domingo - 06/05/2012 - 09:26h

Canindeh Alves (Chapéu de couro, chapéu de palha)

Por Lúcia Rocha

Francisco Alves de Souza ganhou o apelido de “Canindé”, aos cinco anos de idade, fruto de promessa da mãe que, vendo o filho perder muito peso, em consequência de febre amarela, valeu-se de São Francisco do Canindé, e jurou chamá-lo de Canindé Alves, caso vencesse a doença.

Tempos depois, já homem de comunicação, ele adicionou o H e assinava Canindeh. Candindeh Alves é um raro caso de alguém que ocupou todas as funções numa emissora de rádio, sendo um autodidata. Ou seja, sem o conhecimento acadêmico, um profissional que aprendeu por si só, pela intuição e esforço próprio.

Canindeh nasceu em 16 de agosto de 1935, em Pau dos Ferros, primogênito de Maria Alves de Souza e do vaqueiro Manuel Alves de Souza. Quando Canindeh tinha quatro anos, seus pais migraram com ele e Estelina para Mossoró, onde nasceram Osmínia e Pedro Segundo, seus irmãos.

Canindeh faleceu no sábado, dia 21 de abril de 2012, enquanto dormia, vítima de um infarto fulminante, aos 76 anos de idade.

Canindeh já havia passado por duas tragédias. Menino, viu enterrar o pai e, adulto, enterrou um filho com dois anos, Júnior.

Seu pai faleceu vítima de uma chifrada de boi, quando seguia com uma boiada, na Alagoinha. Canindeh tinha dez anos de idade. O avô materno, Pedro Alves Cabral, deu suporte à filha Maria Cabral, acolhendo-a em casa e encaminhou os netos, em especial Canindeh, que pegou no pesado, pois passou a trabalhar com um jumento, pegando água no rio Mossoró e vendendo de casa em casa, numa Mossoró que não tinha água encanada.

Poucos anos depois, o avô, Pedro Cabral, trouxe algumas vacas de sua fazenda no Riacho Grande e arrumou uma casa para Maria Cabral e filhos, no bairro Doze Anos, vizinho a Escola Moreira Dias, com um grande terreno, onde montou uma vacaria, para Maria tirar dali o sustento da família.

Canindeh ajudava a mãe e procurava subir na vida. Ficou sabendo de uma vaga para faxineiro no Cine Pax e passou a informação para o avô, que tinha amizade com Jorge Pinto, dono do cinema. Pedro Cabral pediu e conseguiu a vaga para o neto esforçado, então com quase quinze anos.

De carteira assinada, Canindeh, que vinha de uma disciplina caseira, fruto da mãe rígida e severa, exerceu suas funções, varria todo o Pax, até que surgiu a oportunidade de ser promovido para auxiliar de operador de cinema.

Canindeh Alves, que passou a trabalhar somente na hora da exibição de filmes, mostrou interesse em atuar no serviço de amplificadora do cinema e, aos poucos, conseguiu uma vaga, pela boa dicção e voz, que ele creditava a ser um excelente observador das falas dos atores, já que assistia muitos filmes. Teve também uma experiência como locutor de parque de diversões nas horas de folga.

Em 1955, com vinte anos de idade, passou a frequentar os corredores da emissora de rádio que acabara de ser inaugurada na cidade, a Rádio Tapuyo, onde Ivanilda Linhares, aquela que viria a ser sua esposa, era locutora e integrava o departamento comercial.

Surgiu a primeira oportunidade para Canindeh Alves numa emissora de rádio, quando fizeram um teste de locutor e ele foi aprovado. O fã passou a conviver com a musa e a história terminou em casamento, com cinco filhos, dos quais sobrevivem quatro: Neto, Ivana, Fátima e Vanusa.

Canindeh Alves, de locutor-noticiarista, atuou também como locutor comercial, radioator de novelas, disc jóquei, apresentador de programa de auditório, redator, repórter político, diretor artístico e diretor geral da Rádio Tapuyo. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde atuou como locutor na Rádio Mauá e criou o programa Chapéu de Couro, Chapéu de Palha, que trouxe para o rádio mossoroense.

Do Rio de Janeiro, Canindeh Alves foi convocado para retornar e assumir a direção geral da Rádio Tapuyo. Foi nomeado  Secretário de Comunicação, da Prefeitura Municipal, a convite do então prefeito Dix-huit Rosado. Anos depois, ao deixar o cargo, Canindeh ousou abrir a primeira agência de propaganda da cidade, a Vanusa Publicidade, atividade que acumulou em seguida quando dirigiu o departamento comercial da Rádio Libertadora.

