Por Marcos Ferreira
Meu muro frontal é baixo, conforme declarei num texto publicado não faz muito tempo. Deito os olhos no comprido da rua. O domingo boceja sob um manto de arrebol. O domingo vai saindo de cena feito um velho exausto. Sim, examino esta estreita e esburacada Euclides Deocleciano à hora do crepúsculo. Para ser mais dramático, talvez à maneira de um poeta parnasiano, digo que o domingo está morrendo, agonizando em lânguidos raios sanguíneos na linha do horizonte.
Já não mais é tarde nem ainda é noite. Há um impasse entre o claro e o escuro. O tempo se encontra momentaneamente enguiçado no lusco-fusco, todavia pende devagarinho para os braços da noite. Assim mesmo nos restam uns retalhos de claridade solar. Os tensos postes desta via, como militares em fileira, continuam apagados. Logo, entretanto, acenderão as suas fortes luminárias de led.
Não há cadeiras nas calçadas. Suponho que meus vizinhos esticaram a sesta, estão ocultos em suas casas, possivelmente deitados, curtindo o ócio após uma semana puxada. Sobretudo as donas de casa, que parecem nunca ter descanso, reféns da herança maldita das infindáveis tarefas domésticas. É injusta, machista, essa cultura que impele as mulheres aos afazeres do lar, enquanto a marmanjada assiste a futebol na televisão, no bem-bom do sofá, de uma cama ou de uma rede.
O vento açoita as acácias, derrubando folhas secas; ergue poeira dos paralelepípedos sujos e tortos. Dois vira-latas brincam de gato e rato, gozando da ausência de veículos. Só agora, a propósito, surge uma picape de vidros fumês. Os cães suspendem a brincadeira por um instante e a retomam logo após. A seguir um levanta a perna e urina ao pé do poste sobre a calçada da senhora Raimunda.
Os pássaros começam a se recolher na mangueira aos fundos. Uns quatro morcegos dão voos rasantes de uma ponta à outra do meu quintal, passam raspando sobre o muro, ganham o espaço aéreo da rua e, audazes, repetem essa e outras manobras arrojadas. Onde estão as andorinhas? Alguém sabe dizer? Nem sei a última vez que as avistei. Este céu sem andorinhas é como um mar sem o sobrevoo de gaivotas. Sequer há pombos. Noto que os pombos também andam sumidos.
A senhora Raimunda surge na calçada com uma vassoura. Põe-se a varrer a cerâmica rústica. A poeira sobe. Alguns minutos depois, quiçá ofegante, interrompe a varrição. Olha para um lado e outro, porém não se dá conta da minha espreita. Percebe que um motoqueiro se aproxima e volta para dentro. Ela sabe que há ocorrências de assaltos no bairro. Agora surgem dois gatos no terreiro de Cristina, a vizinha aqui defronte. É um bichano amarelo e o outro é um cinza felpudo.
Após farejarem e demarcarem o perímetro, os cachorros dobraram a esquina da lanchonete de Zecão. Nenhum possui coleira. Possivelmente alguém lhes reivindique a tutela, contudo vivem soltos. São animais dóceis e ordeiros. Exceto por alguns sacos de lixo que, vez por outra, aparecem rasgados nas calçadas. Semana passada, por exemplo, ouvi a senhora Raimunda contrariada por causa disso.
— Que cachorros safados! — ralhava sozinha.
O vento assobia. Às vezes semelha um uivo nas rótulas das portas e janelas; ergue a areia das pedras, desacata os ramos das árvores e os fios do posteamento. O bairro inteiro parece imerso numa atmosfera modorrenta. Os rádios estão mudos. Por incrível que pareça, não ouço os aparelhos de som executando o nauseante gosto musical de alguns cidadãos. Tenho estômago fraco para certos sucessos gritados por uma récua de cuspidores de microfone que se consideram artistas.
