Por Marcos Ferreira
Minha relação com os Correios é antiga e romântica. Desde o tempo em que me correspondia, por meio de cartinhas manuscritas e perfumosas, com uma antiga namorada de colégio. Ela residiu aqui durante apenas um ano. Morava em casa de uma tia materna, no entanto era oriunda do sertão potiguar. Isto há mais de trinta janeiros. Não entrarei em detalhes, ainda menos revelarei o nome da moça, visto que hoje tal pessoa se encontra muito bem casada com outra mulher, igualmente respeitável e feliz. O amor está acima das convenções e dos preceitos.
Naquela época, portanto, quando eu avistava um carteiro na minha rua, com sua bicicleta amarela e bolsa de lona contendo toda sorte de correspondências, meu coração logo disparava. “Será que ele traz algo para mim?”, eu me perguntava esperançoso, pois escrevia e recebia cartas frequentemente.Os tempos mudaram sobremaneira. Eu também estou mudado. Em alguns pontos, para melhor; noutros, prefiro nem aquilatar. A comunicação no modelo impresso, física, voou do papel para os suportes digitais, eletrônicos. Até as velhas ligações telefônicas, antes um charme e um luxo, após as tecnologias de que dispomos atualmente, estão divididas, rifadas entre aplicativos como o WhatsApp e Messenger, que oferecem tanto chamadas de voz quanto de vídeo. É tanta novidade, e num ritmo tão acelerado, que minha cabeça démodé não assimila.
Na medida do possível, com frequência bem menor e conteúdo lacônico, continuei escrevendo algumas missivas, não mais perfumosas nem manuscritas como aquelas. Correspondi-me, sobretudo, com pessoas do universo literário, a exemplo dos escritores Vicente Serejo, Franklin Jorge e Ivo Barroso. Este último, numa de nossas correspondências extraviadas no meu antigo correio eletrônico, livrou-me de publicar, após sua aguda leitura, um soneto decassílabo com uma sílaba a menos. Barroso me apontou o descuido e o poema “Ausência”, homenagem póstuma a meu pai, integra o livro A Hora Azul do Silêncio sem erro métrico.
Embora de longe em longe, os Correios ainda me trazem coisas bacanas. Como os cinco livros que recebi do final de dezembro do ano passado para cá, oferecidos por seus respectivos autores com gentis dedicatórias. Estou em falta com essas pessoas, posto que demorei meses até me debruçar sobre tais produções, acusar o recebimento e tecer algum comentário acerca das obras.
Então, como se alguém houvesse perguntado, faço aqui uma prestação de contas no tocante ao que fiz ou deixei de fazer de dezembro até agora. Especialmente devido a problemas de doença (não de saúde, lógico, visto que saúde é o oposto de enfermidades) e vários périplos por consultórios médicos e clínicas de exames laboratoriais. Sim, a minha agenda tornou-se uma bagunça.
A um só tempo, não bastassem os compromissos e imprevistos aludidos, encarei uma maratona (a custo de cafeína e pestanas queimadas) contra o relógio e o calendário ao acelerar a conclusão ou apenas a revisão de livros inéditos que possuo nos gêneros conto, romance e poesia. Sob pseudônimos, preparei os originais e os enviei, através do correio físico e postagens on-line, a certames literários além-fronteiras norte-rio-grandenses e mesmo para fora do país. O resultado? Cabelo e barba crescidos, casa malcuidada, ficando as leituras no ora-veja.
Assim, com a licença do prezado leitor e da distinta leitora, ilustro esta crônica de brilho emprestado com os autores e livros que os Correios me trouxeram. Vamos pela ordem de chegada. O primeiro título recebido foi O Verniz dos Mestres, conjunto de pequenos ensaios sobre a vida e obra de Marcel Proust, ícone da literatura francesa.
O Verniz dos Mestres (editora Feedback) é fruto da apurada e admirável inteligência do escritor e jornalista potiguar Franklin Jorge, visto pelo premiado crítico e ensaísta gaúcho André Seffrin como “um escritor para escritores”. O que mais posso dizer após depoimento tão consagrador? Nadica! Proponho apenas que leiamos Franklin Jorge, cuja produção é tão eclética quanto valiosa.
Dias depois, em voo direto de Brasília para esta Macondo tupiniquim, amerissou nas águas pluviais da minha rua, neste subúrbio onde sou figurinha fácil na rota batida dos carteiros, o Hidroavião (poemas, editora Patuá) do carioca Alberto Bresciani, radicado na capital federal. Bresciani (que me perdoe pela indiscrição) é ministro do Superior Tribunal do Trabalho (TST). Informação esta que não consta nos dados biográficos inseridos no livro que tenho em mãos.
Trata-se de poeta consumado, autor de uma poética com alta voltagem semântica e prosaica. Do seu Hidroavião, pesco o poema “Corrente”, um dos exemplos de como Bresciani confere às palavras significância além das acepções dos dicionários, sem, contudo, descambar para a linguagem indecifrável do intelectualismo: “Uma espuma, o ar,/ letra, uma folha/ descem pela escultura/ do rosto perdido/ (árido, metálico,/ dentro ainda)./ Contra o sol,/ não há luz./ Apenas um risco/ de água e sal/ no dorso/ da mão/ — o rosto de quartzo/ cumpre seu destino”.
