorre que em 16 de Janeiro de 1933, os irmãos coronéis Francisco Pinto e Lucas Pinto se encontravam em Natal a convite dos ex-governadores José Augusto e Juvenal Lamartine, para participarem da fundação do Jornal “A razão”, que seria o porta-voz do Partido Popular, criado meses depois.

Eis que em uma edição do mês de Abril de 1933 foi veiculada extensa reportagem descrevendo a caótica situação vivida na cidade e município de Apodi, que tinha como prefeito-interventor o célebre bandoleiro Benedito Dantas Saldanha.

Tendo chegado às mãos do prefeito-bandoleiro um exemplar do dito Jornal , desencadeou um intenso processo de retaliação aos componentes da família Pinto. O certo é que no dia 18 de Abril de 1933, por volta das 10 horas da manhã, Benedito Saldanha despachou dois de seus jagunços, ostensivamente  armados de fuzis,  para irem buscar o Lucas Pinto em sua casa de comércio, e trazê-lo à sua presença para prestar esclarecimentos sobre informações de que os Saldanhas comandavam e acoitavam uma espécie de milícia  particular em sua fazenda em Caraúbas-RN.  Ao ser intimado pelos jagunços, Sêo Luquinha não se fez de rogado, acompanhando-os sem delongas.

Nesse ínterim, um circunstante que presenciara tão humilhante cena de condução coercitiva, logo localizou o afilhado do Sêo Luquinha – o destemido e intemerato Deca Cavaco (Manoel Ferreira Gama). Imediatamente se dirigiu ao prédio da Prefeitura, onde estavam postados os ditos dois jagunços, obstruindo a entrada de quem quer que fosse. O Deca era um sujeito alto, espadaúdo, saruê, e de temperamento em constante ebulição.

Ao pressentir  que os dois  desavisados jagunços iriam  impedir o seu acesso ao prédio e escadaria que conduzia ao pavimento superior, logo tratou de dar duas vigorosas mãozadas nos peitos dos dois jagunços do Benedito Saldanha. Eles caíram ruidosamente no chão, sem esboçarem nenhuma reação, dado a famosa valentia do Deca Cavaco.

O Deca irrompeu aos gritos na sala do prefeito Saldanha, tendo encontrado o mesmo com um rebenque (chicote) à mão, mandando Sêo Luquinha engolir três bolas de papel, feitas com o dito exemplar do jornal “A razão”. E sentenciou:  “Vim buscar o meu padrinho e quero ver se tem homem que me empate de levar comigo. Como o falso valentão Benedito Saldanha já tivera uma altercação com o Deca Cavaco, que lhe “agarguelara” pelo pescoço e o levantara com as duas mãos, deixando-o com as pernas balançando, não teve outra saída a não ser ficar resmungando, ruminando sua raiva entre esgares.

Três meses depois, o Benedito Saldanha era demitido do cargo de prefeito-interventor.

O certo é que o Benedito só apresentava valentia quando se encontrava comandando sua jagunçada composta por cerca de 40 cabras, geralmente foragidos de distantes lugares da Paraíba e de Pernambuco.

Com o covarde assassinato do seu irmão, coronel Francisco Pinto, ocorrido em 03 de Maio de 1934, o coronel Lucas Pinto empunhou a bandeira de luta e passou a comandar a política e os destinos administrativos do Apodi. Sua derrocada política aconteceu em 1962, quando o seu filho – doutor Newton Pinto – perdeu a eleição para o Sr. Isauro Camilo, cria político dele. Camilo havia rompido com o antigo  líder, após pegar todas as manhas e artimanhas da velha raposa política da ribeira do Apodi.

Inté.

Marcos Pinto é advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Li o relato do Marcos Pinto e constatei que se mudasse os nomes dos personagens e o local da ação serviria para cidade do interior do Norte /Nordeste brasileiro.
    E quem ninguém se espante se eu disser que este modelo de dominação continua até hoje sendo utilizado nas corrutelas. Aproveitam-se da ausência da justiça, juiz e promotor só de 15 em 15 dias, para impor, pelo terror, a lei do silêncio e praticarem de forma descarada a corrupção certos da impunidade.
    Nos munícipios maiores, alguns até contando com universidades, agem usando dinheiro público para cooptar pessoas e instituições e anular qualquer resistência aos seus atos espúrios.
    Parabéns ao Marcos Pinto por mostrar a todos como funciona o modelo que permite a prática de corrupção com garantia de impunidade.
    Isto pode acabar? Pode!
    Basta uma lei proibindo qualquer tipo de doação a qualquer instituição, religiosa ou não, e qualquer gasto com propaganda usando dinheiro público.
    Mas isto nem em sonho acontecerá neste país, deixa pra lá…