Neste momento são os gatos que aproveitam a ausência daquela dupla de vira-latas brincalhões. Os felinos, como é típico da espécie, também brincam, encenam um combate inofensivo. Um salta sobre o outro, rolam pelo chão. O amarelinho, um tanto menor, dá um zapetrape no cinza, que reage da mesma forma. A senhora Raimunda retorna à calçada, posto que o motoqueiro vai longe.
Vem outro carro. Passa devagar. Os gatos sobem a calçada. A senhora Raimunda não receia o condutor do automóvel. Decerto acredita que indivíduos atrás de um volante não cometem crimes à mão armada, só os que pilotam motocicletas. É verdade, seja dito, que pouco se tem notícia de assaltantes guiando carros. A predominância (e daí advém o preconceito) é dos criminosos sobre motocicletas. Eu mesmo presenciei um vizinho sendo pilhado aqui diante do meu portão.
Dois sujeitos armados tomaram a carteira e o celular do homem. Fiquei me tremendo do lado de cá do muro. Recordei que trinta anos atrás sofri esse tipo de violência. Novamente dois bandidos. Um deles (ambos estavam encapuzados) botou o revólver atrás da minha cabeça. Nessa ocasião sequer me assustei. Horas depois, porém, bateu aquele mal-estar, uma sensação de quase morte.
Enfim os postes acenderam. Os morcegos intensificam as acrobacias aéreas. É incrível como não esbarram em nada. Ainda não são dezoito horas. Está próximo da noite se configurar. Pouco a pouco, em pontos esparsos, vão surgindo alguns moradores. A rua vai ganhando vida. A senhora Raimunda já se encontra sentada numa cadeira na calçada, em companhia da nora Navegante, também numa cadeira de balanço, tendo sobre o colo sua pequena e mimada cadela Pretinha.
Dentro de minha casa já está escuro. Penso em acender as luzes, no entanto me detenho por mais uns minutos observando a paisagem da Euclides Deocleciano. Zecão aparece na calçada, nu da cintura para cima, trajando bermuda estampada e sandálias de borracha. Hoje, pelo que percebo, não abrirá a lanchonete. Será que tem jogo do Flamengo? Sim, ele é flamenguista, e do tipo apaixonado.
Chega a ser divertido ouvi-lo torcendo em dia de jogo. É um show à parte. Se o time está perdendo ou no sufoco, xinga os jogadores, critica o técnico, esculhamba o juiz, larga um palavrão aqui, outro acolá. Ninguém se aborrece com Zecão. Os vizinhos gostam dele. Inclusive eu, que nutro, digamos assim, uma simpatia pelo rubro-negro. Isto, devo dizer, sem nunca ter vestido uma camisa do Flamengo. Só me interesso mesmo se o time já estiver na iminência de ser campeão.
O domingo está praticamente liquidado. Volto para dentro e acendo as luzes. Minha gata Gudãozinho ronrona aos meus pés. Olho a panelinha dela e coloco mais um pouco de ração. Sento à mesa e tento finalizar esta crônica crepuscular de modo a compensar o tempo empregado pelas senhoras e senhores. Eis um final nada brilhante, mas é o que eu tenho para hoje. Zecão acabou de gritar gol.
Com licença. Vou dar uma olhadinha no jogo.
Marcos Ferreira é escritor
Marcos Ferreira consegue relatar o cotidiano de forma simples e, ao mesmo tempo, genial.
Ah, hoje à noite tem jogo do Mengão. Vamos ganhar.
Abraços, poeta.
Caro Odemirton Filho,
Bom dia.
Obrigado pela leitura e comentário. É sempre uma recompensa contar com sua opinião neste espaço. E sigamos firmes com o Flamengo. Estamos no páreo e na área. Se derrubar, portanto, é pênalti. Rsrs.
Cordialmente,
Marcos Ferreira.