De Recife, numa atmosfera de “escuridão e rutilância”, chega-me este formidável Ressurreição: 101 sonetos de amor (editora Nova Fronteira). Nesta obra invulgar, sem prejuízo da poeticidade em favor da forma nem da fôrma, vê-se toda a mestria e madureza de um poeta arrojado e bem-sucedido neste globo da morte que é a gaiola dos catorze versos da modalidade soneto.
É trabalho de ourives, projeto destemido e bem-acabado do poeta pernambucano Carlos Newton Júnior, ensaísta, crítico literário e professor da Universidade Federal de Pernambuco. Para mim, que tenho um fraco por esta que é a mais desafiadora das formas fixas da poesia, Carlos Newton Júnior é poeta superlativo, dos maiores da nossa literatura. Há pessoas de grande relevo que concordam comigo. Como Ariano Suassuna:
“Carlos Newton Júnior demonstra o poeta que é pela simples escolha das epígrafes de seu grande livro. […] Mas nenhuma delas teria o significado que tem se os poemas criados por Carlos Newton Júnior não tivessem a mesma altura. Enquanto os lia, eu ia recordando que Camões fundia numa impressionante unidade de contrastes a tradição erudita e culta dos sonetos às redondilhas que herdara do romanceiro popular português. Carlos Newton Júnior faz coisa parecida. Em Canudos encontram-se alguns sonetos que são dos mais belos que já li em língua portuguesa.” Este depoimento de Ariano Suassuna foi publicado na Folha de S.Paulo.
Do interior do Ceará, precisamente de Limoeiro do Norte, a poetisa e contista paraibana Graciele de Lima, doutoranda em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, enviou-me dois livros de sua autoria: Toda Mística é de Si (poemas, editora Ideia) e o volume de contos intitulado Alguns (sob o pseudônimo Maria Callado, editora Queima-Bucha).
Graciele, que tive a grata oportunidade de conhecer na época em que eu editava o caderno de cultura Universo, do Jornal O Mossoroense, é uma escritora talentosa e versátil, cujos dons e méritos artísticos extrapolam as letras, abrangendo a música na condição de cantora e compositora.
Na sua contística quanto no verso, Graciele de Lima se mostra autêntica, depurada, sem engodos, brilharecos nem tiques intelectualoides, dona da sua voz e linguagem, especialmente na prosa de ficção.
Agora, minhas senhoras e meus senhores, careço fechar a bodega e largar este expediente escorregadio de resenhista literário, no qual sou impostor. Isto, por absoluta incompetência e desconforto, não me agrada. Sem demérito para aqueles que possuem afinidade e estofo intelectual para esse exercício de abnegação. Não é meu forte. Se, porventura, possuo algum. Não abusemos, pois, da paciência do leitor, cujo pavio é curto. Alguns, aliás, sequer têm pavio.
Enfim, me sinto muito grato e honrado pelos livros que me foram gentilmente remetidos. Como em “O livro e a América”, de Castro Alves, eu digo: “Oh! Bendito o que semeia/ Livros… livros à mão cheia…” Mas fiquemos por aqui. Alguém tocou a campainha. Quem sabe seja o carteiro.
Marcos Ferreira é escritor
Genial!
Prezado Fernando,
Boa tarde.
Grato pela leitura e palavra de estímulo.
Cordialmente,
Marcos Ferreira.
Poeta Marcos Ferreira, como sempre, ótimo texto, que nos aponta autores/livros de altíssima qualidade literária!
Abraço
David Leite
Caro confrade David Leite,
Boa tarde…
Obrigado pela deferência e mensagem instigante. Você, antes de mim, teve acesso às referidas obras e conhece a qualidade que elas possuem, além do mérito dos respectivos autores.
Forte abraço,
Marcos Ferreira.
Correios, quem por acaso dele não necessita ou se não, ja necessitou, detecto na crônica do genial Marcos Ferreira, que os Correios na sua juventude servia para aguçar seus batimentos cardíacos, também para despertar paixão de um amor jovial sonhado e que o tempo se encarregou de adormece-lo, e hoje sem esperança de retorno.
Antigamente, lá no meu torrão berço Portalegre, não deminava-se certeiro e sim mensageiro, a pessoa que nos trazia cartas e telegramas, eram estas duas tarefas que os Correios exerciam, hoje, até de estabelecimento bancário a repartição serve, e vez por outra distribui sem saber, claro, drogas e cédulas monetárias falsificadas, isto sem se falar em animais silvestres, etc.
Tudo em nossas vidas mudou, em alguns casos pra melhor, em outros pra pior, e assim vamos tocando a vida.
Mais remetendo ao passado, sou do tempo a carta vinda pelos Correios, em sua maioria era motivo de alegria para quem as recebiam, pois elas traziam contos de coisas acontecidas e que dava pra ser descrito em carta, já telegrama causava pânico, pois o mesmo era pra dar notícias urgentes, e por ironia as mais péssimas predominavam, tendo como exemplo, comunicado de falecimento, doença, cobrança de dívidas, namoro acabado, gravidez indesejada e não planejada, etc e tal.
