domingo - 09/03/2025 - 13:50h

Caidinho por ela

Por Bruno Ernesto

São Jorge, Museu Boulieu em Ouro Preto-MG (Foto: do autor do texto)

São Jorge, Museu Boulieu em Ouro Preto-MG (Foto: do autor do texto)

Há coisas na vida que arrebatam a gente. Digo, arrebentam. Cega; não lhe deixar pensar, agir nem reagir. Lhe tira o sono, a fome; lhe maltrata e lhe afasta do convívio social.

Você vira refém de si mesmo, pois está tudo na sua cabeça. É como a batalha de São Jorge contra o dragão.

Recorri a tudo que se possa imaginar: reza, oração, ladainha, terço milagroso e ex-voto. Trabalho, mandinga, Tranca-Rua e toda sorte de falanges de Preto-Velho. Ervas – lícitas – in natura, defumadas ou garrafadas. Se o raizeiro for bom, vai lhe indicar fedegoso.

Nem médico consegue dar de conta dela por muito tempo. É uma coisa nefasta, funesta, nociva e incurável.

Embora com o avançar da idade tenda a diminuir a sua intensidade, seja novo ou velho, quando ela vem, arrebenta qualquer um. Não há como fugir.

Você pode até tentar evitar, mas uma hora vem. E quanto chega, é como se fosse sempre a primeira vez: a visão turva, surgem flashes de luz, alterações sensoriais, zumbidos, dificuldade na fala, náuseas, enjoos e até alucinações.

Me vendo sucumbir por ela, já usando opioides com frequência, busquei novamente ajuda médica, como fizera tantas vezes durante tantos anos e, cabisbaixo, escutei aquelas duras palavras que tantas vezes me alertaram:

– Cafezinho, chocolates, nem pensar! Não dê motivos para tudo voltar. Você sabe que mais cedo ou mais tarde ela vai acabar lhe derrubando. Vai ser uma dor de cabeça daquelas, um mal-estar desnecessário. Você perderá seus compromissos, deixará de fazer o que gosta. Ficará refém, escravo dela como foi da última vez.

Dito e feito! Nem no carnaval me deu trégua.

Nem uma pizza no meu restaurante preferido consegui comer na quinta-feira de pós-carnaval com ela na cabeça.

Na volta para casa, na companhia da minha filha, ironicamente, o YouTube tocava “Oba, lá vem ela”, de Jorge Ben Jor; e só deu tempo de levar a pizza para casa e me ver, mais uma vez, caidinho por ela: enxaqueca.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica

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