Caro amigo Marcos Ferreira,
Está na minha agenda, mais precisamente aos domingos, o encontro a que aspiro semanalmente: a escrita poética e filosófica do ‘Machado de Assis’ potiguar. Crônica após crônica, cada uma superando a anterior, a exemplo dessa ‘Crepúsculo do domingo’, que eleva a alma do leitor.
Fica a responsabilidade para o autor: manter a série, o episódio, a temporada…
Abraço, Alvino.
Meu caro Antonio Alvino,
Bom dia!
Como diria a minha amiga Lirinha (embora eu escreva este agradecimento já na terça-feira), ganhei o meu domingo com esse seu comentário consagrador. Grato pela leitura e por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. De minha parte, querido amigo, prometo tentar “manter a série, o episódio, a temporada”. É sempre uma honra tê-lo como leitor. Um grande abraço para todos vocês e até a próxima.
Marcos Ferreira.
Temos em nossas moradias recantos que nos servem como confessionários inspiradores aonde derramamos nossos pensamentos criativos em um alpendre, um terraço, um quintal e até mesmo em um cercadinho frontal geralmente existente em residencias, o qual denominamos de jardim isto porque ornamentamos com plantas florais para quebrar a aridez bucólica do ambiente que nos oferece uma linha horizontal formada por um muro de no máximo 1,30 cm de altura e frontal, pois este além do horizonte, nos serve também para o apoio dos braços e como observatório e que também nos obriga a curvatura em forma de genuflexão perante as coisas magnânimas que Deus nos oferece a cada dia. E a rua Euclides Deocleciano, aqui em Mossoró, no bairro Walfredo Gurgel, é aonde se encontra o cenário tão bem pintado pela aquarela intelectual do nosso grande Marcos Ferreira, este grande cronista que nos tornam mais humanos e sensíveis a cada domingo, pois o dia de domingueiro não se tornaria mais ameno se não existisse as belas cronicas escritas por este gênio das letras, e a crônica de hoje nos remete a vida simples de uma cidadela existente em algum lugar deste nosso país rico de natureza e desprovido de líder politico capaz. Bem, não vamos misturar alhos com bugalhos; retornemos pois a grande criatividade do nosso cronista que mentalmente enxergou do horizonte do muro frontal de sua residência, a qual também é habitada por Natália (paciente companheira) e Gudãozinho (o pequeno felino que serve de peça para tirar ou diminuir stress do casal), todo um quadro aonde predominou a calmaria e tranquilidade pelas quais sonhamos, mais que se tornam quase impossíveis de vivê-las diante a violência que nos circunda a vida cotidiana aonde também existem os gritos de dona Raimunda, creio que os pincéis da aquarela do cronista Marcos Ferreira, conseguiu miscigenar as tintas, a mistura foi boa, mesmo assim apareceu ainda nesta tentativa de se montar uma beleza, um ponto feio e colorido pela tinta da violência denominado de assalto, uma experiência
que foi vivida pelo cronista Marcos em tempo pretérito mais distante, e por mim a dois anos, mais ainda parecendo que foi ontem, diante o susto que fica gravado em nossas memórias, de tão cruel e violento que é o momento, mesmo assim não se deve ser desejado para nosso pior inimigo.
No mais amigo Marcos Ferreira, a vida continua, e Deus nos deu para ser vivida, e hoje faz 70 anos que me esforço para viver.
Obrigado Deus, obrigado aos meus pais Expedito e Conceição (in memorian) pela dadiva da vida.
Parabéns pela crônica em tela!! Inté domingo.
Querido amigo Rocha Neto,
Bom dia!
Somente agora, devido a contratempos domésticos, venho aqui lhe responder e agradecer por sua leitura e belo comentário. Sou-lhe muitíssimo grato. Mas, em especial, embora com atraso, quero lhe cumprimentar por seu aniversário, transcorrido no último domingo, 19 deste setembro. Desejo-lhe tudo de bom que a vida puder lhe oferecer, muitas felicidades, saúde e paz. Sempre! Concordo com o nosso amigo Odemirton Filho: teria sido ótimo irmos almoçar com você e saborearmos a deliciosa comida do Prato de Ouro nesse domingo especial. O Trio Parada Mole se faria presente: eu, Odemirton e Carlos Santos. Estudemos a possibilidade desse encontro acontecer num futuro próximo, de modo a brindarmos, mesmo com atraso, ao seu aniverário. Enfim, amigo, que Deus continue lhe abençoando.
