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domingo - 27/09/2009 - 10:35h

Conversando com… Cézar Britto – 10

Em passagem por Mossoró no dia 23 último (quarta), quando lançou um livro, visitou obra da nova sede da Subseccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a sede provisória, além de participar de almoço, o presidente nacional dessa entidade, Cezar Britto, concedeu entrevista a esta página.

Esse sergipano de Propriá fala sobre o Direito de Defesa, crise no Congresso Nacional, reeleição em disputa institucional, Pec dos Vereadores e outros temas.

Veja abaixo o nosso bate-papo:

Blog do Carlos Santos – Que posição o senhor tem quanto ao instituto da reeleição dentro da OAB e qual a avaliação que faz em relação a quem opta por esse caminho?

Cezar Britto – Certa vez eu visitei uma grande empresa de representação lá em Minas. O proprietário expôs sua empresa e atribuiu ao fato de ter seis mil pessoas trabalhando, espalhadas pelo Brasil, o sucesso que conseguia. Havia capilaridade, havia motivação em sua empresa. Eu lembrei que a OAB tem 27 secções, 1.500 subsecções e o Conselho Federal, cada um com cinco dirigentes. Temos hoje em torno de nove mil dirigentes em todo o país, que atuam voluntariamente. Está aí o segredo da OAB, que responde sua indagação. Há um trabalho voluntário numa instituição que está presente no cotidiano da vida do Brasil, com enorme sacrifício pessoal. Fica difícil recrutarmos pessoas que possam ter esse papel, com disponibilidade de tempo. Quando fui inaugurar recentemente um escritório, o padre entrou em minha sala, abençoou-a e disse: “Esse aqui é o metro quadrado mais desocupado de Sergipe.” Nós abrimos mãos da advocacia para nos ocuparmos a uma causa maior, a causa da cidadania. Isso restringe o número de pessoas com disponibilidade de tempo à tarefa. Daí a OAB admitir a reeleição interna.

BCS – Mas o senhor é particularmente favorável, defende?

CB – Eu tenho pena dessas pessoas que resolvem ir à disputa da reeleição, pois são muito sacrificadas, às vezes até com muito prejuízo pessoal e familiar. Às vezes é difícil até a convivência com a família, com filhos, tamanha a responsabilidade e obrigações cotidianas. Mas nós lucramos com o trabalho que fazem, por sua experiência, empenho e papel voluntário.

BCS – O senhor lançou livro em Mossoró sob o título “Inviolabilidade do Direito de Defesa”. É comum o atentado ao direito de defesa no Brasil contemporâneo?

CB – Era muito comum quando assumimos há dois anos. Era quase uma realidade na vida do brasileiro. Existia um equívoco, um raciocínio autoritário, que o advogado que defendia o cidadão era um inimigo. Guardava semelhança com o ideólogo da época, o presidente norte-americano George Bush, que invadia países, criava a prisão de Guantanamo, admitia tortura como método de obtenção de provas. Sempre na lógica de que para combater o terrorismo, vale ser terrorista. No Brasil aconteceu isso muito fortemente, com invasão de escritórios de advogados, condenações midiáticas, proibição de advogados terem acesso aos autos, desrespeito ao direito de defesa. Gerava muita nulidade processual que absolveria posteriormente os criminosos.  Enfrentamos com destemor essa lógica e acredito que vencemos.

BCS – Mas existe uma permanente vigilância?

CB – Claro. Continuamos vigilantes. A Polícia Federal continua fazendo investigações, atuando, mas sem aquele espetáculo que existia antes. Graças também à reação da sociedade e da OAB. Um exemplo típico é a aprovação da Lei da Inviolabilidade do Escritório de Advocacia (11.767), a Súmula Vinculante nº 14 que diz expressamente que não pode existir processo secreto para o cidadão e seu advogado. Temos também uma mídia mais consciente e várias decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas você falou bem: temos que ficar vigilantes. A cultura autoritária não se revoga facilmente. Há consciência de que não podemos ser um país acusador, criminoso, em vez de defensor e cidadão.

BCS – Nós temos uma história republicana de quase 120 anos. Nesse período tivemos poucos espaços com simulacros de democracia. É possível pensar em democracia ou Estado Democrático de Direito em período tão ínfimo?

CB – Apostar na cidadania é apostar no futuro do Brasil, é apostar nessa Constituição que nos deu governabilidade, a de 1988. Ela deu certo. Ela nos deu 22 anos de estabilidade econômica e política. O Brasil teve vários tipos de Constituição e a mais democrática é essa. A que mais apostou no ser humano, em liberdade, em cidadania. Somos contra qualquer proposta que queira dilapidá-la, restringi-la etc.

BCS – O Congresso Nacional tem sido muito criticado e censurado nos últimos tempos. Existe até quem sugira o fim do modelo parlamentar bicameral, com extinção do Senado. Qual sua visão sobre esse debate?

CB – Não podemos confundir a má representação com a necessidade da representação. A crise é dos senadores, da representação equivocada. Entramos com ações criminais contra senadores, vamos entrar com ações cíveis para devolução ao erário do dinheiro desviado. Propomos a reforma política, um recall (possibilidade de cassar mandato). Propor a extinção do Senado é o mesmo que tentarmos acabar a doença matando o paciente. O Senado é importante para o pacto federativo, fundamental para a República. Ele faz o voto do Rio Grande do Norte ter o mesmo peso do voto do senador de São Paulo. Podemos aperfeiçoar o papel desse poder, que é uma casa revisora. Podemos fortalecê-lo.

BCS – A promulgação da Pec dos Vereadores torna a decisão do Congresso Nacional insofismável? Os beneficiados realmente tomarão posse e cumprirão mandato?

CB – A Pec tem um lado positivo, pois fortalece o parlamento municipal sem criar mais despesas. Mas a ideia de retroagir é um retrocesso. Há um grave prejuízo à democracia brasileira. Sendo esse o sentido da lei, nós entraremos com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

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Categoria(s): Entrevista/Conversando com...

Comentários

  1. ALCINDO DE SOUZA diz:

    Prezado Carlos,
    Soa-me insustentável a tese de que o aumento do número de vereadores não elevará despesas, sob o argumento de redução de alíquota de repasse pelos executivos municipais. Ora, a insustentabilidade inicia-se pela estrutura física para acomodar suas excelências em gabinetes e plenários, cargos comissionados para um monte de assessores e outras despesas mais. Se é possível reduzir ou manter os repasses mesmo com o aumento do número de vereadores significa que havia “gorduras” injustificáveis nos repasses. Por que não reduzí-los? O argumento de aumento da representatividade é balela. O número puro e simples não significa muito se composto por vereadores incompetentes e sem espírito público que servem tão somente como cabos eleitorais interesseiros e venais. E por fim, fazem mesmo falta à população?

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