• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 02/04/2023 - 04:30h

Clube do Cafezinho

Por Marcos Ferreira

Esta semana precisei ir ao banco. Parei diante da porta giratória e dentro de uma caixa em acrílico (creio que fosse em acrílico) larguei alguns pertences que trazia comigo. Eram nada mais que um celular, as chaves de minha casa e algumas moedas embaladas numa fita adesiva transparente. Apenas depois disso foi que a desconfiada porta autorizou o meu ingresso naquele típico reduto do capital.

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Peguei uma ficha no porteiro eletrônico e, a seguir, tomei uma maçada de quase hora e meia até meu número ser chamado no monitor de televisão afixado no alto de uma parede. Nem sei dizer se toda aquela espera valeu a pena, pois o motivo de eu estar ali era um só: receber um novo cartão do Banco do Brasil. O outro estava vencido e com uma rachadura. Então, para obter esse objeto de importância nenhuma no tocante a dinheiro em caixa, lá estava eu, um cidadão ordinário e igualmente desimportante com uma merreca de setenta e quatro reais na conta-corrente.

Deixei a agência da Alberto Maranhão convicto do quanto o meu viver é uma espécie de zero à esquerda. Hoje me permitam estar assim, melodramático. É uma espécie de trejeito, um cacoete. Imagino que não se trate de vitimismo ou autocomiseração. Como se alguém houvesse perguntado, digo também que no próximo dia 10 de abril (peço que isto fique somente entre nós) completarei cinquenta e três anos de idade. Até o momento, para lhes ser franco, não me tornei outra coisa à exceção de um homem de letras sem relevo nesta terra e menos ainda por aí afora.

O que possuo de valor, outra vez sendo honesto comigo e com um bocado de gente bacana, não é muita coisa material, mas amigos que me têm honrado com sua amizade e consideração gratuitas. Alguns são de longa data, desde 1912, como Antonio Alvino, outros se achegaram não faz muito tempo. Talvez devido à minha súbita mudança de açougueiro do verbo para cronista dominical. Então, feito um sonâmbulo, eu caminhava devagar pela Avenida Alberto Maranhão, escolhendo os passos nas calçadas irregulares desta cidade, pensando à toa numa coisa e noutra.

Meti a mão no bolso, peguei o telefone e consultei as horas: 16:05. Com a mixaria no banco e aquelas moedinhas, cogitei entrar num café e pedir uma xícara da rubiácea. Mas, num reflexo de bom senso, larguei tal ideia e rumei para outro endereço: o do meu próprio casulo, onde uma porção do velho e saboroso moca não desfalcaria o meu orçamento como certamente ocorreria no comércio.

Quem sabe num dia qualquer, acompanhado de cafezistas como Elias Epaminondas, Marcos Rebouças, Odemirton Filho, Rocha Neto, Antonio Railton, Clauder Arcanjo, Carlos Santos, todos esses notórios apreciadores do líquido citado, sentemos para tomar essa bebidinha quente e odorífica. Por onde andarão Mário Gaudêncio, Ayala Gurgel, José Arimatéia, Francisco Amaral Campina, Túlio Ratto?… Estarei feliz ao redor dessas pessoas. Ontem mesmo, antes que eu me esqueça, recebi a visita do Dr. Marconi Amorim. E, evidentemente, tomamos mais um cafezinho.

Marconi veio conferir como ficou esta nova morada da Euclides Deocleciano, 32, fruto, em grande parte, do apoio de amigos. Claro que esta crônica não deveria ser tristonha, como se vê de modo predominante, todavia alguns ímpetos depressivos ainda me acometem, morbidez que combato seguindo as prescrições do Dr. Dirceu Lopes. Então, geralmente devido ao meu estado psíquico, às vezes esqueço do quanto a vida é maravilhosa e este mundo não é tão ruim quanto parece.

Portanto, às quatro e pouco da tarde, lá ia eu um tanto sem rumo, decerto em busca de algum amigo com o qual não havia agendado me encontrar. Realmente não encontrei ninguém, nenhum dos meus colegas batendo pernas.

Entrei no meu lar, tomei um banho, fiz café e bebi uma xícara sozinho. Após uns minutos o telefone tocou. Era o poeta Rogério Dias. Trocamos umas ideias através da invenção de Graham Bell e combinamos em ele vir aqui na próxima semana. Trará os seus apetrechos culinários para produzir algumas de suas boas e famosas tapiocas recheadas. De minha parte ficarei encarregado do café.