Em outra oportunidade atuou no microfone da emissora, aos domingos, com o programa Chapéu de Couro, Chapéu de Palha, durante onze anos, e com o qual encerrou sua brilhante carreira, todo domingo, das 5 às 7h, na Rádio Difusora de Mossoró. Deixou um programa inédito gravado, a ser exibido.

Não é fácil perder alguém tão próximo e tão bondoso, que só plantou o bem. Alguém que aprendeu com o avô, agricultor e analfabeto, as mais brilhantes aulas de cidadania, ética, honestidade e caráter e, assim, pode transmitir esses valores para toda a família e amigos, através de atitudes que só honram aos que com Canindeh Alves conviveram.

Lúcia Rocha é jornalista e prima de Canindeh Alves.

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Segundo Paula diz:

    Eu queria usar o espaço para parabenizar Lúcia Rocha que soube muito bem descrever a vida do meu amigo Canideh Alves, que por sinal não sabia que era acrescido de um H no final. Muitas e boas lembranças guardo do amigo que sempre que nos encontrávamos fazia comentário de um radialista da urbe que ao comentar sobre um assunto falado por mim iniciou a reportagem dizendo: SEGUNDO, SEGUNDO PAULA…
    Bom domingo,
    Segundo

  2. José Valdir Julião diz:

    Bela crônica de Lúcia Rocha em homenagem ao conterâneo radialista…

  3. José Valdir Julião diz:

    Lá se foi o conterrâneo sem o erre…

  4. Fábio Oliveira diz:

    A memória desses valorosos homens da comunicação deve ser mantida viva. Conhecer quem e como contribuíram em sua profissão para o crescimento do que hoje é Mossoró e região, é um serviço da mais alta relevância que prestam aqueles que dão ressonância à história. Parabéns, Lucia, pela crônica. Está à altura do “Tio do Sertão”. E nela vejo muitos que já se foram e tantos outros que permanecem entre nós, mas de certa forma vivem esquecidos ou pouco valorizados. Parabéns, também, ao amigo Carlos Santos pela abertura do espaço. E conhecendo-o, como conheço, valoriza tanto quanto eu a história dos homens de bem que escreveram capítulos importantes da história da qual todos somos personagens. Vida longa aos homens de inteligência e decência.

  5. Alberto Lopes diz:

    Me orgulho muito de ter feito parte do grupo de amigos de Canindeh, ele ao lado de sua amada Ivanilda nos deixaram um legado muito grande de humildade, honradez, caráter e acima de tudo de honestidade e ética, tão difícil nos tempos de hoje. Trabalhamos juntos na Prefeitura quando fizemos parte das administrações de João Newton e Dix-Huit. Apesar de eu estar hoje morando em Natal, sempre quando eu ia a Mossoró e nos encontrávamos, fazíamos uma grande festa, pois relembrávamos “fatos” ocorridos na época da Prefeitura que marcaram as nossas vidas.
    Canindeh era um homem de “alegria contagiante” e soube sabiamente escrever seu nome na história de Mossoró. A sua partida certamente fará muita falta a todos nós…

  6. Marcos Pinto. diz:

    O Grande ser humano CANINDEH ALVES era um instrumento de DEUS permanentemente solidário. Nunca pecou por omissão ou premeditação. No exercício de funções de confiança e mando (Diretor-Geral da Rádio Tapuyo e Secretário Municipal de Comunicação de Mossoró) nunca olhou para os seus subordinados hierárquicos como se estivesse no cimo de uma montanha e os mesmos páirassem na planície. Nunca apaniguou interesses nem condescendeu com o erro. Solidário sem ostentações, encarnava a figura exata de homem perenemente lúcido, inteligente e culto. Em sua trajetória pessoal e profissional deixou amalgamada a imagem da decisão certa, coerente, sem tergiversações, para que amanhã não pudesse vir a ser acoimado de omisso ou conivente. Era imune ao assédio das promessas delirantes e esperanças irrealizáveis. Seu cotidiano era evidenciado pelas lições de dignidade e de independência funcional. Na imensurável dimensão de luz que ilumina a mansão celestial, com certeza ocupa o emblemático núcleo das estrelas de primeira grandeza. Até mais, grande amigo!.

  7. Ivana Linhares diz:

    Como é bom ler o que escrevem sobre meu pai… Embora a saudade a cada dia que passa aumente mais, é muito bom saber que ele realmente cumpriu com muita dignidade sua missão entre nós.

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2025. Todos os Direitos Reservados.