Cordialmente,
Marcos Ferreira.
Bom dia Caro Mestre!
Demorei um pouco a comentar pois fui com meu neto José prá fazer “programa de homem” no alto dos seus oito anos. Maria sua irmã gemea estava dormindo; fomos ouvindo o Alceu Valeça que ele adora. Em tempo, o programa era ir ao mercado!
Pois bem, que saudades de casa com muro baixo, cadeiras na calçada e me veio a memória agora meu dizendo a minha mãe; vamos lá prá Dona Gena de Dr.Nelson bater papo! Meu Deus! Ficava eu imaginando o que era bater papo? Eu era criança! Acho que ainda resta um “cadim de nada”.
Andorinhas, tinha o mes certo delas a noite, se abrigarem na torre da igreja o que a gente ria muito era quando um cocô caia na cabeça do outro! Eram gargalhadas gostosas!
Infelismente Caro Mestre, “os dois da moto” é uma realidade. Falo sem preconceito.
Tá bom, já falei demais. Um dia aprendo! Sou tinhoso!
Um abraçaço!
Em tempo, lembranças à Natália.
Prezado Amorim,
Bom dia.
Você recordou bem o seu tempo de criança quando seus pais sentavam com vizinhos às calçadas, ainda sem a temeridade de hoje em dia ocasionada pelos “dois da moto”, como você frisou. Uma triste realidade dos nossos tempos. Mas aqui no Conjunto Walfredo Gurgel e nesta minha Euclides Deocleciano, com prudência em relação ao horário, as pessoas ainda conservam o hábito de trazer cadeiras para as calçadas e travarem um bate-papo com os vizinhos. Ao menos por enquanto. Grato por sua leitura e comentário. Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira.
Amei essa crônica. Bateu em mim uma nostalgia. Palavras que fazia tempo que eu não as via. O cenário e linha de tempo bem marcada na dissertação me fez sentir os cinquenta tons de cinza. Entre o vermelho do sol poente à Luz de leds do alpendre. Vc descreve uma cena como estivesse com uma câmara de filmagem. Até que em um vídeo.
Prezado Deisimar Nobre,
Bom dia.
Fico deveras feliz que tenha gostado da minha crônica “Crepúsculo do domingo”. E feliz também estou por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura que é o Blog Carlos Santos. Seja muito bem-vindo. Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira.
Crônica arretada e q traz à luz as pessoas do entorno. Voyeur, o cronista sabe apreciar a brisa baixa q movimenta a rua. A vida ao rés do chão. “Êta, vida besta, meu Deus”, dirá o poeta Drummond. Eu digo q MF extrai água da pedra e, assim, ganhamos a crônica do dia. O sol pode subir. Uh la lá
Querido poeta Aluísio Barros,
Bom dia.
Você é sempre um charme, um luxo nos seus gratificantes comentários acerca destas minhas crônicas dominicais. Adorei, por exemplo, este seu modo de sintetizar a minha crônica: “A vida ao rés do chão”. Uma beleza! Também concordo com a sua referência ao voyeurismo praticado por este cronista na contemplação da minha Euclides Deocleciano. Assino embaixo. Uma ótima semana para você e até domingo.
Marcos Ferreira.
Acredito que uma das melhores qualidades de um escritor é ter a capacidade de criar imagens na mente dos leitores.
Na crônica Crepúsculo do domingo, Marcos Ferreira não só criou imagens, mas também transportou os leitores que conhecem o dia a dia das pessoas simples para dentro do ambiente da narrativa.
Esse fato tem nome: talento!