No fim das contas, dando o braço a torcer, reconheço que esta tarde não foi nada infecunda. Vez por outra, cheio de caraminholas, é o meu quengo que inventa as penas em que vivo, como no belo soneto de Olavo Bilac.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Bernadete Lino/ Caruaru-PE diz:

    Sem entrar num papo de auto ajuda, vou contrariar você, dizendo-lhe que você é uma pessoa rica: tem saúde, tem pernas pra andar, tem ótimas ideias na cabeça e amigos em grande quantidade. Até eu que nunca o vi pessoalmente, considero -me sua amiga. Não vou dar conselhos, afinal já vai completar 53 anos e sabe o caminho das pedras. O que poderia dizer pra ajudá-lo, é que tem gente demais querendo trocar lugar com você! Então, amigo, que tal mudar o foco e começar a agir diferente? Pense em coisas que gostaria de fazer e que não dependem de dinheiro. Dinheiro por si só, não é causa de felicidade. Quantos ricos infelizes tem por aí mendigando atenção e tudo que obtém é através do dinheiro. Seja feliz! Faça-se feliz! Valorize as pessoas que lhe querem bem; isso não tem preço. Fui funcionária do BB por 30 anos e vi muita infelicidade atrás de saldos vultosos. Famílias que se toleravam por conta do dinheiro. Você ainda é muito jovem! Ainda tem uma semana com 52 anos. Isso é só um número. Tenha um bom domingo!

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Prezada Bernadete Lino,
      Bom-dia!
      Apesar de alguns aspectos, não nego a você que sou uma “pessoa rica”. Exceto pelo lado monetário, que não creio ser o mais importante, possuo considerável riqueza imaterial. Por exemplo, contar com os amigos que possuo, além de ter você (também minha amiga) entre os meus leitores.
      Um forte abraço e até domingo.

  2. Edson Luiz diz:

    Tu és um excelente escritor, e parece-me também um astuto poeta. Parabéns pelas escrituras e textos!

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Caro Edson Luiz,
      Grato pela leitura e comentário.
      Será um prazer tê-lo como leitor deste espaço em outras oportunidades.
      Forte abraço!

  3. Edson Luiz diz:

    Sem comentários!

  4. Edson Luiz diz:

    Grande blogueiro!

  5. Edson Luiz diz:

    Bom dia!

  6. Odemirton Filho diz:

    Meu querido amigo: um bom papo, acompanhado de um saboroso café é um momento único. O clube do cafezinho é uma ideia maravilhosa. Vou aportar por aí. Aguarde.
    Abração!

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Querido amigo Odemirton,
      Bom-dia.
      Você é um amigo do peito e um convidade porene do nosso cafezinho.
      Aqui no aguardo da sua visita.
      Abração.

  7. Marcos Bezerra diz:

    Sempre muito bom ler o amigo e xará, e devo discordar dessa desimportância.
    Vou pouco a Mossoró, bem menos do que gostaria, mas lembro que nos encontramos da última vez. Faltou o café… não faltará na próxima.

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Caro amigo e xará Marcos Bezerra,
      Bom-dia.
      Será ótimo, uma honra, recebê-lo aqui para tomarmos um café e batermos um papo. Eis meu telefone para contato: 9. 9817-1690. Fico no aguardo. Um ótimo final de semana para você.
      Abraço.

  8. Amorim diz:

    Momentos de conversa leve, Momentos que com minha curta mente aprendo e tento entender o processo criativo, o processo de por em crônicas de uma fluidez que nos faz ” ver” o que está escrito.
    Obrigado Amigo.
    Um abraçaço extensivo a Natália.

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Caro amigo Amorim,
      Obrigado pelo carinho e atenção de sempre.
      Espero tornar a vê-lo em breve.
      Estou à sua espera. É sempre bem-vindo.
      Abraço e até domingo.

  9. Airton Cilon diz:

    Sem bem como é, ser um rapaz latino americano sem dinheiro no banco, e sem parentes importantes no interior do Brasil. O que enriquece a vida são os bons e velhos amigos. Abraços poeta, qualquer dia tomaremos aquele café ☕

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Prezado poeta Airton Cilon, artista multifário.
      Também aguardo você aqui em casa para um café.
      Será um prazer recebê-lo.
      Vamos combinar.
      Abração.

  10. Rocha Neto diz:

    Oi Marcão, você nos entregou hoje mais uma das suas jóias em forma de crônica, vou torcer e muito pra acontecer o encontro dos cafezistas, desde já grato por minha inclusão no elenco, não só das suas xícaras mais sim dos que vivem no seu lado esquerdo aonde bate um coração imenso que sabe dar e receber amor fraternal.
    Como o grande Amorim gosta de escrever, te mando também um abraçaço.

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Estimado Rocha Neto,
      Bom-dia.
      Obrigado por sua honrosa leitura e estímolo de sempre.
      Estou no aguardo do seu retorno e do nosso querido Odemirton.
      Articule com Carlos Santos outra visita.
      O trio parada dura é sempre bem-vindo.
      Abração.

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