Minha cara Emily,
Sua xará, a poetisa americana Emily Dickinson, tinha um poema que dizia assim: “Baixinho perguntou: ‘Por que morrestes?’ /Pela beleza, respondi. E eu pela verdade. São ambas uma só, Somos irmãos, me disse”.
Então, é isso minha querida Emily potiguar, beleza e verdade: ambas são uma única coisa. São inseparáveis, como dois irmãos siameses. A verdade – mesmo com o seu lado doloroso, pois como as rosas ela também tem espinhos –, é bela. E que bela demonstração de verdade você nos deu.
É, não adiantou tentar esconder, pois a verdade é como a luz: ela brilha, iluminando até mesmo as trevas. Quem me disse? Não importa! Pois, o que importa, agora, é tentar colocar, em palavras, os sentimentos que me enchem a alma, neste momento.
Pense num professor feliz. Pensou? Agora, multiplique esta felicidade por mil. Multiplicou? Pegue esse resultado e eleve a qüinquagésima nona potência. Terminou o cálculo? Pois, esse valor encontrado nem chega perto do percentual de felicidade em que me encontro.
Não! Não estou exagerando não. Você acha que depois da sua atitude, eu poderia ficar diferente? Emily, tenho dezessete anos de docência – e espero ter mais o dobro disto – e durante esse período, nunca vi um aluno, ao receber a prova, constatando que essa mesma prova já tinha sido aplicada no semestre anterior – e mais: com as respostas já destacadas em negrito –, se levantar para alertar ao professor de que houve um equívoco e que a prova a ser aplicada não poderia ser aquela.
Fico imaginando a cara deste professor – que de forma inadvertida pegou o pacote de provas errado, enquanto as provas certas estavam na secretaria da coordenação do curso – e a sua felicidade de constatar que atitudes de honestidade, verdade e principalmente, atitudes éticas ainda podem ocorrer neste mundo de tantas e tantas misérias.
Minha Emily potiguar, o corriqueiro, o usual, o comum, seria você ter ficado calada, ter respondido todas as perguntas, sem nenhum esforço e ter conseguido o grande objetivo: tirar o dez. Mas não foi isso que você fez: você optou pelo caminho menos percorrido, mais íngreme e difícil de escolher.
Volto à sua xará Emily Dickinson que, em outro poema, que parece até ter sido feito para você, disse: “Em minha mente partiu-se uma tábua. E caí. Fui descendo, descendo,/ Cada mergulho me levou a um mundo/ E então terminei compreendendo…”.
E você compreendeu, minha cara Emily potiguar, que existe uma coisa mais importante do que todas as outras coisas, a nossa consciência. Consciência, que nada mais é do que esse juiz, que a cada dia nos alerta de que não adianta conquistar o pote de ouro, no final do arco-íris, se essa conquista não for carregada, em todas as suas fases, de atitudes éticas. É
Ética. Palavra que tanto tem faltado neste mundo também. E por isso, não se surpreenda se for recriminada pela sua atitude. Afinal, é bem provável que você tenha mesmo – em nome da sua consciência ética –, prejudicado algum colega seu que não se preparou para essa prova. E vislumbrou, no equívoco do professor, a oportunidade do ganho fácil. Isto seria muito bem aceito pela chamada “ética” utilitarista…
Mas, ainda bem, minha cara Emily potiguar, que existiu um Max Weber, para, um dia, nos alertar: “Nenhuma ética no mundo pode nos dizer (…) em que momento e em que medida um fim moralmente bom, justifica os meios e as conseqüências moralmente perigosas”.
E se hoje estamos passando por todas essas mazelas: desprestígio da classe médica, aviltamento dos nossos salários, condições desumanas de trabalho, etc. etc. é porque há muito tempo deixamos de lado atitudes como a sua. É muito mais fácil, minha cara Emily potiguar, escolher o medicamento mais caro, em detrimento de um genérico, pois assim, agradaremos o laboratório e ganharemos as benesses de uma viagem com toda a família, para um congresso médico.
É muito mais fácil, minha cara Emily potiguar, solicitar os exames mais caros de imagens, ao invés de uma simples ultra-sonografia, pois assim também agradaremos os representantes das máquinas e novas benesses nos serão ofertadas. É muito mais fácil, minha cara Emily potiguar, indicar o marca-passo e as próteses mais caras, etc. etc. e nem vou mais me alongar sobre o porquê disto…
Medicina e ética, minha cara Emily potiguar, são também irmãs siamesas – como a beleza e a verdade – não podendo andar separadas sob pena de prejudicarmos o outro, o nosso paciente: aquele que deposita toda a sua confiança, esperança, sonhos e, principalmente, a sua vida em nossas mãos.
E são em mãos como as suas, capazes de atitudes tão belas, que depositamos toda a nossa fé e esperança em dias melhores para a medicina deste país.
Você nos enche de orgulho e alegria, na certeza de que nossa missão de ensinar não está sendo em vão… Um grande e fraterno abraço!
Do seu professor e admirador, mais ainda, Edilson Pinto.
Francisco Edilson Leite Pinto Júnior, professor, médico e escritor
Nossa meu nome é Emilly Brito tbm :O