  2. Amarildo Martins Tavares diz:

    Parabéns

  3. Amorim diz:

    Bela demonstração de amor e conhecimento famíliar!
    Lembro me que fui chamado, ou melhor, convocado, a constatar o óbito de uma pessoa muito importante naquela urbe, sei que foi em 1981 e lembro que o sobrenome era “dos’ Pintos, parece que eram ” inimigos’ políticos dos Freires.
    Não sei se é a mesmo Coronel em tela.
    Mas se foi, perdi muita história.
    Assim como de conversar com Seo Neném Holada dono de uma farmácia e que “medicava” a população a muito tempo!
    Um abraçaço

  4. Inácio Augusto de Almeida diz:

    PRESIDENTE DO STF DIZ QUE HOUVE CORRUPÇÃO NA LAVA JATO.
    Matéria completa AÊNCIA ESTADO
    O povo fica sabendo que o PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem pleno conhecimento da roubalheira e fica sem entender como os ladrões estào soltos.
    Parrce coisa do SAMBA DO CRIOULO DOIDO.
    /////
    CÁDÊ O COENTRO DA LICITAÇÃO DE MAIS DE MAIS DE 143 MIL REAIS REALIZADA EM 16//12/2020 PELA CÂMARA MUNICIPAL DE MOSSORÓ?

  5. Geraldo Francisco das Chagas diz:

    O destemido Deca Cavaco era avô da médica Danubia nascimento, ex mulher do ex prefeito de Felipe Felipe Guerra , como também bisavô do médico felipense Vítor Costa, parabéns Marcos Pinto pelo o resgate histórico.

  6. Geraldo Francisco das Chagas diz:

    O destemido Deca Cavaco era avô da médica Danubia nascimento EX esposa do Do ex prefeito de Felipe Guerra RN Hugo costa, como era bisavô do médico felipense Vítor Costa

  7. Raimundo Valentim Régis diz:

    Primo Marcos Pinto, sempre nos presenteando com os resgates históricos. Parabéns.

  8. Marcos Pinto. diz:

    Por lapso memorial, faço um adendo ao artigo, identificando os personagens da foto. Do lado direito ao esquerdo: Intelectual João Pinto, então dinâmico Prefeito do Apodi (Filho do saudoso Coronel Francisco Pinto); A seguir , o conceituado médico Dr. José da Silveira Pinto (Filho do Coronel Lucas Pinto); O respeitável Coronel Lucas Pinto; O grande Juscelino Kubistchek, Presidente da República, ladeado pelo Vice-Presidente João Goulart; E por último o competente Auditor Fiscal Antônio Ferreira Pinto (Sêo Tonho Pinto, irmão do Coronel Lucas PINTO).Isto posto e exposto, Inté. Tenham uma abençoada e proficua semana.

  9. ANTONIO FERNANDES PRAXEDES FILHO diz:

    Parabéns nobre historiador Marcos pinto, pelo interessantíssimo relato histórico apodiense.

  10. Rosa Chaves diz:

    Parabéns Marcos Pinto!👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻 Muito interessante sua crônica. É importantíssimo esse resgate histórico de personagens tão marcantes de nosso município de Apodi-RN. Não conhecia esses fatos de nossa história e fiquei encantada com seu relato. Um forte abraço!

  11. VALENTIM MARINHO NETO diz:

    LI A HISTORIA DO CORONEL LUCAS PINTO, ESCRITA POR MARCOS PINTO, EU MENINO CONHECI SEU LUQUINHA, QUE ERA FREQUENTADOR DA CASA DE MEU PAI; GALDINO JULIÃO DA MOTA, QUE MORAVÁMOS NO VALE DO APODI, EU LEMBRO DELE, ERA COMPRADOR DE CERA DE CARNAÚBA, MAS EU NÃO SABIA ESSA HISTORIA DELE. PARABÉNS A MARCOS POR NOS ABRILHANTAR COM ESSE RELATO.