Querido João Bezerra de Castro,
Bom dia.
É sempre uma honra e um grande estímulo contar com a sua leitura e opinião. Você, com a sua inteligência fulgurante e escrita escorreita, muito engrandece e enriquece este espaço reservado à opinião dos leitores. Espero continuar a oferecer páginas dignas da sua atenção e apreço. Forte abraço e uma ótima semana para você.
Marcos Ferreira.
Olá, Marcos!
Só agora parei para ler a sua crônica. Tranquila e serena com um final de tarde…
Sempre gostei dos domingos! Sou suspeita para opinar sobre eles… São mágicos? Coisas boas sempre acontecem… por exemplo: Hoje tive o prazer de trocar idéias com um amigo muito querido… Adoro começar bem a semana! Abraços
Amiga Vanda Jacinto,
Bom dia.
Tenho um gosto especial pelos dias de domingo, diferentemente da minha visão sobre os embalos do sábado à noite. Concordo. Os domingos têm qualquer coisa de mágico. Coisas boas costumam acontecer aos domingos, como esse seu comentário lírico e poético. Assim como você, eu também tive o prazer de trocar ideias com uma amiga muito querida. Grande abraço e uma ótima semana para você.
Marcos Ferreira.
Suas crônicas nós fazem ver e sentir, sem fechar os olhos, ações, sentimentos, odores, reações, enfim, reporta-nos ao cenário descrito como num passe de mágica. Você brinca com as palavras com a genialidade de um mestre. É gostoso ler suas crônicas dominicais!
Nunca vi descrição tão perfeita da passagem da tarde para a noite! Parabéns, meu querido escritor!
Querida amiga Simone Martins,
Bom dia.
Vindo de uma leitora do seu nível e sensibilidade, esse comentário, a exemplo de outros que você fez, traz-me alento e mais confiança no meu próprio taco, como se costuma dizer. A cada crônica, sem falsa modéstia, tenho a oportunidade de aprender um pouco mais com o processo da criação literária e evoluir com os depoimentos dos amigos leitores deste Canal BCS (Blog Carlos Santos). Uma honra, portanto, tê-la como mestra e incentivadora da minha escrita. Forte abraço e uma ótima semana para você.
Marcos Ferreira.
Boa noite, nobre escritor!
Estive com visitas, num belo reencontro após uma pausa aparente na pandemia, e só agora pude apreciar sua crônica “crepúsculo do domingo”. Quisera eu ter esse talento de transportar o leitor para o contexto do texto. Você é mestre em fazê-lo. A realidade passeia no meu olhar voltado para a rua Euclides Deocleciano, sem perder um único detalhe descrito pelo nobre poeta/escritor. Fico extasiada com a forma pura e simples que você possui, ao traduzir o cotidiano numa belíssima crônica. Aguardo esse presente em cada novo domingo. Parabéns, Marcos Ferreira! Pegue um cheiro das bandas do Norte.
Querida amiga Rizeuda da Silva,
Bom dia.
É sempre uma grande satisfação conferir este espaço dos leitores e deparar com um comentário seu. Pois você, craque que é com o manejo das palavras, consegue me convencer que fui bem-aventurado na fatura de minhas crônicas, dá-me, permita-me a imodéstia, aquele “gostinho de sucesso” de que fala o grande compositor e intérprete Toquinho. Muito obrigado, portanto, e mais uma vez, por sua leitura e opinião. Pegue também um cheiro aqui das bandas do Nordeste.
Marcos Ferreira.
Domingo é pra muitos, um dia solitário e vagaroso. Há quem goste de domingar com sua roupa de domingo. Há os de espírito crepuscular que preferem espreitar o domíngar, no pulsar das horas infindas. Valeu Marcos Ferreira. Até
Caro poeta Airton Cilon,
Bom dia.