Lembro que estes indesejáveis comunicados eram emitidos pelo Código Postal do Son Mosson, conheci o instrumento lá na agência dos Correios de Portalegre, vendo o casal Tonhito e Áurea operacionalizando, isto sem em saber bulhufas do que era aquilo que era tocado com o dedo indicado, hoje a máquina do Código de Mosson, amigo Marcos, se resume ao teclado dos computadores e celulares, e tenho certeza que nossa juventude de hoje se quer, ja ouviu se falar a palavra Mosson.
Se algum jovem ler sua crônica de hoje, com certeza irá se aguçar não pelo sonho de paixão amorosa, mais sim em querer saber como no passado uma carta ou telegrama tinha grande importância.
Parabéns pelo o que esta escrito na tela de hoje.👍👍👊
Meu prezado Rocha Neto,
Bom dia…
Vejo que a sua experiência com os nossos antigos serviços postais (Correios) é ainda mais antiga e rica que a minha. Quiçá mais bonita. Você, amigo, teria muito a nos contar em uma crônica para este espaço. Fica a sugestão. Grato pela leitura e depoimentos sempre tão oportunos e enriquecedores.
Cordialmente,
Marcos Ferreira.
Boa tarde para tod@s
Caríssimo escritor e amigo Marcos! Que satisfação indescritível e inenarrável é a oportunidade de poder ” ler você ” . Cada texto que nos chega às mãos é uma aula, tanto no que concerne aos assuntos do cotidiano quanto à riqueza da literatura. Simplesmente LINDO! Parabéns e obrigada por proporcionar-me grandioso momento.
Querida amiga Rozilene,
Bom dia…
Seu eu já falei, permita-me ser repetitivo: é uma alegria saber que posso contar com a sua leitura neste rico espaço de opinião, informação e cultura. Ter você como leitora, a exemplo de outros leitores que aqui me têm acompanhado, é uma honra e um luxo. Um grande abraço e uma ótima semana para você e Edu.
Marcos Ferreira.
Sua crônica me levou a um longinquo tempo dos Correios sem dúvida não se tem mais hoje, a magia do invólucro perfumado e nem o cheiro da surpesa contida. A saudade bateu forte da velha Praça sa Matriz dde minha cidade de tantas lembranças. Quanto aprendi sobre escritores e seu trabalhos. Valeu Márcia Ferreira!
Doce amiga Dulce,
Alegra-me saber que minha crônica lhe trouxe recordações amenas, que a leitura lhe foi agradável, prazerosa. Você, assim como o amigo leitor Rocha Neto, têm muitas histórias bacanas sobre esse assunto, e que merecem ser escritas.
Um forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Para variar, Marcos sempre com uma escrita gostosa de ser lida.
Um dos maiores de Mossoró, só que o conhecendo, vai além, não duvido que até no além mar.
Grande abraço e feliz demais por o ter entre os amigos e por nós possibilitar leituras diversas e ricas.
Namastê!
Caro professor Tales Augusto,
Obrigado pelo incentivo e carinho de suas palavras. Espero continuar correspondendo às expectativas e oferecer textos que façam valer a pena o tempo empregado na leitura de cada crônica.
Que nossos encontros dominicais neste espaço se renovem e perdurem.
Cordialmente,
Marcos Ferreira.
É muito prazeroso ler as crônicas de Marcos Ferreira, uma vez que nos remete a tempos idos vividos com muito amor e que jamais voltarão, tanto porque foram ultrapassados pelo avanço tecnológico como também pelo avanço temporal, que é implacável! Salve, grande mestre Marcos Ferreira!
Querida professora Simone Martins,
Bom dia…
É sempre uma alegria e uma honra dispor da sua leitura e opinião. Cada vez mais, pelo crescimento e qualidade dos leitores que têm acompanhado minhas crônicas ao longo destes domingos, minha responsabilidade só aumenta. Mas isso tem sido um desafio e um aprendizado enriquecedor quanto gratificante.
Uma ótima semana para você e meu amigo Chagas.
Marcos Ferreira.
Saudações a tod@s!
Amigo Marcos, sua crônica, como sempre, muito inspiradora! Obrigada pelas partilhas de sempre. Um afetuoso abraço!
Prezada amiga escritora Graciele Callado,
Que bom, pelo que suponho, essa sua “primeira” participação no Blog Carlos Santos, em particular opinando sobre minha escrita. Foi prazeroso ler e escrever a respeito dos seus ótimos livros de poesia e contos. Espero contar com a sua presença neste espaço mais vezes. Um grande abraço e até o próximo domingo.
Marcos Ferreira.
O bom em ler textos de quem “é doutor no assunto”, é que tudo parece se materializar na sua frente, inclusive a bicicleta (amarela) do carteiro e o seu inseparável objeto de trabalho que é a bolsa tiracolo!!
Obrigado poeta por tudo que nos proporciona!!