  12. Antonio Soares diz:

    “Um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la.” (Edmund Burke). O doutor Marcos Pinto ajuda-nos a conhecer nossa história, a ele minha admiração e gratidão por compartilhar seu conhecimento sem pretensões e sem egoísmos.

  13. Wandenberg Pinto diz:

    Sempre que posso, pesquiso sobre a família Pinto, da qual faço parte, e tenho muito orgulho de pertencer a ela. A minha curiosidade começou com a existência de uma rua em Fortaleza, onde moro, com o nome de Coronel Lucas Pinto. As estórias contada por Marcos Pinto, que parte dela eu desconhecia, revelam a força e a pujança desse grupo que fez o Apodi ter a influência que tem até hoje. Parabéns Marcos

  14. Marcos Pinto. diz:

    Alô primo Wandemberg Pinto . Como Pesquisador há 48 anos (Comecei aos 15 anos) devo informar que a rua de Fortaleza tem o referencial em outro Lucas PINTO, também Apodiense e primo do meu tio-avô citado no artigo. O do referencial toponímico Fortalezense atrela-se à exponencial figura do, à época, famoso Comerciante do ramo da Construção Civil Sr. Lucas Ferreira PINTO, que no âmbito familiar era conhecido como Lucas Xandu. O Coronel do Apodi tinha o nome civil só Lucas Pinto. Mande as ordens. TMJ.(Tamo junto).

  15. Marcos Pinto. diz:

    Se não me falha a memória essa rua em Fortaleza está situada no Bairro Montese. É isso mesmo primo Wandemberg ?.

    • Wandenberg Pinto diz:

      É isso mesmo Marcos. O Coronel Lucas Pinto, pelo que consta não veio à Fortaleza. a Rua Lucas Pinto, comerciante, fica no bairro Cristo Redentor (antigo Pirambu), na região de bom comércio, seria como o Alecrim em Natal, onde eu nasci. Próxima vez que eu for a Mossoró lhe procuro para saber mais da família. Um abraço, primo.

  16. Iracema Medeiros diz:

    Cada dia que passa , sinto mais admiração por vc Marcos. Vc é incrível! Meu escritor e o meu poeta preferido. Saudades!

  17. Esmak Soares diz:

    Adoro ler as histórias de conflitos entre Coronéis da República Velha.
    Parabéns, meu amigo, por ter membros ilustres em sua família que ENTRARAM PARA AS PÁGINAS DA HISTÓRIA, EMBORA O CUSTO TENHA SIDO MUITO ALTO – A PERDA DE SUAS VIDAS, QUE ABALOU A FAMÍLIA, MAS NÃO TIROU A CORAGEM DE SEUS DESCENDENTES EM BRADAR CONTRA À TIRANIA!

  18. Esmak Soares diz:

    Adoro ler as histórias de conflitos entre Coronéis da República Velha.
    Parabéns, meu amigo, por ter membros ilustres em sua família que ENTRARAM PARA AS PÁGINAS DA HISTÓRIA, EMBORA O CUSTO TENHA SIDO MUITO ALTO – A PERDA DE SUAS VIDAS, QUE ABALOU A FAMÍLIA, MAS NÃO TIROU A CORAGEM DE SEUS DESCENDENTES EM BRADAREM CONTRA A TIRANIA!

  19. Aluísio Barros de Oliveira diz:

    Boa história do poder e suas imbricaçôes. Vezes funesta.
    Lembro de Sêo Luquinha e sua amável esposa, dona Gizinha Pinto. Muito. Era uma figura singular. Numa campanha politica, adquiriu máquina fotográfica e montou um estúdio em seu armazém. Ele mesmo caçava e fotografava eleitores. Virou sinônimo para fotógrafo ruim: “Parece fotografia tirada por Sêo Luquinha”. Tinha livre acesso a sua morada. Entrava pela porta da frente e atravessava toda a casa, q era porta e meia ligada a casa do filho Dr Newton Pinto e dona Nair do Monte. Na casa detrás, o médico José da Silveira Pinto e dona Zilá Holanda. Todo poder apodiense dali emanava. Naa campanhas políticas, lembro o rasfar de tecidos verdes para vestir a ala moça e os eleitores q pediam roupas e chinelos. Se eu subia nos caminhões e desaparecia em busca dos sítios? Não costumava perder comício. E apanhava por isso. Tempo bom de menino rei. Fomos.

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