Você comentou bem. Há domingos para todos os gostos e proveitos. No geral, entretanto, os domingos são mesmo dias arrastados, vagarosos, como você disse. Particularmente, é o dia da semana de que mais gosto. Sobretudo por essa lentidão, por essa sensação de vagareza, como se o dia contasse com mais horas do que os outros. É quando me sinto mais confortável para escrever, por exemplo, tomando o meu cafezinho escoteiro. Acho que minha escrita flui melhor aos domingos. É isso, amigo. Grato por sua leitura e opinião. Uma ótima semana para você e até a próxima.
Marcos Ferreira.
Texto do escritor de memória privilegiada . De um debruçar no muro de sua casa observando a paisagem cotidiana, descreve em crônica, do por do sol ao nascer da lua, o comportamento habitual dos amigos vizinhos de rua, com a cultura intimista de chama-los pelo nome próprio. Crepúsculo do domingo de Marcos Ferreira.
Querida amiga Zilene Medeiros,
Bom dia.
Em breves palavras, com sensibilidade, precisão e leveza, você sintetizou uma paisagem que precisei de quase três páginas para descrever. O cronista, porém, salvo raras exceções, é esse narrador verboso que necessita e se apraz ao retratar o cotidiano (pode ser uma tarde/noite de domingo) com abundância de palavras e imagens. O domingo, como já declarei a outros amigo, é o meu dia preferido, é quando me sinto mais à vontade para o exercício da minha escrita. E esse seu depoimento, a exemplo de outros que você deixou aqui, é um estímulo a mais para que eu me ponha a escrever a crônica do próximo domingo. Grato, portanto, e mais uma vez, por sua leitura e opinião. Forte abraço e uma ótima semana para você.
Marcos Ferreira.
Essas crônicas crepusculares nada têm de ocasionais. Elas muitas vezes dominam nosso espírito, por mais que este não esteja no ocaso da vida, no lugar outonal de nossa existência. Nem precisaria dizê-lo a você, Marcos, que sabe isso em suas crônicas e faz-nos saboreá-las também. Mas há, nesta nova crônica, a espera pelas andorinhas. Esse punctum do texto me fisga como a um peixe. Por onde andarão as andorinhas? Lembro-me de quando cheguei a Alexandria, no Alto Oeste potiguar, não no Baixo Nilo norte-africano e seu delta (neste, nunca estive, infelizmente), mas naquela Alexandria do início dos anos 2000, em que esperava a chegada das andorinhas. E elas chegaram no fim da tarde, com a algaravia do trisso de mil vozes! Que espetáculo era aquela festa! Comemoravam a vida, a travessia sobre o mar imenso. Primeiro, a fuga da Europa, à procura do calor da África (Canárias, Açores, Costa do Marfim), depois o Atlântico Sul; mas somente partem, empreendem viagem, as mais ousadas, as aventureiras. Por que razão se vestem lutuosamente, se vão em busca da vida? Porque há as que ficam pelo caminho, sempre. Há também dos nossos que ficaram pelo caminho, Marcos. Será que essa mesma melancolia nos visita em certos dias crepusculares? Deus saberá por onde andam as andorinhas. Como diz aquele fado cantado por Amália Rodrigues (ah!, nosso Fado), Deus “pôs as estrelas no céu [que substituem o ocaso], (…) fez o espaço sem fim, deu o luto às andorinhas, ai!, e deu-me esta voz a mim”… E por isso ouço o cantar das andorinhas nessa tua melancólica voz.
Prezado amigo Jessé Alexandria,
Que comentário lindo, meu caro! Que leveza, que tom saboroso de justa e oportuna melancolia você imprimiu em suas palavras! Depois de ler seu texto, mais um primoroso texto, penso eu por que não escrevi apenas sobre as andorinhas, se acaso a minha inspiração fosse o bastante para realizar uma crônica inteira só com essa lutuosa e poética personagem dos céus. Quem sabe eu faça isso noutra ocasião. Muito obrigado por mais essa inspiradora aula de sensibilidade e boa escrita. Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira.